Edição 7 - 29.06.18
Ao lado dos irmãos, o empresário Carlos Alberto Pasetti de Souza encara o desafio de manter a Fazenda Colorado na dianteira tecnológica da pecuária leiteira no Brasil e dá continuidade ao processo de modernização iniciado pelo pai, Lair Antonio de Souza, conhecido como “Rei do Leite”
Por Luiz Fernando Sá | Fotos Emiliano Capozoli, de Araras (SP)
Uma, duas, três vezes. Carlos Alberto Pasetti de Souza, o Beto, faz sinal para interromper a entrevista. A voz está embargada e os olhos, molhados. O veterano comandante da Fazenda Colorado, de repente, aparenta ser o menino que desembarcou ali pela primeira vez aos 9 anos. O ano era 1964 e seu pai, Lair Antonio de Souza, foi conhecer terras que estavam à venda na região de Araras, no interior de São Paulo. “Papai se encantou com essa área”, lembra Beto. E dispara a contar a epopeia da família, que transformou a Colorado e fez o “Seu Lair” ser conhecido como um dos reis do leite no Brasil. Há cerca de dois anos e meio, depois de sua morte, Beto herdou o trono, que divide com os irmãos, Luiz Antonio, Célia Maria e Regina Helena.
Beto caminha entre as bezerras. Abre os braços, brinca com os animais, como fazia nos tempos de garoto. Estudava em São Paulo, mas nos fins de semana o pai o levava para a fazenda, juntamente com o veterinário que cuidava do rebanho ainda pequeno. “Aqui aprendi a dirigir, tratorar, plantar”, recorda. “Pegava a agulha e enfiava nos animais, para fazer o exame de sangue para análise de tuberculose. Assim aprendi a gostar disso tudo.” Ele brinca com os funcionários, “alguns já na quarta geração aqui na fazenda”. Está à vontade. A Colorado “é uma família, mas profissional”.
Há, de fato, uma mistura homogênea entre passado e futuro, negócios e relações familiares, em cada um dos 75 mil litros de leite que saem diariamente da fazenda – e que fazem dela a maior produtora do País. A história de pouco mais de 50 anos, que tanto emociona o proprietário, é ancorada na figura de “Seu Lair”, ainda presente em toda a conversa travada por ali. Quando chegou à propriedade, havia uma roça de cana e algum pasto, que alimentava apenas 77 animais. “Não tirávamos nem 150 litros por dia, três baldes grandes que entregávamos na cooperativa”, conta Beto. O patriarca, então, debruçou-se sobre “uma biblioteca” especializada em pecuária leiteira e começou a investir em seu novo hobby. Ao longo dos anos, aumentou o rebanho, trocou o gado mestiço por holandês puro de origem (PO) – que foi buscar inclusive no exterior — e aumentou a produção, até chegar o dia de dar seu grito de independência. Achava que o preço recebido das cooperativas e das usinas não era adequado, que podia agregar valor se vendesse seu leite direto ao mercado. Assim, nos anos 1980, surgiu a marca Xandô.
Somando a produção da Colorado com a de mais três fazendas, tirava então 6 mil litros diários. Parte desse total passou a ser embalada ali mesmo, em saquinhos, como leite pasteurizado tipo A, que chegavam a uns poucos pontos de venda em São Paulo. “Fomos pioneiros nesse mercado”, afirma Beto. E, como tal, viveram um grande aprendizado.
“Tudo o que a gente faz, a gente estuda muito. Temos uma conduta de trabalho, os irmãos imbuídos e engajados. Tudo tem de ser mostrado através de números”
Em 1999, a Colorado já vendia 200 mil litros mensais com a marca Xandô. Outros 200 mil eram entregues a granel para cooperativas. Então, Seu Lair decidiu inovar outra vez. Havia acabado de vender a Solorrico, empresa de fertilizantes da família, e resolveu dobrar sua aposta no leite. Passou a envasar toda a produção, levando-a ao mercado com a marca própria. E reforçou seu esquema de vendas. Criou as chamadas Unidades de Valor Básico, as UVBs.
