Futebol e agronegócio

Era um dia bem comum aqui em Malta, exceto pela expectativa de que o Brasil ainda pudesse, naquela s


11.07.18

Viviane Taguchi é jornalista especializada em agronegócio, caipira com orgulho, especialista em instalações de chuveiros, viaja pelo mundo sozinha, e se sente desafiada a cada “você não pode fazer isso”.

Era um dia bem comum aqui em Malta, exceto pela expectativa de que o Brasil ainda pudesse, naquela sexta-feira, ganhar o jogo contr a Bélgica, e resolvemos fazer uma atividade interativa durante a aula: cada um (15 pessoas diferentes, com idades entre 21 e 53, de diferentes nacionalidades), precisava falar sobre sua profissão, a definição teórica e a aplicação prática e suas especializações. E todos os outros perguntariam tudo o que quisessem. Para a minha surpresa – após contar que eu era jornalista, trabalhava com agronegócio há 15 anos, tinha MBA em Fitossanidade e já tinha estudado Direito do Agronegócio – recebi olhares estarrecidos. Menos dos japoneses e dos colombianos.

A minha colega austríaca de 23 anos que estuda Artes não conseguia entender porque eu, jornalista, havia escolhido a agricultura, se poderia, por exemplo, escolher cinema. Argumentou que era mais interessante, que eu poderia encontrar pessoas interessantes e visitar lugares interessantes. Eu disse que fazia isso, o tempo todo. E ela continuava desacreditando no que estava escutando. Eu já estava ficando mais pistola que o canarinho da Seleção, até que olhei para a japonesa, que estava rindo (e mais vermelha que cereja), e ri também. Fazer o quê? A austríaca achava que a capital do Brasil era o Rio…

Então, o meu colega suíço de 29, engenheiro civil, se manifestou. Ele disse que na Suíça, eles aprendem desde pequenininhos – meninos e meninas – a plantar, porque faz parte da educação deles entender como a comida aparece na mesa. Estava tudo bem até quando ele disse, “mas depois você não precisa mais fazer essas coisas, principalmente se você é mulher”. Perguntei se ele não conhecia mulheres que trabalhavam na agricultura e ele respondeu que sim, mas que, sinceramente, ele não ligava muito.

Aproveitei e contei a ele que tem um suíço, o Ernst Goestch, que desenvolveu a agricultura sintrópica no Brasil, e que hoje, há muita gente praticando a técnica, e mostrei uma foto. Propositalmente, mostrei da esposa do Ernst, a Simaria. E o meu colega, na maior naturalidade, fez um gesto com a boca, tipo um biquinho de desaprovação (parecia biquinho de chupar ovo)…e ainda mandou essa: ‘se ele é tão bom por que mora no Brasil?’

Percebi que o meu ponto de apoio era a japa mesmo, porque olhei pra ela de novo. E dessa vez, ela estava com os dois olhos esbugalhados pro suíço. A atleta colombiana pediu a vez e ao invés de perguntar, contou que há uma imensa campanha de marketing rolando lá na Colômbia, para aproximar cidadãos urbanos dos rurais (“El Agricultor Primero”), mostrou videos que exibiam imagens de mulheres coletando café (óbvio – e nessei dia nem fiquei falando que o café brasileiro era melhor que o deles, porque eu sempre falo) e a loira, da Finlândia, de dois metros, (até hoje não sei falar o nome dela) disse que era a coisa mais esquisita do mundo saber que tantas mulheres trabalham no campo “lá” na América do Sul.

O climão tomou conta da sala e a professora maltesa resolveu contar sobre a família dela: avós agricultores, pais profissionais liberais. Puxou para a história da avó, que sempre apoiou o marido em tudo, inclusive no trabalho na fazenda de batatas, mas sempre foi muito conservadora, obedecia as regras do marido e, por isso, não quis que a filha casasse com outro fazendeiro. Arranjou um marido comerciante de pedras.

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Falamos um pouco sobre o comércio de pedras, de pedras preciosas e a indústria de vidros, área de mais uns dois ali na sala, até que a japonesa-cereja, que sempre fala baixo e ri com a mão na frente da boca, contou que estuda Agricultura (assim como o outro japonês, que quase sempre está quieto e dormindo, mas que só tira 10 nas provas – provando que não importa de onde eles vêm, eles sempre vão tirar 10 nas provas). Aí os europeus piraram: Mais uma?? Como assim?? “Porque nós dois somos graduados em economia e queremos nos especializar em agricultura. Acho que no futuro, alimentos serão tão valiosos quanto água”, disse a cereja, até que em um tom bem alto.

Imediatamente, houve mais um levante sulamericano, e apenas o apoio de um alemão, que alegou que, por morar na região da Bavária, ele sabe o quanto a agricultura é importante e não vê distinção entre o trabalho ser feito por homens ou por mulheres. “Que diferença faz?”, ele perguntou para o suicinho do beicinho. A aula acabou e nós (Brasil, Colômbia e Japão) fomos fofocar das europeias, ainda sobre o mesmo tema – e um pouco sobre outras coisas, admito. À noite, perdemos para a Bélgica no futebol e claro que milhares de pessoas na rua mexiam com a gente, cantavam “Neymar Tchau, tchau, tchau…”. Eu já tinha aquela resposta padrão pronta para calar a boca deles: “Tudo bem, nós temos 5 estrelas. E vocês?”. Mas pensando bem, eu poderia ter falado: “Ei, europeu, eu tenho a agricultura mais diversificada, a maior biodiversidade, ainda tenho árvores, sou mulher, uso botas, não me importo de sujar as mãos de terra. E vocês?”

Pensei bastante nisso e checando as redes sociais, percebi que tudo o que o brasileiro faz é se comparar com os europeus: “Ah, eles usam menos agrotóxicos; ah, eles têm políticas de inclusão de gêneros; ah, eles têm programas de reflorestamento; ah, isso, ah, aquilo”. Ei, parem com isso, porque eles não têm nada disso quando o assunto é o campo. Seus jovens são sexistas, e quando não estranham uma mulher tocando um negócio rural, eles ignoram. Eles não usam agrotóxicos porque não tem calor e umidade o ano todo e nem mais espaço para plantar. Eles reflorestam porque já derrubaram tudo – e tudo mesmo. Hello Brazil! Não somos bons apenas no futebol não, somos excelentes na agricultura, na pecuária e na diversidade no campo. Ainda temos que evoluir muito, mas por favor, vamos parar de achar que a grama dos europeus é mais verdinha.

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TAGS: Agronegócio, Futebol, Mulheres na Agricultura