Um confinador em busca de voos mais altos

Pedro Merola é um entusiasta da alta performance e procura conduzir todos os seus negócios dessa f


Edição 12 - 05.06.19

Pedro Merola é um entusiasta da alta performance e procura conduzir todos os seus negócios dessa forma. No caso do confinamento, esse desempenho pode chegar até a mesa do consumidor final

Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogerio Albuquerque

Assim que termina a entrevista, sob o sol do final da manhã na cidade goiana de Santa Helena de Goiás – o calor era intenso mesmo debaixo da sombra improvisada –, Pedro Merola solta um comentário tão bem-humorado quanto inesperado: “Não precisei repetir nenhuma vez. Estou ficando bom nisso”. Não fosse o tom da conversa e até alguns causos contados durante o papo que passou de uma hora, seria possível pensar que se tratava de vaidade. Mas o empresário, que havia recém-completado 40 anos, deixou claro não ter esse preciosismo. Ele se empolga mesmo é a com alta performance de seus negócios.

Pedro é proprietário da Agropecuária Santa Fé, empreendimento que se divide quase que meio a meio em produção pecuária e agrícola e fatura, por ano, mais de R$ 150 milhões. Na fazenda de 3 mil hectares, uma importante referência é o confinamento. Em mais de dez anos sob sua gestão, já saiu de lá para o abate um rebanho superior a 600 mil bois, oriundos de uma clientela que passa de 300 nomes. Este ano deve fechar com cerca de 70 mil cabeças, sendo a grande maioria (95%) animais de parceiros. Em média, o ganho de peso diário do gado é de 1,74 quilo, e o pecuarista resume em uma frase os vários fatores que permitem chegar a tal resultado: “Confinamento é manejo, de cocho e dos animais”.

Quando se entra nos detalhes, ficam mais explícitos os meios que levam a essa performance e que garantem o melhor retorno aos parceiros. “Fazemos um árduo trabalho de identificar semanalmente os animais prontos para o frigorífico. Imagine, em meio a cerca de 40 mil bois, você contar quantos já estão gordos a cada sete dias”, comenta. Esse amplo e minucioso monitoramento garante que o cliente da Santa Fé saiba exatamente quando pode negociar o gado já bem-acabado – e é ele quem decide de que maneira e para quem vai vender. Além disso, o controle evita a permanência no confinamento de um boi que já atingiu seu desempenho máximo, e estaria apenas gerando custo. “Sem contar que isso destrói todo o trabalho que fazemos para obter a melhor performance”, diz Pedro.

Das terras desta propriedade, 2,4 mil hectares são destinados a lavouras. Somadas às áreas arrendadas, em contratos de longo prazo (20 anos), chega-se a um total de 3,75 mil hectares de plantio, dos quais 2,1 mil hectares são irrigados e semeados com soja, tomate, feijão, milho para silagem e culturas para produção de sementes (soja, milho e sorgo). Nas áreas de sequeiro cultiva-se soja, sorgo, girassol e cana. “Como quase 60% de nossa área é irrigada, temos água suficiente para fazer salvamento na cana [quando se utiliza água residuária para irrigação], que dessa forma pode durar até oito ou nove cortes com rendimento médio de 100 toneladas por hectare”, afirma Pedro.

Grande parte da performance agronômica resulta dos cuidados com a terra. “Todas as áreas são mapeadas a cada 3 hectares para avaliação de fertilidade, usamos muito esterco para corrigir o solo e deixá-lo com o mais alto potencial possível”, detalha Pedro. A preservação do solo é uma prioridade na fazenda há muito tempo, tanto que se faz plantio direto na propriedade desde 1982. Ou seja, bem antes de Pedro estar no comando. Aliás, muitas das prioridades atuais vêm de outras gerações.

GENEALOGIA AGROPECUÁRIA

Pedro nasceu na capital paulista, mas com menos de 2 anos já estava morando na Santa Fé. “Sou a quarta geração da família nesta mesma fazenda, e a quinta no agronegócio”, acrescenta. A história da propriedade começa com seu bisavô, Misael Rodrigues de Castro, formado em Agronomia em 1915, na 13ª turma da Esalq-USP. Ele comprou as terras em Santa Helena de Goiás, em 1933, e formou a fazenda. O patrimônio foi doado para a avó de Pedro, Maria Aparecida de Castro Merola, e com isso seu avô, Francisco Merola Neto, trocou o negócio no ramo de joalheria para lidar com o agronegócio. “Eles fizeram a mesma coisa e doaram a fazenda para os três filhos, que vieram e fizeram a vida deles aqui”, acrescenta.

