O futuro do AgTech está na biotecnologia

Por MATEUS MONDIM* O que restará do movimento AgTech são as startups de biotecnologia. O processo


Edição 13 - 27.02.19

Por MATEUS MONDIM*

O que restará do movimento AgTech são as startups de biotecnologia. O processo de digitalização da agricultura já está consolidado e em fase de massificação da adoção, um processo muitas vezes lento e com inovações incrementais. Soluções que deveriam surgir nesta área já estão em operação e o disruptivo já aconteceu. O quadro, que não surpreende, é análogo à bolha da informatização dos anos 1970, quando muitas startups surgiram, mas apenas três ou quatro prevaleceram. Com as AgTechs não será diferente. As duas ou três empresas que sobrarão dessa digitalização e dominarão o mercado já estão em operação. As atenções deveriam se voltar às biotecnologias.

As bolhas de avanços tecnológicos costumam ser volúveis e esfriam assim que o processo é massificado. É igual no agronegócio. A grande diferença é que nesses ciclos a biotecnologia permanece estável, tanto que se manteve aquecida desde a incomparável contribuição do milho híbrido no início do século 20.

Usamos a biotecnologia com base na seleção há mais de 10 mil anos, escolhendo as melhores opções de variedades de plantas, cepas de leveduras, inimigos naturais, em uma lista quase sem fim. Continuará assim. Mas de tempos em tempos surgem novas ferramentas que impulsionam ainda mais nossa capacidade de solução de problemas biológicos.

Por exemplo, o uso de culturas de tecidos foi uma grande bolha entre os anos 1980 e o início dos anos 1990, quando se acreditava que essas tecnologias in vitro seriam a chave para a solução dos problemas agrícolas. Mais tarde, ficou claro que não seriam, porém, são imprescindíveis na produção de flores, hortaliças, eucalipto, banana e outros produtos.

Na sequência, apareceram os marcadores moleculares de DNA, que, com avanços incrementais nos últimos 25 anos, permitiram o desenvolvimento da seleção genômica, com impactos no melhoramento de plantas e na seleção de microrganismos e a promessa de acelerar o lançamento de mais variedades.

Entretanto, a maior aposta veio a partir da metade dos anos 1990 com os transgênicos. Após cerca de 20 anos no mercado, essa tecnologia ainda está restrita às grandes commodities, como milho, soja, algodão e algumas outras, sobretudo por questões regulatórias. A tecnologia, que já foi motivo de controvérsias, não está ultrapassada, mas será reinventada nos próximos anos.

A revolução mais silenciosa da biotecnologia ocorre com o uso de uma técnica conhecida por RNAi (RNA de interferência). Não são poucas as startups de biotecnologia nos Estados Unidos e no Canadá buscando soluções para a produção agrícola utilizando-se dessa metodologia. O que me surpreendeu, visitando algumas delas, foi o foco no controle de insetos-pragas. Em breve, alguns produtos devem estar no mercado.

Mas a atual menina dos olhos das biotecnologias atende pelo nome de CRISPR, técnica que permite a edição de genes, conferindo-lhes novas funções ou aumentando sua eficiência, entre outras aplicações. Há novamente uma euforia de que os problemas da produção agrícola no mundo serão definitivamente resolvidos. O CRISPR poderá produzir soluções interessantes, mas não resolverá sozinho todos os problemas.

Na complexa rede da produção agrícola, ainda merecem destaque o controle biológico de insetos e a disponibilização biológica de nutrientes. A interação planta-microrganismo tem oferecido produtos promissores para uma agricultura mais sustentável, com soluções no recondicionamento biológico do solo, proteção e promoção do crescimento das plantas, o que reduzirá significativamente o uso de insumos agrícolas já nos próximos anos.

Resta saber como nos posicionaremos globalmente: seremos consumidores de biotecnologias ou protagonistas de uma revolução biotecnológica na agricultura? Nossos laboratórios são mundialmente reconhecidos pela competência no domínio dessas biotecnologias, entretanto o Censo de AgTech Startups Brasil 2018 mostra que pouco tem sido feito em termos de transferência da tecnologia, em um segmento cujo faturamento anual ultrapassa os bilhões de dólares. Se o Brasil quer um unicórnio AgTech, deveria apostar mais alto nas biotecnologias.

* Mateus Mondin é professor do Departamento de Genética da Esalq – Universidade de São Paulo e idealizador do AgTech Valley – Vale do Piracicaba.

A coluna #ESALQUEANOS é publicada em parceria com a Associação dos Ex-Alunos da escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Adealq).

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