Edição 9 - 05.06.18
Ribeirão Preto, 14 de março de 2018. Cerca de mil pessoas, entre empresários, produtores rurais, executivos ligados ao agronegócio, autoridades e jornalistas, estavam reunidas para o evento Abertura de Safra – Cana, Açúcar e Etanol 2018/19, realizado pela consultoria DATAGRO e pelo Banco Santander. O clima de euforia entre os presentes, no entanto, denunciava que aquele, definitivamente, não seria um dia qualquer – como de fato não foi. A expectativa do público era pela chegada do presidente Michel Temer, que sancionaria naquela tarde o Projeto de Lei 9086/2017, que criava a Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, um programa que tem como objetivo regular o setor de biocombustíveis com regras claras e metas de longo prazo, e que deve contribuir decisivamente para a retomada dos investimentos na área.
Temer desembarcou no local por volta das 17 horas e cumpriu o prometido. Diante de uma plateia em êxtase, assinou o decreto que deve dar um novo ânimo ao setor e colocar o Brasil na vanguarda da produção de energias limpas. Em seu discurso, o próprio presidente admitiu que aquela fora uma das principais medidas do seu governo até ali. “O RenovaBio é, diria eu, apenas mais um novo capítulo de uma ampla agenda de modernização. Mas entre todas as agendas, a responsabilidade fiscal, a responsabilidade social, eu diria que, pelo entusiasmo que vejo (…), penso que o RenovaBio, de todos os atos, será um dos mais importantes que este governo praticou”, disse.
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O projeto de lei, apresentado pelo deputado federal Evandro Gussi (PV-SP), presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel, foi aprovado em tempo recorde no Congresso Nacional – 12 dias na Câmara dos Deputados e outros 12 dias no Senado Federal – e já havia sido sancionado pelo presidente Temer em 26 de dezembro de 2017. Além de contribuir para a recuperação do setor, ao estimular a substituição de combustíveis fósseis por energias limpas, o RenovaBio deve garantir o cumprimento das metas de redução de emissões assumidas pelo Brasil na COP21.
“O grande objetivo do RenovaBio está associado à questão climática, aos compromissos brasileiros com o acordo do clima que se iniciou em Paris, em 2015, e abre uma janela de oportunidade para os biocombustíveis crescerem, oferecendo empregos, aumento de renda e, principalmente, contribuindo para a nossa matriz de combustíveis e matriz elétrica”, afirma Elizabeth Farina, presidente executiva da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica).
O etanol já foi – e ainda é – considerado por muitos o combustível do futuro. No início dos anos 2000, com o advento dos carros flex, o setor ganhou corpo e atraiu investimentos bilionários visando o aumento da capacidade produtiva, mas acabou golpeado por uma política de congelamento artificial dos preços da gasolina que se mostrou catastrófico para toda a cadeia sucroenergética. Endividadas, dezenas de usinas declararam falência. Outras tantas paralisaram as suas operações por tempo indeterminado. Agora, graças ao RenovaBio, o otimismo está de volta ao setor – em especial às empresas que investiram em usinas modernas e eficientes, já que a lei prevê incentivos fiscais atrelados a metas de redução da emissão de gases do efeito estufa.
Entre os principais incentivos está o Crédito de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIO), mecanismo que visa precificar a contribuição individual de cada produtor e transformar a troca de combustíveis fósseis por limpos em créditos no mercado de carbono. “Hoje é o dia da premiação à eficiência. Este é um instrumento que vai permitir a premiação efetiva do produtor e a cadeia de uma maneira que nós nunca vimos no Brasil. Nós estamos introduzindo um instrumento de mercado. Não é mais uma tentativa de imposto ou qualquer tipo de arbitragem impositiva”, disse Sérgio Rial, CEO do Banco Santander, logo após a assinatura do decreto pelo presidente Temer.
Com regras claras e metas de longo prazo – algo inédito na história do setor –, a indústria sucroenergética deve, finalmente, retomar o caminho do crescimento. Eufóricos, os empresários presentes ao evento falavam em trilhões de reais em investimentos e na geração de milhões de novos postos de trabalho em todo o Brasil. Também exaltavam a importância do RenovaBio para o aumento na produção de energia elétrica a partir da biomassa e a contribuição dessa fonte para a segurança energética do País.
