Edição 18 - 20.03.20
Em 2019, a União Europeia destinou US$ 65 bilhões em subsídios agrícolas que deveriam, em tese, estimular o desenvolvimento de comunidades rurais, induzir a inovação no campo e promover o agronegócio no Velho Continente. O valor corresponde a 40% do total das despesas e representa a maior fatia do orçamento da associação que reúne 28 países europeus. É também um dos principais programas de subsídios do mundo, atrás apenas de projetos governamentais da China, e equivale a três vezes mais do que os Estados Unidos desembolsam para custear seus agricultores. O dinheiro, porém, não está sendo bem aproveitado – muito pelo contrário. Segundo uma extensa reportagem do jornal americano The New York Times, que investigou o caso durante quase um ano, os generosos subsídios da União Europeia não beneficiam quem deveria ser favorecido, como os agricultores que cuidam da terra, das lavouras e dos animais. Boa parte dos recursos, de acordo com a denúncia do jornal, vai parar nos bolsos dos oligarcas que, mesmo depois do ocaso do comunismo, ainda controlam com mão de ferro muitos países do Leste Europeu.
Um dos ícones da nova extrema direita na Europa, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, está no centro das denúncias. A investigação do Times constatou que ele usa os subsídios europeus como um sistema de patrocínio que enriquece amigos e familiares e protege seus interesses políticos. Recentemente, o governo húngaro leiloou milhares de hectares de terras do país, a preços sempre camaradas, para familiares e pessoas de seu círculo íntimo, incluindo o melhor amigo de infância, que, não à toa, se tornou um dos homens mais ricos do país desde que Orbán chegou ao poder. Como donas da terra, essas pessoas se qualificam para receber os subsídios europeus, fartando-se do dinheiro que deveria ter outro destino. Algumas delas, segundo o Times, são apenas laranja de Orbán, o verdadeiro dono de milhares de hectares. Não é só: o governo do primeiro-ministro chegou a se apropriar de terras de adversários políticos, sob o pretexto de que eram improdutivas, para depois distribuí-las a seus aliados.
O sistema prospera graças à ineficácia da própria União Europeia. O dinheiro dos subsídios é partilhado de acordo com critérios muitas vezes nebulosos, sem que o órgão saiba exatamente quem são os donos das terras. De acordo com o Times, a União Europeia falhou ao não investigar as suspeitas de corrupção que há muito tempo pairam sobre o modelo de subsídio agrícola. Ou seja: ela distribui o dinheiro, mas não está preocupada em acompanhar a sua aplicação dentro de parâmetros justos e legais. “Os maiores beneficiários se escondem atrás de estruturas de propriedade complexas”, escreveu o jornal. “Os dados das propriedades são mantidos em segredo, o que dificulta o rastreamento da posse e favorece a corrupção.” De acordo com o Times, o sistema consiste em uma espécie de “feudalismo moderno”, em que os poderosos com fortes conexões políticas obrigam os pequenos agricultores a se submeter aos seus desígnios.
Outra ex-integrante do bloco soviético, a República Tcheca adota o mesmo estratagema para favorecer suas elites na distribuição dos subsídios agrícolas. Em 2018, sempre de acordo com a denúncia do Times, as fazendas ligadas ao primeiro-ministro do país Andrej Babis arrecadaram US$ 42 milhões em subsídios. Na maioria dos casos, as terras não estão em nome do político, mas de seus parentes e aliados. O governo de Babis chegou a mudar a legislação do país para facilitar a captação de recursos da União Europeia. Ele nega as irregularidades, mesmo diante de todas as evidências apresentadas pela reportagem, e diz que as novas regras foram criadas para estimular o desenvolvimento do agronegócio tcheco. Não é o que parece. Apesar da fartura de subsídios recebidos, a República Tcheca não tem melhorado a produtividade no campo e continua a ser irrelevante no panorama agrícola global.
A reportagem do NYT desnudou o complexo sistema de corrupção dos subsídios agrícolas em vários países do Leste Europeu. Na Bulgária, foram descobertos laços inapropriados entre funcionários do governo e empresários agrícolas, que resultaram no pagamento de propinas para a liberação de recursos. Na Eslováquia, o jornal detectou uma “máfia agrícola” que controla todo o dinheiro enviado pela União Europeia. Não é exagero falar em máfia: pequenos agricultores relataram ter sido espancados para ceder a posse de suas terras e um jornalista foi assassinado depois de começar a investigar o caso.
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