Um desses três novos proprietários da Santa Fé era seu pai, Ricardo de Castro Merola, pecuarista reconhecido no setor pela postura empreendedora e de liderança. O interesse em inovações tecnológicas é outra característica forte na forma de gerir de Ricardo Merola. “Ele é um empreendedor nato e sempre foi engajado com tecnologia. É por causa dele que a Santa Fé, além de ter o plantio direto mais antigo do Cerrado, é uma das primeiras fazendas a serem irrigadas na região”, comenta Pedro.

A admiração e o respeito com que Pedro fala do pai dão uma boa ideia da base sobre a qual sua carreira profissional foi construída. Convivendo desde muito cedo com esse ambiente de fazenda, ainda moleque Pedro já estava na lida de fato. “Comecei a empreender com 10 anos, quando comprei meus primeiros bois. Com 11 já tinha meu talão de cheque, de uma conta conjunta com meu avô, e com 12 meu pai me deu meu primeiro emprego assalariado”, recorda o empresário, que se tornou supervisor do confinamento aos 14 anos.

Outro fator positivo nessa relação, segundo Pedro, é que apesar de sua extrema curiosidade seu pai jamais o deixou sem resposta. “Minha família me chama de ‘Pedro dos porquês’, de tanto que eu perguntava, pois queria saber como as coisas funcionam. Mas seja qual fosse a situação e por mais estúpida que parecesse minha pergunta, meu pai sempre tinha muita paciência e respondia da melhor maneira possível”, relata.

Pedro também faz questão de mencionar que sua mãe, Ana Lúcia Ribeiro Merola, teve uma participação igualmente importante nessa formação, inclusive por sua origem na produção agropecuária. A criação dela foi semelhante à dos próprios pais, no ambiente de fazenda. “Com 11 anos minha mãe já andava a cavalo, lá em Mato Grosso. Ela é uma figura fantástica, em todas as situações”, comenta.

DONO DO NEGÓCIO

Com a infância e a adolescência vividas na fazenda, e acompanhando bem de perto o desenvolvimento das atividades por ali, a opção de Pedro por estudar Agronomia veio com muita naturalidade. Como seu bisavô, também estudou na Esalq. Após ter se formado, em 2001, trabalhou por três anos na Santa Fé e outros três fora da fazenda, em um banco de investimento na capital paulista. Em 2008, quando tinha 29 anos, o pai o chamou para assumir a administração do negócio, movimentação mais do que esperada.

Dois anos mais tarde, Pedro, que é filho único, recebeu novo convite de seu pai, naquele momento para ser sócio, e se tornou dono de metade de todo o empreendimento. “Foi maravilhoso receber essa oportunidade de meu pai. Traçávamos as metas do ano e, dentro da minha liberdade, eu podia executar o que quisesse, e ele sempre me respeitou muito”, comenta, lembrando que foi um período desafiador. Uma das razões é que o produtor, assim como seu pai, sempre buscou a inovação. “Nunca quis fazer agricultura e pecuária convencionais”, reforça.

Na parte agrícola, Pedro decidiu que a melhor estratégia seria prestar serviços, atendendo grandes empresas do setor, nacionais ou multinacionais, com itens muito bem produzidos que agregassem valor para ambos os lados. Já no gado de corte, o empresário acreditava que fazer o ciclo completo, com cria, recria e engorda, seria a melhor opção para controlar as margens de ganho. “Como eu não tinha capital para fazer dessa forma, encontrei o meio do caminho, que acabou virando o grande negócio da empresa”, diz.

A fórmula aplicada foi aliar baixíssimo custo com performance elevada, e garantir total transparência na relação com os clientes. A localização geográfica facilitou na questão das despesas. A produção de grãos é abundante no sudoeste goiano, onde está a fazenda, o que permite acesso à alimentação barata e com frete menor. “Muitos vizinhos são nossos parceiros e entregam os insumos aqui em casa”, afirma Pedro.

Cada passo acertado era um novo estímulo à ambição do empresário de investir mais no crescimento da Santa Fé e tornar o empreendimento cada vez mais rentável. Do ponto de vista operacional, de gestão e de negócio, o pensamento era perfeito. Mas havia uma questão importante a ser resolvida a respeito do ritmo dos dois sócios em relação a esse avanço. “O sonho do meu pai era não perder nada do que construiu e continuar vivendo bem. E eu, com 32 anos, queria construir o mundo como eu achava que deveria ser”, diz.

