Gigante nacional da tecnologia, Grupo Positivo sobrevoa o agro

Por André Sollitto Desde o começo de 2018, a vida de Graciete Lima, consultora de Novos Negócios


Edição 15 - 04.07.19

Por André Sollitto

Desde o começo de 2018, a vida de Graciete Lima, consultora de Novos Negócios da Positivo Tecnologia, uma das maiores empresas de tecnologia do Brasil, deu o que se pode chamar de guinada. A executiva, que até então não tinha intimidade com as cadeias agropecuárias, passou a gastar a botina dentro e fora do País, como uma verdadeira desbravadora em busca das oportunidades para o avanço tecnológico no campo. Ela se enfiou de corpo e alma em uma imersão pelo universo do agronegócio após vislumbrar o potencial de desenvolvimento no meio rural. Por aqui, esteve em fazendas e cooperativas, e lá fora visitou países como Estados Unidos e Israel, para conhecer os ecossistemas de startups. E foi pinçando players importantes, capazes de fazer a diferença e atender às demandas dos produtores. Essa jornada culminou na criação de um fundo de investimentos que, até agora, concentrou seus aportes em AgTechs.

O interesse da Positivo pelo setor é compreensível. O Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo. Lidera a produção de café e açúcar, fica apenas um pouco atrás dos Estados Unidos na soja, e é o maior exportador de carne bovina do planeta. Ainda assim, toda a cadeia produtiva é repleta de entraves que limitam a lucratividade. Alguns deles resultam de processos que são transmitidos de geração a geração, por uma questão de tradição, testados pelo tempo, mas não necessariamente pela ciência. Grandes volumes de informação ainda são anotados à mão, em cadernos, sem a devida interpretação para transformar esses dados em conhecimento. Muitas tomadas de decisão ainda são feitas com base apenas na experiência do produtor. Por isso, há tanto espaço para as inovações tecnológicas. O ecossistema de startups do agro é vibrante e cresce a cada ano – e em breve será capaz de tornar o País uma referência global, um exportador de conhecimento e tecnologia.


O Grupo Positivo já havia flertado com o agro há pouco mais de um ano. A empresa fez um aporte na startup Eleva, responsável por desenvolver soluções para a agricultura usando drones, e hoje detém 40% da AgTech. Ajudou ainda a desenvolver o pulverizador Eleva Spray 150, maior drone de uso civil já criado. O veículo aéreo não tripulado foi exposto na Agrishow de 2018, em Ribeirão Preto (SP), e despertou o interesse dos visitantes, muito por causa do seu tamanho, pois ocupava quase o mesmo espaço de um helicóptero no hangar, e do visual, que remete ao 14 Bis, de Santos Dumont (1873-1932).

Em novembro do ano passado, a holding criou o Positivo Tecnologia Fundo de Investimento em Participações em Empresas Emergentes, motivada pela regulamentação da aplicação de recursos da Lei de Informática em fundos de investimento destinados à capitalização de empresas de base tecnológica. Na prática, a mudança determina que o capital usado no fundo saia das obrigações de investimento em pesquisa e desenvolvimento da empresa estipuladas pela Lei da Informática. Segundo Graciete, esse fundo é capitalizado anualmente, e parte dos recursos é usada para inovações internas. Até agora, 56% foram destinados a novos negócios – tudo no agro, transformando o que era flerte em um relacionamento mais sério. A empresa fez aportes, mas não revela os valores, em duas das principais AgTechs da atualidade: a AgroSmart, que desenvolve soluções em agricultura digital, e a @Tech, referência em pecuária 4.0.

