O algodão no alvo da moda

No mundo fashion é muito comum ouvir expressões como alta costura e prêt-à-porter, do francês


26.08.18

Ricardo Campo é “agro e não arreda o pé!”. Especialista em comunicação, já atuou no time de marketing da DSM/Tortuga e hoje integra a equipe do Rabobank Brasil. É técnico em artes gráficas pelo SENAI, graduado em propaganda pelo Mackenzie, especialista em marketing de varejo pelo Senac e com MBA em marketing pela FGV. Adora fotografar o cotidiano agrícola e também é instrutor do Educapoint para o curso online de “Marketing e Marcas no meio Rural”.

No mundo fashion é muito comum ouvir expressões como alta costura e prêt-à-porter, do francês “pronto para vestir”. Conceito criado após a Segunda Guerra Mundial, o prêt-à-porter foi responsável pela difusão e democratização da moda, que até então ficava concentrada nas grandes maisons, as casas de estilistas de grande prestígio na confecção de vestuário para a alta sociedade.

O prêt-à-porter revolucionou a produção industrial com a criação de roupas em grande escala, com melhor qualidade, mais variedade de preços e estilos, em peças assinadas por profissionais de renome. Permitiu a sofisticação de massa, com um ar de exclusividade.

A geração de escala associada à demanda global por produtos padronizados, com grandes confecções e estilistas rivalizando a cada nova coleção, nos faz lembrar da fina estampa dos negócios do algodão, onde países e grandes grupos agrícolas competem a cada nova safra.

Num ambiente altamente conectado a tendências como o da moda, é crescente a atitude de consumidores que passam a optar por fibras naturais ao invés de sintéticas e a exigir a substituição de aditivos na produção de tecidos, como a utilização de pigmentos vegetais para o tingimento.

Se consumidores já questionam aquilo que comem, não demorará para o mesmo senso crítico se voltar para as roupas ou utensílios do dia a dia. Na verdade, já o fazem. Tanto que grandes redes do varejo já formalizaram o seu compromisso para utilização de 100% de algodão de origem sustentável, como a C&A, que até 2020 pretende atingir esta meta para as suas coleções (saiba mais aqui).

E aqui, mais uma vez, as boas práticas do agro brasileiro aparecem como oportunidade para posicionar os nossos produtos com a etiqueta da sustentabilidade.

Segundo a ABRAPA – Associação Brasileira dos Produtores de Algodão – 74% de toda a produção de algodão no Brasil é licenciada pela Better Cotton Initiative (BCI), organização que atua na melhoria da produção mundial do algodão usando critérios que cobrem relações trabalhistas justas e responsabilidade socioambiental no campo. No Brasil, a BCI opera em benchmarking com a ABRAPA desde 2013.

Entre cortes, medidas e manequins, o setor da moda tem um pano de fundo que pode servir de modelo para o agronegócio. Mesmo com a produção em série e a padronização de peças nas lojas, esta indústria consegue se posicionar de maneira distinta com grandes marcas e estilistas deixando suas assinaturas em coleções de massa. Ainda assim, os consumidores têm a percepção de que compram um produto único e exclusivo.

Produzir em escala, agregar valor e comunicar em nicho. Se na moda dá certo, por que não aplicar à agricultura? É o que vamos descobrir com o case de Sou de Algodão.

Sou de Algodão

Sou de Algodão é um movimento criado pela ABRAPA, com apoio do IBA (Instituto Brasileiro do Algodão), com o objetivo de incentivar o uso do algodão e unir a cadeia de valor da cotonicultura, da pluma ao corpo, gerando informação e inspiração para destacar o agro que a gente veste.

A iniciativa foi lançada em 2016, na São Paulo Fashion Week, para estimular o aumento do consumo da fibra no mercado interno, com reforço das vantagens da matéria-prima natural em relação à saúde, conforto, meio ambiente e estilo, tendo a moda como interface com o público final.

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Mais do que uma simples campanha, este plano conta com atividades que cobrem desde o campo ao varejo e, para a sua formatação, foram considerados estudos de mercado, consultoria estratégica e benchmark de campanhas setoriais internacionais, como a americana Cotton Incorporated.