Era assim que chamava os distribuidores da Xandô, a quem delegou uma nova função. Seu Lair disse a eles que a Colorado não estava apenas no mercado de leite, mas no de produtos refrigerados de alta qualidade. E que não bastava vender e entregar seu produto. Precisavam prestar um serviço ao varejo, cuidando de cada etapa do processo, da limpeza do caminhão à gôndola do supermercado. “A partir daí o crescimento foi exponencial”, diz Beto.
EVOLUÇÃO RADICAL
Administrador por formação, Beto diz que sua grande escola sempre foi a própria fazenda e Seu Lair, o grande mestre. “Ele era o visionário, o empreendedor, ficamos 50 anos a tiracolo nele. Acabamos aprendendo por osmose.” Lair sempre gostou de tecnologia e fazia questão de aprender a usá-la sozinho. “Isso fez com que tivéssemos uma fazenda com visão no futuro”, afirma Beto. Foi nessa direção que a família caminhou a partir do momento em que passou a processar sozinha toda a produção. Particularmente na última década, com investimentos em processos inovadores que promoveram o que ele chama de “evolução radical” na Colorado.
“Para nós, até hobby tem que dar dinheiro. O leite era o hobby do Seu Lair, um hobby que ficou muito grande”
A face mais notável dessa evolução está, na verdade, escondida dentro de enormes galpões no coração da fazenda, de 1,7 mil hectares. O maior deles tem 220 metros de comprimento por 110 de largura e abriga o grande patrimônio da Colorado: cerca de 1.850 animais em lactação. As vacas vivem ali em regime de confinamento. O ambiente foi preparado para oferecer às vacas as condições de bem-estar ideais para que produzam o máximo de leite. São três longas pistas de trato, por onde passam os tratores que fornecem alimentação balanceada.
O que mais chama a atenção, porém, não é o que se vê, mas o que se percebe do lado de dentro do pavilhão. Ao cruzar a porta, deixa-se o calor para fora. Um vento permanente sopra em sentido único. No enorme estábulo coberto, não há moscas no ar. “Tudo isso é resultado da física aplicada à pecuária”, afirma Sérgio Soriano, veterinário gestor da Colorado.
Para obter, na parte interna, temperaturas até 10 graus inferiores às externas, a empresa utiliza, há seis anos, o sistema de ventilação cruzada, desenvolvido no Brasil para uso em aviários e mais tarde adaptado, nos Estados Unidos, para as dimensões de grandes confinamentos da pecuária leiteira. O sistema transforma uma das paredes do galpão em uma espécie de radiador gigante. Feita de papelão com largura de 6 polegadas (15,24 cm), ela é vazada como uma colmeia. E está permanentemente úmida. Na parede oposta, do outro lado do galpão, 140 grandes exaustores trabalham sem parar, fazendo o ar seco e quente que vem do exterior atravessar a colmeia. É então que a mágica acontece. “O ar que chega ao barracão com umidade de 30% e temperatura de mais de 30 graus perde calor e ganha umidade”, explica Soriano.
A Colorado foi a primeira empresa do setor, no Hemisfério Sul, a utilizar a ventilação cruzada em seu confinamento. Muito comum nos Estados Unidos, o modelo tem como objetivo provocar ambiência térmica favorável à produção. O gado holandês produz melhor com temperaturas mais baixas, em torno de 18 e 19 graus. Os computadores que controlam a ventilação na Colorado atuam para mantê-la em torno de 22 graus, com 75% de umidade. “Esse conforto faz com que a vaca não desvie o seu metabolismo para outras atividades, concentrando suas megacalorias na produção de leite”, explica.
“Nós melhoramos o gado, a alimentação, tudo. Só o que não conseguíamos fazer era a melhoria do clima”, diz Beto. O sistema foi usado inicialmente na maternidade da fazenda, área em que as vacas eram isoladas para darem à luz. “A novidade mostrou uma eficiência muito boa. Aí o pai perguntou: ‘Então por que não fazemos o mesmo no leite?’ Não havia dados sobre temperatura, umidade, nada. Ele bancou a ideia. Preferia errar, mas fazer acontecer.” O objetivo era aumentar a produção em pelo menos 3 litros por vaca por dia e acrescentar uma cria ao longo da vida de cada animal. “Foi plenamente atingido”, afirma Beto.