A disparidade dos objetivos já estava, inclusive, gerando desgastes na relação do dia a dia. “Por conta dessa diferença, começamos até a perder o tempo de sermos pai e filho, de sermos amigos”, lamenta Pedro. Certo de que esse era um preço muito alto a ser pago para continuar como sócio da empresa, Pedro propôs, de forma bastante cuidadosa, a devolução de sua parte ao pai, ficando apenas com uma fazenda que já havia recebido anteriormente.

A resposta de Ricardo Merola foi uma completa surpresa: “Estou adorando sua ideia de sermos só amigos, mas não quero tocar nada. Já fiz muito isso. Não tem outra proposta?” Pedro ainda ri ao comentar essa passagem, de tão inusitada que foi a reação de seu pai. Como não é de seu feitio perder um bom negócio, propôs a compra da parte de seu sócio, para pagamento em um prazo de cinco anos.

 

DESAFIO DO VAREJO

Entre os negócios de Pedro Merola relacionados à Agropecuária Santa Fé, o que representa a menor fatia em termos de faturamento – entre 6% e 7%, que pode ser menor dependendo do crescimento dos demais – passou a ser uma vitrine privilegiada do empreendimento pecuário. A FEED, loja especializada em cortes nobres inaugurada em 2014 no Jardim Paulistano, em São Paulo (SP), tornou-se uma conexão entre a fazenda e o consumidor final. A FEED é, na verdade, o aprimoramento da primeira investida de Pedro no varejo de carnes, que começou como Bonsmara Beef. “A FEED é a maior escola que tive na vida, pois o varejo é muito desafiador e apanhei bastante para fazer dar certo. Hoje está muito bem, mas foram cerca de três anos de aprendizado”, diz Pedro.

Para compor o negócio como realmente queria, oferecendo um produto exclusivo, com preço justo e que proporcionasse uma experiência diferenciada ao consumidor, Pedro contou com a colaboração de muita gente. Como ele mesmo diz, foi uma coletânea de ideias. Quem já teve a oportunidade de visitar a loja sabe que o atendimento é mesmo diferenciado, desde o primeiro contato com qualquer atendente. Nas geladeiras, a clientela encontra não só os variados e convidativos cortes como folhetos com informações sobre os cuidados e preparos para a carne. As sugestões gastronômicas se espalham pelas prateleiras, com temperos, pimentas, farofas, vinhos, cervejas, cachaças, entre outros itens. E, se necessário, há sempre alguém para orientar como harmonizar tudo isso.

OUTRAS EMPREITADAS

Entusiasta de negócios inteligentes, sejam ou não ligados ao agronegócio, Pedro acabou investindo em outras empresas. Uma delas é a Zeus Agrotech, startup que trabalha com previsões meteorológicas, principalmente de quando vai ou não chover, da qual se tornou sócio majoritário. Segundo ele, o nível de precisão das informações da Zeus é de 80% para previsões de quando vai chover e entre 95% e 98% para quando não vai. “O nível de assertividade é muito alto”, afirma.

Pedro tem também 10% da Yalo, uma empresa de benefícios, filiada à Dr. Consulta, que atua no segmento de saúde e bem-estar e oferece descontos em uma série de produtos e serviços. Ele conta que o objetivo da companhia é levar facilidades a pessoas que por falta de recursos não têm acesso a um plano de assistência médica. “Os fundadores querem mudar as condições de saúde das pessoas pobres no Brasil. Acabei me engajando na ideia e me tornei sócio.”

A lista de sociedades de Pedro foi ampliada por uma nova parceria comercial com seu pai, um empreendimento agrícola com irrigação na Bahia, também com foco em prestação de serviços. “E agora a gente não briga, porque sou apenas sócio, não CEO”, brinca o empresário.

FUTURO INDEPENDENTE

Quando questionado sobre o que espera da Agropecuária Santa Fé para os próximos anos, Pedro é categórico ao dizer que sempre teve como meta construir uma empresa que fosse maior do que seus donos. “A companhia deve sobreviver sozinha, pois tem normas e pessoas capazes, além de uma história e vida própria”, comenta. Para ele, o legado que ficará de sua gestão não é exatamente o que fez, mas sim o que as empresas continuarão a construir independentes de sua presença.

