15.10.19
Antiga capital do Rio Grande do Sul, a 25 quilômetros de Porto Alegre, Viamão é um lugar quase mítico para os apreciadores de vinho com mais de 50 anos. Embora distante de tradicionais regiões vinícolas gaúchas, como a Serra ou a Campanha, Viamão tem uma longa história ligada ao vinho.
Foi neste pacato município da Região Metropolitana de Porto Alegre que, na década de 1970, o visionário vinicultor Oscar Guglielmone instalou a sua Adega Medieval. Nela, elaborou vinhos – como o Nebbiolo considerado o melhor tinto brasileiro de 1983 pelo Guia Quatro Rodas – que são lembrados até hoje com lágrimas nos olhos por quem teve a felicidade de prová-los. Guglielmone foi assassinado em 1993, a Adega Medieval virou história, algumas poucas garrafas foram parar em adegas privilegiadas, e a breve mas fulgurante experiência vitivinícola de Viamão parecia condenada ao esquecimento.
Felizmente, há dez anos o professor Eduardo Giovannini e sua esposa Simone, ambos engenheiros agrônomos, decidiram plantar 3,5 hectares de vinhas e erguer uma pequena vinícola no solo arenoso do distrito de Águas Claras, em Viamão. Refrescados pela brisa noturna marítima do Litoral Norte, os parreirais da Quinta Barroca da Tília produzem hoje uvas para cerca de dez mil litros de vinho por ano. São 11 rótulos distintos de quase tudo o que existe no mercado, e identificados por nomes originais como Corvos Anjos, Rus de Alma ou Vênus das Tílias – com tiragens que vão de 300 a 1,2 mil garrafas por tipo.
O que distingue principalmente a Quinta Barroca da Tília de outras “vinícolas boutiques” é a sua rica coleção de castas raras ou desconhecidas no Brasil: Nero D’Ávola, Marzemino, Cabernet Volos, Saperavi, Mourvèdre, Caladoc, Pálava, Vermentino, Petit Manseng, Sauvignon Kretos ou Fiano, entre outras. Mas também o uso de técnicas incomuns de vinificação. Por exemplo: as uvas são lavadas e depois quase congeladas por 30 dias para secar, antes de irem para os tanques de fermentação. Neste processo, também desidratam, o que ajuda a concentrar açúcar, cor, aromas e sabores. “Na lavagem, saem terra, insetos e muita sujeira”, explica o professor Giovannini (Tudo isso, obviamente, iria para o vinho).
Contrariando um dogma antigo do mundo de Baco, que condena as parreiras a padecerem de sede quase até a morte para produzirem menores volumes de fruta, a quinta utiliza um moderno sistema israelense de irrigação por gotejamento. “Quero uvas de plantas felizes, saudáveis, e não uns poucos cachos de videiras torturadas”, resume Simone, doutora em meio ambiente e ecologia que participa, junto com o marido, da definição dos blends à escolha dos nomes e confecção dos rótulos.
Outra técnica utilizada é a fermentação de uvas brancas e tintas no mesmo tanque (cofermentação), como Vermentino e Sangiovese. Maluquices de um vinhateiro audaciosamente autoral? O professor Giovannini sorri. Dono de uma sólida formação acadêmica – ele tem mestrado, doutorado e lecionou na França, Itália, Espanha e em Portugal – não se importa com essas definições.
“Não sei se nosso vinho é ‘autoral’, mas leva consigo as características que quisemos imprimir desde o vinhedo”. Por trás das inusitadas “experiências” em sua “quinta-laboratório” há uma lógica impecável: que sentido haveria em uma vinícola tão pequena produzir mais um Cabernet Sauvignon ou mais um Chardonnay convencionais para competirem com centenas de similares da grande indústria?
Num sábado inesquecível desta primavera com cara de verão no Sul, em que percorremos vinhedos sob um calor de 37 graus e degustamos um sem-número de vinhos na preciosa cave do professor Giovannini, pelo menos dois rótulos ficaram gravados na minha memória sensorial: um refrescante branco Vermentino e um blend tinto de Mourvèdre e Marselan com nariz esplêndido sugestivamente batizado de Perfume Antigo.
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