Não é preciso ir longe para se constatar. Colado ao confinamento – e também climatizado — está o salão de ordenha, onde a tecnologia também faz diferença. Com a declarada missão de exigir o menor esforço possível das vacas, duas vezes por dia, em horários predeterminados, elas precisam caminhar poucos passos em direção a um carrossel. Entram ali sozinhas. Funcionários da Colorado colocam as teteiras que possuem extração automática e, em nove minutos (dos quais 5,5 minutos gastos efetivamente com a retirada do leite) completa-se uma volta. Depois, as vacas são liberadas, com o ubre aliviado com o final da ordenha. O carrossel tem capacidade para 72 vacas e pode ordenhar de 320 a 340 animais por hora.
A modernização das instalações da Colorado exigiu investimentos próximos dos R$ 50 milhões, obtidos graças a financiamento do BNDES. Os números explicam como ele se paga. Em 2011, com 1.000 vacas, a Colorado produzia 35 mil litros ao dia. Hoje, com cerca de 1,8 mil, são 75 mil litros, em média. A produtividade média por animal, que girava em torno de 35 litros/dia, atualmente se aproxima dos 40 litros diários. Tão importante quanto o volume total é a possibilidade de reduzir a sazonalidade que em geral afeta o setor. No inverno, as vacas produzem mais. O verão inclemente da maior parte das regiões brasileiras (inclusive o interior de São Paulo) fazia a produção cair quase 30%.
Do carrossel para a “linha de montagem” do leite Xandô é um pulinho. “Do pé da vaca até a garrafa de leite são apenas 39 metros”, afirma Beto. Parte do investimento da família modernizou também o processo industrial, realizado no prédio contíguo ao barracão. Tudo ali é novo, no estado da arte. E está preparado para o futuro. Os rótulos com a marca Xandô devem aparecer em breve em novos produtos, como iogurtes e queijos. “Investimos em qualidade e serviços para ter a marca e um canal de distribuição especializado. Agora temos a oportunidade de crescer dentro dele, agregando valor a nossa produção”, diz.
VACA DO FUTURO
Com o galpão de lactação com ocupação máxima, a expansão do rebanho da Colorado parece limitada. “Não continuaremos a ser os maiores produtores por muito tempo”, admite Beto. “Nossas instalações foram planejadas para esse tamanho e existem outras fazendas que têm mais espaço para crescer em volume.” O desafio imposto pela família, agora, é fazer mais com o mesmo rebanho, melhorando a qualidade dos animais. O processo de seleção genética do rebanho da Colorado vem sendo feito há décadas, desde que o patriarca, Lair, começou a percorrer o mundo atrás de matrizes holandesas de qualidade. Hoje, não é preciso sair da fazenda. Também não é mais necessário ter touros por perto.
Acompanhe todos os episódios da primeira temporada da Série TOP FARMERS
A seleção do material genético que será usado para inseminar as matrizes do rebanho da Colorado é feito em casa, com a assessoria da Alta Genetics. As principais empresas fornecedoras de sêmen fazem o primeiro corte. “Elas nos mandam a lista de touros que acham melhores segundo o nosso critério. Aí o Fabio Fogaça (da Alta) pega nossas ideias e seleciona”, explica Soriano.
Desde a implantação do sistema por Seu Lair, a escolha do reprodutor cujo material será usado nas vacas da Colorado segue o mesmo objetivo. As características mais buscadas são a longevidade e a capacidade reprodutiva. Em seguida, as associadas à produtividade. E, finalmente, a conformação, sobretudo do ubre. “Não olhamos para a beleza. Queremos ter mais leite em uma vaca que dure mais, senão não dá para pagar a conta”, resume o veterinário. Conseguindo 3 litros por dia a mais nas vacas filhas de touros que transmitem características para produzir mais leite, ganha-se em torno de 7,5% de rendimento. “Ela vai comer o mesmo, vai custar o mesmo, mas vai te dar mais retorno”, diz Soriano.
