Banana, couro ou petróleo no vinho?

Volta e meia, amigos ou leitores me perguntam: como alguém pode sentir aromas ou sabores de banana,


06.09.19

Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, prestando consultoria sobre agronegócio.

Volta e meia, amigos ou leitores me perguntam: como alguém pode sentir aromas ou sabores de banana, petróleo, couro ou chocolate nos vinhos? O vinho não é feito apenas com uvas? Sim, o vinho é – ou deveria ser – elaborado apenas com uvas. Mas não há nada de errado se encontrarmos em nossos vinhos preferidos aromas ou sabores de outras frutas, de pimenta, de baunilha, de coco e até notas mais exóticas de couro, tabaco ou pedra de isqueiro. Isso para não falarmos de excentricidades como aromas que lembram suor de cavalo, xixi de gato ou petróleo.

Mas, como isso é possível? A resposta é simples. O vinho é composto por mais de 600 substâncias químicas e orgânicas diferentes. Algumas moléculas de odores que estão presentes em frutas, legumes e na natureza em geral também podem aparecer na composição de alguns vinhos durante o processo de vinificação.

Por exemplo: a Pirazina, composto orgânico comum no pimentão verde, também pode marcar presença no vinho elaborado com a cepa Cabernet Sauvignon – especialmente quando as uvas são colhidas meio verdolengas. E a nota de “manteiga”, tão comum em vinhos Chardonnay com passagem por barricas de carvalho? Pode ser o Diacetil, encontrado em alguns derivados do leite, que às vezes também comparece à paleta de aromas de alguns vinhos brancos.

Claro que podemos dizer que determinado vinho contém traços de Pirazina, de Diacetil, ou então citar fórmulas químicas complexas para definir os cheiros e sabores que percebemos na taça. Mas, convenhamos, desse modo a avaliação de um vinho se tornaria algo extremamente técnico – e muito chato. É bem mais prático – e agradável – compararmos esses aromas e sabores aos de outros alimentos, flores ou frutos que conhecemos tão bem, não?

Chocolate, baunilha, mel, pão, abacaxi, ameixa, goiaba, framboesa, jasmim etc são alguns dos chamados descritores aromáticos do vinho, ou seja, referências reais, simples e conhecidas de todos, que utilizamos para contar a outras pessoas o que percebemos nos vinhos que degustamos. Mas há outros. Muitos outros. As notas de fósforo, de pedra de isqueiro ou de petróleo estão associadas aos vinhos Riesling alemães e alsacianos, por exemplo. O pão tostado, aos champagnes mais complexos. O couro e o tabaco, aos vinhos mais velhos. E assim por diante.

A memória olfativa e a criatividade verbal dos enófilos não conhecem limites. Há quem perceba num vinho aromas de um bolo que sua avó lhe presenteava na infância ou de um bosque envolto numa bruma matinal de inverno… Por que não? Não há nada de errado nisso, embora muitos leigos desconfiados considerem essa prática uma demonstração de esnobismo e afetação. Na verdade, é só uma maneira simplificada de analisarmos – com um pouco de liberdade poética, é verdade – o vinho que bebemos.

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Ninguém deve se sentir compelido a descrever os aromas e sabores de um vinho. Pode-se simplesmente bebê-lo em silêncio. Mas uma bebida tão complexa, tão rica em nuanças aromáticas e gustativas, merece que a apreciemos com um pouco mais de atenção. E, se possível, que compartilhemos nossas impressões com nossos companheiros de taças. Acreditem, é sempre mais prazeroso e divertido.

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