Do ponto de vista de comunicação este é um belo exemplo de como é possível mobilizar um setor agrícola com ações criativas e descoladas. Mas vale destacar ainda como o case confirma que o sucesso de um plano de marketing requer fundamentação estratégica, visão de futuro e olhar atento ao mercado.

E neste caso, o contexto mercadológico era no mínimo desafiador. Com a redução do consumo de algodão no mercado doméstico frente aos tecidos de origem sintética, mudanças no comportamento de compra quanto à origem das matérias-primas e os impactos demográficos com a configuração das novas famílias que, cada vez mais enxutas, acabaram por reduzir o consumo de itens de cama, mesa e banho.

Isso sem falar da comoditização no âmbito da competição internacional, principalmente em atenção aos players asiáticos. Mas, Sou de Algodão veio para colocar os diferenciais da nossa fibra nas vitrines, usando a produção sustentável para diferenciação e adição de valor.

Uma trama bem-feita

De olho nos novos consumidores e com um investimento de R$ 3 milhões, o foco inicial da campanha foi direcionado a estilistas, personal stylists, blogueiros e influenciadores, além de celebridades com forte associação ao segmento. E para atingir este público, um fardo de ações foi bem amarrado com três linhas:

– Promocional: com comunicação em redes sociais, assessoria de imprensa e anúncios.

– Negócios: parcerias com marcas, confecções, eventos do circuito da moda e workshops para geração de negócios entre as empresas da cadeia do algodão.

– Informacional: comunicação em websites, material de ponto de venda, visual merchandising, ativações no varejo e em universidades.

E os resultados foram dignos de top model:

– Evento de lançamento com presença de mais de 200 convidados e influencers.

– 93 matérias publicadas em canais de expressão como Vogue, Glamurama e Fashion Forward.

– Mídia espontânea com retorno de mais de R$ 650 mil.

– Site com mais de 42 mil visitas – 25 mil seguidores no Instagram e Facebook

– Alcance de mídia social de 18,8 milhões de visualizações com 4,2 milhões de interações

Costurando novos negócios

A coluna AGRONOMÍDIA tem destacado como o marketing e a comunicação podem ser aplicados de maneira estratégica para produtos agropecuários e o projeto Sou de Algodão mostra como isso é possível, com planejamento e compromisso no longo prazo.

Com os desdobramentos da campanha, a ABRAPA espera um aumento no percentual do uso do algodão em todos os segmentos da moda de 45% a 65% em 10 anos, representando um crescimento de mais de 10% na produção da fibra nas fazendas e o consequente fortalecimento de toda a indústria cotonicultora.

“Levar informações ao público é a nossa meta com o Sou de Algodão. É um trabalho de esclarecimento. Somos hoje o quarto maior produtor mundial de pluma e o terceiro maior exportador, campeões globais de produtividade sem irrigação. Produzimos uma matéria-prima de qualidade, em parâmetros sustentáveis. Temos muito do que nos orgulhar da cotonicultura no Brasil e a melhor forma de expressar esse sentimento é usando o algodão que a gente produz aqui.”, afirma Arlindo de Azevedo Moura, produtor e presidente da ABRAPA.

O movimento já é referência na mídia e na comunidade científica internacional, tendo sido publicado inclusive no periódico da IFAMA – International Food and Agribusiness Management Association. (Confira o estudo aqui).

Chama a atenção por ser um esforço setorial que conecta o campo e a cidade, promove a sustentabilidade e o consumo consciente na moda, além de materializar a transformação de uma commodity num produto com alto valor agregado.

A moda costuma ser passageira, mas neste caso há um compromisso pelo posicionamento da cotonicultura do Brasil com um plano estratégico e mix de ações promocionais para consolidar a imagem do setor na passarela da produção mundial.

É o agro brasileiro ditando tendências e costurando negócios sustentáveis!

VÍDEO DA CAMPANHA

*O título deste artigo é uma referência à campanha “O Câncer no alvo moda”, desenvolvido pelo IBCC – Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, que marcou o mercado da moda com o alerta às mulheres sobre a prevenção do câncer de mama. Conheça e contribua com esta causa clicando aqui: https://bit.ly/2AOKJxw

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