“Investimos em qualidade e serviços para ter a marca e um canal de distribuição especializado. Agora temos a oportuinidade de crescer dentro dele, agregando valor a nossa produção”
“Aqui a gente não tira só o leite, a gente produz a vaca do futuro”, emenda Antonio Carlos de Sordi Sobreira, gerente do Grupo Colorado. No princípio do processo, conta, o investimento em genética era alto e nem sempre dava os resultados pretendidos. “Chegamos a usar sêmen de 300 dólares, mas achávamos que estávamos errados, porque não evoluía como esperávamos. Então entendemos que só a genética não funciona, sem ambiência e alimentação adequada.”
Hoje, o resultado aparece mesmo usando sêmen de R$ 60. O investimento em um ambiente mais confortável para as vacas foi fundamental. Mas tão determinante quanto ele foi o trabalho feito para incrementar a nutrição dos animais. Afinal, na planilha de custos da Colorado, esse é o item mais pesado. “A alimentação representa de 55% a 60% do valor do leite”, afirma Sobreira.
A ração distribuída aos animais é formulada na fazenda. Toda a silagem de milho (de 20 a 21 mil toneladas anuais) é produzida ali. A silagem é enriquecida com soja, minerais, caroço de algodão, cevada, fubá de milho e polpa cítrica. As fibras são obtidas com capim pré-secado, uma espécie de feno produzido em 80 hectares da propriedade. Para fazer a mistura, uma carreta especialmente comprada na Alemanha funciona como uma fábrica móvel de ração.
A integração das áreas de produção na fazenda ajuda a melhorar as contas. Dentro de um ano e meio, por exemplo, as lavouras que fornecem milho e capim para a ração serão adubadas com a matéria orgânica resultante de outra experiência inovadora. O curral que abriga as bezerras da fazenda foi recentemente adaptado para funcionar como uma área de compostagem. O sistema usado é chamado de “compost barn” e consiste na troca do piso por uma “cama” de maravalha (uma espécie de serragem mais grossa) e casca de amendoim, com 0,45 metro de profundidade. A urina e as fezes depositadas naturalmente pelos animais ali misturam-se com esse material. Diariamente, tratores movimentam a cama, fazendo com que os dejetos orgânicos fiquem nas camadas inferiores, onde acontece a compostagem, a uma temperatura entre 45 e 60 graus. A parte superior, porém, continua seca, graças à ajuda de potentes ventiladores instalados no teto do pavilhão e da própria temperatura da cama que ajuda na evaporação. Essa rotina dura cerca de dois anos. Ao final, o resultado da compostagem é removido e utilizado como fertilizante orgânico nas lavouras.
Cria-se, assim, um ciclo de rentabilidade, alinhado também com os modernos conceitos de economia circular. “Para nós, até hobby tem que dar dinheiro”, declara Beto. “O leite era o hobby do Seu Lair, um hobby que ficou muito grande”, afirma Beto. As referências ao pensamento do patriarca fundador brotam a cada minuto da conversa. Para o herdeiro, essa presença marcante forjou a cultura da companhia, transmitida aos filhos e aos funcionários. “Tudo o que a gente faz, a gente estuda muito. Temos uma conduta de trabalho, os irmãos imbuídos e engajados. Tudo tem de ser mostrado através de números”, conta. “Sempre falei para o pai trazer os irmãos juntos. Com isso, depois que ele se foi, não houve modificação. Houve crescimento e continuidade.
CARLOS ALBERTO PASETTI
DE SOUZA
63 anos, casado, dois filhos
Formação: Administração de Empresas pela FMU (SP)
Faturamento: não revelado
Área total da Fazenda Colorado: 1,7 mil hectares
Rebanho total (posição em 03/11/2017): 4.213 animais,
sendo 2.122 matrizes. Dessas, 1.855 estão em ordenha
Produção total: 24 milhões de litros por ano
Outras empresas do grupo:
- Sucorrico (suco de laranja concentrado para exportação)
- Xandô (comercialização de produtos lácteos tipo A, além de suco de laranja integral e 100% natural)
- Plastirrico – indústria de embalagens plásticas
Hobbies: esportes motorizados
Outras atividades: apreciador de vinhos
TAGS: Carlos Alberto Pasetti de Souza, Fazenda Colorado, Pecuária Leiteira, Top Farmers