Graciete Lima, consultora de Novos Negócios: holding do grupo enxerga potencial no agronegócio

A seleção das startups foi feita de acordo com uma série de critérios, incluindo o nível de “dor” do usuário da solução proposta, se as inovações criadas abordavam problemas primordiais para os produtores, ou apenas “dores menores”, e como se daria a otimização do lucro, visando a um ganho para toda a cadeia, e não apenas para o produtor. Foram analisados também o nível real do produto proposto e a capacidade da startup de oferecer sua ideia em escala. A AgroSmart e a @Tech foram escolhidas justamente por atenderem a todos os pré-requisitos. A principal ferramenta da @Tech é o Beef Trader, algoritmo que monitora dados sobre saúde e peso do gado e indica ao pecuarista o melhor momento para o abate. A AgroSmart também fornece dados para otimizar a tomada de decisão dos produtores, mas atua na agricultura.

“Vamos aportar mais do que dinheiro e mentoria”, diz Graciete sobre a atuação do fundo na prática. “Todos os fundos costumam dizer que não são apenas mais um fundo. No nosso caso, isso é verdade.” A principal proposta é favorecer a conexão das AgTechs com todos os parceiros da Positivo e com áreas da própria empresa que podem facilitar o desenvolvimento das soluções. A holding tem um serviço de pós-venda e assistência técnica em todos os municípios do País. E possui um portfólio de manufatura de hardware com produtos adjacentes a várias das inovações geradas pelas startups. Embora a criação de equipamentos exclusivos para as AgTechs não esteja nos planos da empresa neste momento, incentiva a adaptação desse hardware já existente.

A expectativa é alta por parte das startups. “Percebemos que estávamos falando de um investidor com os mesmos valores que os nossos”, diz Tiago Albertini, CEO da @Tech. “Além de se tratar de uma grande empresa de tecnologia que pode apoiar o agro, é um processo muito rico por abrir espaço para uma estrutura de governança importante”, afirma ele. A @Tech se prepara para reforçar sua atuação internacional e desenvolve uma série de projetos de curto e médio prazos. Nem todos podem ser comentados ainda, mas um dos principais no momento é o Animals Hub, espaço de inovação para AgTechs com soluções para produtores de gado. “A agropecuária movimenta R$ 600 bilhões, mas tem pouca incursão tecnológica. Grandes desafios geram grandes oportunidades, e queremos ajudar a revolucionar o setor”, diz Albertini. “O ecossistema de startups no Brasil ainda é muito recente”, continua o empreendedor. “Se olharmos para outros mercados mais maduros, como o dos Estados Unidos, da Europa e, mais especificamente, da Inglaterra, percebemos a necessidade de ter atores de diversas esferas”, acrescenta.

“Alguns fundos investem em determinados negócios já pensando no momento em que vão sair da empresa, preocupados apenas com o retorno financeiro. Nosso objetivo é ver o sucesso das startups em que investimos”, afirma Graciete. A Positivo tem participações minoritárias nas empresas em que injeta recursos financeiros, para que o controle continue nas mãos dos empreendedores. E respeita o tempo de maturação de cada startup. “Nas reuniões, identificamos dores nessas empresas que elas mesmas não perceberam ainda. Apontamos esses problemas, mas nem sempre os conselhos são aceitos de primeira. Normalmente, as pessoas comparam a relação de grandes empresas com startups como dinossauros e unicórnios. Eu costumo dizer que somos mais uma mãe com bebês no colo”, brinca a executiva.

Embora até o momento os investimentos tenham sido destinados ao agro, a vertical não será a única a ser contemplada pelo fundo. Sem entrar em detalhes sobre os próximos aportes, a consultora de Novos Negócios da Positivo afirma que a meta é diversificar a estratégia de investimentos com foco na sustentabilidade do negócio. E revela os próximos passos ambiciosos da iniciativa, como a criação de um centro de inovação em Manaus (AM). Inicialmente, a empresa terá um espaço dentro de um coworking da cidade. “Manaus é um grande polo de desenvolvimento que recebeu décadas de incentivo. Nossos recursos são oriundos de lá”, diz Graciete. “Ainda há muito preconceito com a região, mas esperamos que esse pedacinho que vamos montar lá faça a recepção para startups interessadas em empreender na cidade.”

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