“Muitas usinas ainda têm caldeiras ineficientes, processos ineficientes, que não aproveitam todo vapor que elas produzem. À medida que você faz a troca de caldeiras, equipamentos de geração de energia, você consegue ter uma maior eficiência, ter um excedente de vapor, e esse excedente você usa para produzir energia elétrica”, explica Daniel Marrocos, presidente da CPFL Brasil. “Essa receita (com a venda da energia) é dinheiro que entra e aumenta a capacidade de financiamento, de investir em mais expansão, de geração de novos empregos. Isso cria um círculo virtuoso dentro do setor como um todo.”
Entre os produtores, o clima também era de otimismo – embora mais contido devido às inúmeras frustrações do passado. “As expectativas são muito promissoras. É lógico que é um processo bastante complexo, depende de aprovações, regulamentações… Não é uma coisa nem para amanhã nem para o mês que vem, mas levanta também uma perspectiva bastante saudável para a produção do etanol, tanto de cana como de milho”, afirma Bernardo Biagi, da Usina Batatais.
Desta vez, no entanto, a história tem tudo para ter um final feliz. Isso porque o RenovaBio, diferentemente de outros programas do passado, está inserido em uma visão integrada de políticas públicas na área de energia, meio ambiente, agricultura, política industrial, política de desenvolvimento econômico e social. Atualmente, a discussão não gira mais em torno do apoio ao desenvolvimento de um setor específico, mas sim da opção energética, especialmente na área de transportes, e do tipo de mobilidade que o Brasil terá no futuro. A Toyota, por exemplo, iniciou em março os testes do Prius flex, primeiro carro híbrido que pode usar etanol no lugar da gasolina em combinação com o motor elétrico. “É o híbrido mais limpo do mundo”, afirmou Steve St. Angelo, presidente da Toyota para América Latina e Brasil logo após a apresentação do modelo.
“Pela primeira vez em 90 anos, desde que começou a produção e venda de álcool combustível, na Usina Serra Grande, em Alagoas, o setor de biocombustíveis, de etanol em particular, passa a ter a possibilidade de ter uma visão de qual é o seu mercado futuro. Com o RenovaBio, você passa a ter uma referência do mercado à frente, passa a ter um mecanismo que valoriza os investimentos em eficiência na produção e no uso”, diz Plínio Nastari, presidente da DATAGRO. Sem dúvida, o dia 14 de março de 2018 será uma data que ficará para sempre na história do setor sucroenergético brasileiro.
OS ESPECIALISTAS E O RENOVABIO
“Estima-se em US$ 1,4 trilhão de investimentos no setor com o RenovaBio. Existe uma esperança muito grande de recuperar o setor e retomar algumas indústrias que estavam desativadas”
Celso Albano, Orplana
“O setor precisa de um planejamento a médio prazo, precisa de um cenário que saibamos quanto o etanol vai pesar na matriz de combustíveis, e que contribuição a bioeletricidade pode dar à matriz energética do Brasil. E isso virá agora, com o RenovaBio”
Arnaldo Jardim, Secretário de Agricultura e Abastecimento – SP
“O setor tem uma dinâmica muito boa, é um setor vigoroso. À medida que o RenovaBio permite que haja políticas claras e visão de longo prazo, o setor vai estar pronto para iniciar um novo ciclo de expansão”
Marcelo Mancini, VP da Atvos
“A partir do momento que você passa a ter regulamentação e aferição de resultados padronizados, podemos fazer uma melhor análise do crédito em relação aos tomadores. Isso permite, em algum momento, trazer uma precificação mais justa para o setor”
Alexandre Castelano, Superintendente executivo do Banco Santander
“O produtor de cana passa a se inserir no mercado da bioeconomia e o mundo passa a conhecer e passa a levar em conta a capacidade de melhoria ambiental do setor, inclusive a remuneração dentro da cadeia produtiva”
Renato Cunha, Presidente do Sindaçúcar-PE
“Nós temos uma meta a cumprir e algumas escolhas a fazer. A matriz de transporte é talvez a mais importante, porque ela tem capacidade de gerar muitos empregos, além de descarbonizar a economia”
Mario Campos, Presidente da Siamig
“O RenovaBio reconhece a bioenergia como uma energia diferenciada. Com a previsibilidade do programa, pode ser que várias usinas façam o retrofit e aumentem a geração de energia”
Marcelo Ometto, VP do Conselho Usina São Martinho
“À medida que essas empresas crescem, cresce a capacidade de cogeração de energia. E aí o setor elétrico acaba se beneficiando do RenovaBio”
Daniel Marrocos, Presidente da CPFL Brasil
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