O empresário, que já foi casado mas não teve filhos, quer deixar o caminho pronto para quando houver herdeiros. “Tenho meu sonho de ter umas três ou quatro crianças para cuidar. Na hora certa vai acontecer”, afirma. Pedro acredita que se já tivesse sido pai, talvez não encontrasse condições para trabalhar tanto e realizar tantas coisas como já aconteceu. “E também não sei se terei filhos empreendedores e se essa será a área em que vão atuar. Se alguém da família tiver o interesse de participar, fazer parte do conselho, se dedicar a construir algo que é maior do que nós, vai lá e trabalha para isso. Essa é minha visão de longo prazo.”

Pensando em um futuro mais próximo, uma das prioridades de Pedro é concluir o processo para ter sua licença de piloto. “Tenho até março de 2019 para tirar meu brevê”, diz ele, empolgado. Apaixonado desde criança por voar, hoje o empresário tem seu próprio avião, o que lhe proporciona mais agilidade nos longos deslocamentos. Se pelo ar ganha velocidade para a rotina corrida dos negócios, é na água que Pedro desacelera. Velejar é outra de suas paixões. Quando adolescente, durante as férias com a família, costumava praticar na represa Emborcação, em Uberlândia (MG). “Sempre achei uma atividade muito inteligente e interessante, além do contato com a natureza”, comenta. Tamanha vivência certamente contribui para Pedro aprimorar a definição quanto à direção e à velocidade no controle de sua gestão.

CONFINAMENTO

A atividade de confinar bois da Agropecuária Santa Fé começou em 1984, com apenas 300 animais. Em 2001, houve uma reestruturação das instalações e a capacidade aumentou para 16 mil cabeças. O fechamento do balanço da fazenda em 2018 deve mostrar um total de 70 mil bois. Para Pedro Merola, o resultado é ainda mais interessante por se tratar de crescimento em um cenário de crise econômica. Muito desse desempenho se deve à satisfação dos clientes com a qualidade na prestação de serviços. “A gente consegue fazer muito bem a etapa do ciclo que eles não fazem e ainda garantimos todas as vantagens da escala”, diz Pedro.

Dentro da fazenda, os clientes da Santa Fé contam com equipes bem preparadas, tecnologia de ponta, eficiente controle sanitário e nutricional, custos baixos e a orientação adequada sobre o momento de vender o boi acabado. Devido à grande diferença no desempenho dos animais, esses fatores são decisivos para garantir a lucratividade. Por conta disso há um monitoramento rigoroso para identificar os bois que já estão prontos. Embora o pessoal que faz a gira pelos currais esteja preparado e tenha o olhar apurado para essa apartação, uma mãozinha da tecnologia cai muito bem. Desde 2014, a Santa Fé tem uma parceria com a Bosch para aferir, com alta precisão (margem de erro de apenas 1%), o peso dos animais dentro das instalações. Trata-se de um sistema de balança em tempo real que avalia o peso dos bois no trajeto de ida e volta dos bebedouros.

A performance e o padrão dos animais, somados à precisão das informações, garantem a possibilidade de melhores negociações com os frigoríficos. Tudo o que a indústria quer é volume, frequência e padronização, e cada vez mais tem se comprometido a bonificar o pecuarista que corresponde a essa demanda. “É importante para nós que o frigorífico fique satisfeito e pague o devido ágio pelos bois que saem daqui”, diz Pedro, acrescentando que esse diferencial de preço na arroba vai para os clientes. “Esse dinheiro é deles.”

Pedro Merola

40 anos, SOLTEIRO

Cargo: proprietário da Agropecuária Santa Fé

Faturamento: R$ 150 milhões / ano

Área total: 3 mil hectares

Produção: confinamento para 70 mil bois por ano; 3,75 mil hectares cultivados, entre áreas próprias e arrendadas (sendo 2,1 mil ha irrigados), com soja (grão e semente), milho (silagem e semente), feijão, tomate, sorgo (grão e semente), girassol e cana

Hobbies: velejar e voar (está em processo de habilitação)

Outros negócios: proprietário da FEED (loja de cortes especiais) e sócio da Zeus (empresa de meteorologia) e da Yalo (empresa de benefícios no ramo de saúde e bem-estar)

TAGS: Confinamento, Pecuária, Pedro Merola, Top Farmers