Uma oportunidade Kosher para o Brasil

Escrevo esta coluna durante uma jornada de visitas a frigoríficos do Uruguai, enquanto roda a notí


24.05.18

Felipe Kleiman é consultor especializado em projetos de abate Kosher e posicionamento de mercado. www.abatekosher.com.br

Escrevo esta coluna durante uma jornada de visitas a frigoríficos do Uruguai, enquanto roda a notícia de que caminhões parados no Brasil comprometem o abastecimento de praticamente tudo em todo lugar.

Esta segunda viagem ao Uruguai em algumas semanas tem a ver, naturalmente, com carne Kosher e com o assunto dos boxes rotativos de contenção que serão obrigatórios a todos os frigoríficos que exportam para Israel a partir de 01 de junho, ou seja, daqui a pouco mais de uma semana.

O clima entre os frigoríficos que aderiram a essas novas exigências do Ministério de Agricultura de Israel é de grande expectativa, já que a norma estabelece que seu descumprimento suspende de imediato a habilitação para exportar a esse mercado. Vários abatedouros estão em fase de instalação e ajustes dos equipamentos.

Nos demais países do Mercosul o quadro é bem parecido, também pelo fato de que muitas indústrias não terão seus equipamentos instalados a tempo. Houve um corre-corre nos últimos meses para encomendar os boxes e fazer as reformas necessárias nas indústrias frigoríficas.

Na coluna anterior finalizamos dizendo que (após superados os percalços inerentes a toda transição), o saldo positivo adicional à solução do passivo de bem-estar animal na produção com destino a Israel será a abertura de novos horizontes para a carne bovina Kosher produzida na região.

Diversos países da Europa vêm proibindo a realização do abate Kosher ou Halal sem atordoamento prévio. O atordoamento se dá geralmente com pistola pneumática de penetração com injeção de ar, que provoca laceração encefálica grave. Por princípio, este procedimento não é aceito pela religião judaica, segundo o que o animal deve estar consciente para ser abatido. Ou seja, esse tipo de legislação equivale à proibição do abate Kosher em si.

Na Bélgica, a proibição passa a vigorar neste ano de 2018 em uma de suas duas grandes regiões e em 2019 na outra. A ironia é que, apesar de essas normas terem sido criadas por questões declaradas de bem-estar animal, naquele país é permitida a caça esportiva.

Na Holanda se discute no parlamento uma lei que permite que o abate Kosher seja feito (sem atordoamento) apenas para consumo interno, proibindo a produção Kosher para exportação. Fontes locais me disseram que a exportação é o que viabiliza a produção para o mercado interno, de modo que essa norma – se aprovada – vai afetar diretamente o abastecimento local dos consumidores Kosher. O parlamento polonês está discutindo regulamentação similar, sendo que a Polônia é o quinto maior fornecedor de carne Kosher de Israel.

Costumo sempre citar a professora Temple Grandin – não só por ela ser a cientista referência número 1 em bem-estar animal – mas principalmente por produzir inúmeros trabalhos científicos que oferecem soluções na conciliação das necessidades religiosas e de bem-estar animal.

A população judaica de alguns países da Europa é bastante numerosa. A França tem 600 mil judeus, sendo a terceira mais numerosa do Mundo. O Reino Unido tem a quinta maior comunidade judaica, com aproximadamente 370 mil judeus.

Leia também: O abate kosher e o passivo de bem-estar animal

Parece haver uma tendência que move a Europa nessa direção. Há países que proibiram o abate Kosher há décadas, mas na França e no Reino Unido isso tem se tornado pauta atual na sociedade. A ex-candidata à presidência da França, Marine Le Pen, milita nessa frente.

Baseado nessa leitura objetiva dos fatos é que considero que há um mercado por nascer para a carne Kosher brasileira. Um mercado que até hoje foi autossuficiente, mas dá sinais de vir a depender de abastecimento externo em função desse contexto político e social. Um mercado desejado, que paga bem pela carne que importa. Se tivermos o domínio operacional do abate Kosher em conformidade com as demandas de bem-estar animal, seremos fortes candidatos a exportar para esse novo nicho.

O novo mercado que vislumbro na Europa não se limita apenas à carne Kosher. Como escrevi alguns parágrafos acima, essa tendência de proibir o abate religioso sem atordoamento prévio afeta também as comunidades muçulmanas. A questão da aceitabilidade do atordoamento prévio pela religião islâmica requer maior aprofundamento, pois há correntes que divergem. Por isso será o assunto abordado na próxima coluna – que terá colaboração de uma autoridade religiosa muçulmana da Europa – que segue a linha que considera inadmissível o atordoamento prévio ao abate Halal.

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