Razões para acreditar

Por Fernando Sampaio O brasileiro é o homem cordial. O conceito elaborado por Sérgio Buarque de Ho


17.09.18

Fernando Sampaio é Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, foi presidente do GTPS e atualmente é Diretor Executivo da Estratégia Produzir, Conservar e Incluir do Estado do Mato Grosso

Por Fernando Sampaio

O brasileiro é o homem cordial. O conceito elaborado por Sérgio Buarque de Holanda é por vezes equivocadamente interpretado como sinônimo da simpatia do povo. Na verdade, o cordial (do latim cordialis, ou relativo ao coração) descrito em Raízes do Brasil refere-se ao fato do brasileiro relacionar-se mais pela emoção do que pela razão.

Quando nós, do Agro, falamos do nosso setor, gostamos de agitar os números que nos tornam os maiores e melhores do mundo em muita coisa. As críticas e a desinformação (esta que, por vezes, é sim proposital) nos enchem de revolta, sejam elas de escolas de samba, novelas, atores veganos, cozinheiras orgânicas, ambientalistas ou políticos.

Sim, é verdade que construímos a agropecuária tropical mais eficiente do mundo, com base em uma terra abençoada, muita pesquisa, inovação, tecnologia, criatividade, e sobretudo muito, mas muito, trabalho duro de gente corajosa e empreendedora, disposta a correr um risco altíssimo, contra todas as probabilidades.

Dito isso temos ainda desafios imensos e complexos, dentro e fora deste País diverso e continental. Uma pequena parte de produtores responde por uma imensa parte do valor gerado no campo (dos 4,4 milhões de estabelecimentos rurais, apenas 500 mil responderam por quase 90% do valor bruto da produção, segundo a Embrapa, com base no Censo de 2006). Essa concentração avança em ritmo acelerado no meio rural e o atual Censo possivelmente confirmará essa tendência. Fazendas de alta tecnologia convivem lado a lado com agricultura de subsistência e miséria. A violência no campo ainda persiste. A ocupação do território foi e é desordenada, a regularização fundiária, base para qualquer investimento, em muitos lugares do país inexiste, a regularização ambiental ainda é incipiente na maioria dos estados.

Não há diálogo com populações tradicionais que compartilham as mesmas paisagens que a produção e são impactadas por esta. As políticas públicas são muitas vezes caóticas e desconexas, o acesso a crédito e investimentos é limitado e aleatório, nossa burocracia torna a vida do empreendedor (urbano ou rural) e a geração de riquezas um calvário.

A inovação nacional cede espaço às multinacionais, nossa comunicação é precária, nossa política externa comercial anda aos trancos, nossa infraestrutura é uma piada de mau gosto, nossos dados, quando existem, conflitantes.

Não há visão de paisagem rural, de ordenamento do território, não há estratégia de governança, não se pensa no longo prazo.

Para piorar a representatividade do Agro está fragmentada em incontáveis instâncias e entidades, que vivem mais apagando incêndios e reagindo “cordialmente” aos acasos do que promovendo mudanças estruturais.

Acreditar que está tudo bem porque somos os maiores do mundo é como acreditar que nossa paisagem urbana está bem porque temos os melhores condomínios fechados e shoppings do mundo. No longo prazo é insustentável – e apenas apontar culpados pelo caos que nos rodeia não resolve nada.

Enquanto não se oferecem soluções, o populismo avança nas promessas fáceis à esquerda e à direita.

No ano passado, nosso ex-ministro Roberto Rodrigues lançou a ideia de um projeto que pensasse o País a partir do Agro.

Retomo a sacada e vou mais além.

José Luiz Tejon Mejido, outro grande pensador e inspirador do Agro, já fala em Agrossociedade há algum tempo.

Imagine tudo o que circula em torno do conceito da Agrossociedade. Pesquisa, tecnologia, assistência técnica, indústrias de insumos, indústrias de alimentos, fibras, biocombustíveis, rações, produção de água, produção de ar limpo, proteção de biodiversidade, cultura, tradição, produtos artesanais, cooperativismo, empreendedorismo, mercado, marketing, turismo, infraestrutura, logística, tendências de consumo, biotecnologia… a lista é infinita.

Tejon diz ainda acreditar que mudanças não virão de governos, mas da sociedade civil organizada. Acredito nisso e acredito firmemente que dentro do Agro podemos criar as bases para uma nova sociedade e um novo desenvolvimento rural, verdadeiramente agroambiental e inclusivo no país. Um modelo brasileiro, criativo, de resultados, adaptado a crises.

Há razões para acreditar que somos capazes disso. Temos os recursos humanos, naturais, e tecnológicos para que essa revolução aconteça. E temos experiências inovadoras acontecendo no campo, de novas formas de governança, mecanismos financeiros inovadores, fóruns de diálogo, hubs de tecnologia.

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Por todos os lados, inúmeros movimentos de renovação política surgem por todo o País. Por que não um movimento de renovação do Agro? Um movimento que vá além do sucesso econômico do agronegócio, que estenda esse sucesso a todo o País, que conecte as boas experiências, a inovação e as lideranças que podem propor este projeto de desenvolvimento rural para o país? Um movimento que reúna inteligência capaz de pensar soluções do pequeno produtor ao grande, dos insumos até a exportação, da conservação de recursos naturais até a produção de alta tecnologia, da Amazônia aos Pampas? Capaz de pensar o futuro, a internet das coisas, as redes sociais, a globalização, os desafios de população, migração, mudanças culturais, clima?

Em todo o mundo fala-se de uma crise de liderança. Talvez os antigos modelos de liderança que tínhamos devam ser repensados. Não precisamos de grandes personalidades “cordiais”. Precisamos sim de centros de excelência e de redes que reúnam os “changemakers”, que gerem inteligência, que formem quadros capazes de executar boas ideias onde quer que estejam.

O passado nos deu uma bela história. Precisamos de futuro. Acreditemos nele.

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