15.10.18
Por Francisco Beduschi
O Brasil foi o primeiro país a ter uma estrutura multistakeholder (que reúne todos os atores da cadeia de valor) para discutir sustentabilidade na pecuária e, apesar dos esforços de divulgação dessa informação, muito poucos sabem disso. Foi também o primeiro a discutir uma estrutura de princípios e critérios para avaliar a sustentabilidade na pecuária, só que demoramos mais que outros para concluir em função das complexidades que envolvem a atividade no país. Ao mesmo tempo, temos amparo legal para executar um monitoramento da cadeia produtiva: I – legislação ambiental rigorosa; II- transparência dos dados públicos, ainda que não seja a ideal; III – acordos estabelecidos entre o Ministério Público Federal (MPF) e a iniciativa privada para monitorar a cadeia produtiva. Ainda assim, os atores da cadeia estão insatisfeitos com o patamar que atingimos. Por quê?
Existe uma história popular sobre um cachorro que estava sentado em cima de um prego há tanto tempo que já se acostumara com ele. Somente quando as pulgas o incomodavam e ele se coçava é que o prego cutucava e doía, mas aí ele se acomodava novamente e seguia sentado no prego. Na pecuária brasileira, não participar da construção das soluções para as demandas do mercado, mesmo quando o status quo já não é mais a resposta que precisamos, é coçar a “pulga”. As pessoas/organizações se coçam para trazer algum alívio, reclamam da cutucada, mas continuam sentadas no prego.
Como engenheiro agrônomo, trabalho com pecuária há bastante tempo para entender minimamente a complexidade do setor e dos seus atores, e enxergar as muitas “pulgas” que incomodam cada um. A cadeia de valor da pecuária brasileira envolve diferentes biomas, pessoas e ambientes de negócio; tem ramificações no Brasil e no exterior; e uma legislação grande e intrincada. Isso por si só já a torna bastante complexa para desenvolver qualquer tipo de trabalho e, nesse contexto, é importante entender as origens desses incômodos para tomar o rumo correto. Porém, além de saber para onde ir, é preciso ter pessoas que queiram fazer dar certo, e o Brasil as têm.
Produtores grandes e pequenos, iniciantes e aqueles que já poderiam estar aposentados, estão dispostos a aprender e mudar seu modo de produzir. A indústria e o varejo estão abertos ao diálogo, querem se adaptar, inovar e ter um futuro próspero para seus negócios. Hoje, ONGs compartilham suas experiencias e capacidade de gerar conhecimento para viabilizar um futuro melhor. Técnicos e prestadores de serviço se unem e se organizam para disseminar conhecimento, habilidade e atitude. Instituições financeiras revisam o seu papel nas cadeias do agronegócio não apenas como agentes de financiamento, mas como agentes de mudança. Todos querem responder à pergunta: “Qual o meu papel na promoção de uma pecuária sustentável?”. Acho que é por isso que me sinto tão “em casa” no GTPS, onde há pessoas e organizações que querem esse futuro e estão dispostas a sentar à mesma mesa e trabalhar por isso.
Essa fé nas pessoas vem de duas frases que me marcaram muito: “É mais importante ser do que ter”, e “aposte nas pessoas, não na tecnologia ou nas máquinas, mas nas pessoas”. A primeira ouvi de um amigo, produtor rural e médico, logo que cheguei ao Mato Grosso, e demorei muito para ter a minha própria interpretação dela. A segunda, veio de um professor da pós-graduação que tratava do tema administração de empresas e gestão de pessoas. Ao colocá-las sob o prisma do tema em pauta, acredito que podemos apostar nessas pessoas que querem fazer melhor, pois elas são capazes de construir esse futuro e mover uma cadeia tão grande como a pecuária brasileira.
Sendo assim, volto à pergunta do início para dizer que acho ótimo que as pessoas que trabalham na pecuária brasileira estejam insatisfeitas e que se manifestem assim. As razões por trás disso são diversas, mas são essas pessoas e organizações que vão colocar um pé para fora da zona de conforto, parar de reclamar das pulgas e não voltarão a sentar no prego. Portanto, contrariando o dito popular, peço: Os incomodados que permaneçam, por favor!
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TAGS: GTPS, Pecuária Sustentável