40 Primaveras no Mediterrâneo

Completei 40 anos meditando no Mediterrâneo. E não fiz isso só porque eu estava turistando ou bus


03.05.18

Viviane Taguchi é jornalista especializada em agronegócio, caipira com orgulho, especialista em instalações de chuveiros, viaja pelo mundo sozinha, e se sente desafiada a cada “você não pode fazer isso”.

Completei 40 anos meditando no Mediterrâneo. E não fiz isso só porque eu estava turistando ou buscando ‘likes’. Fiz porque era a minha meta: pegar mais leve, me dar de presente tudo o que a vida pode oferecer de bom. E cá estou eu, uma autêntica agrogirl – na origem e na profissão – me dando presentes. Depois de dois anos muito doloridos, em que perdi amigo, irmã e pai, resolvi remoer meu luto me dando um tempo. Recebi críticas. Muitas. Mas quem foi que disse que eu não posso fazer o que me dá na telha? Logo eu, a pessoa que adora viajar de caminhão, que já ficou na estrada 21 dias para ir de Canarana (MT) a Carazinho (RS), e possui um aparelho de choque na bolsa. E então, vim parar em Malta, um país de 316 km², localizado no meinho do Mar Mediterrâneo, entre a Itália e a região norte da África.

Me dar de presente uma alimentação mais saudável também é uma meta, então, eu já sabia que, por aqui, nada se planta, tudo se importa. Mas não acreditei piamente nisso até chegar na ilha. Não existe uma fonte de água doce em Malta. Não há rios. E se não tem água, não tem agricultura. Quase tudo vem da Sicília: vegetais, frutas, carne (de boi, custa os olhos da cara, e às vezes, vem da Escócia. A mais comum é a de coelho). Mas tem uns morangões deliciosos que eu como de baciada. Sabe quando você vai na casa da vó e no quintal tem um pé de jabuticaba que dá aos montes e você enche a bacia? Pois é, é a mesma coisa com os morangos de Malta, que são cultivados num vilarejo chamado Mggar (fala-se “Madjár”).

Fiquei encafifada pra descobrir como eles produzem os morangões. Jornalista e com o agronegócio no sangue (é, gente, eu nasci lá em Pereira Barreto – “ê chão preto, terra boa é Pereira Barreto”), me embrenhei pela ilha a procura de plantações. Peguei um ônibus e fui em Mggar, me perdi andando pelas ruas onde as ‘fazendas’ são distribuídas como casas (a área de cultivo parece um terreno mesmo) e vi várias estufas de morangos, plantações de hortaliças, de erva-doce, que cresce aqui igual “braquiária no Goiás” e deixa a ilha com um delicioso aroma durante a primavera e o verão, pés de laranja e limão. Vinhedos são bem comuns.

Nesse dia, eu conversei com a única pessoa que encontrei, uma mulher chamada Carmem, que mora ao lado da plantação, que é da família dela, e estava ali só pegando umas verduras pra cozinhar. Ela disse que a água utilizada nas estufas era água do mar, dessalinizada e muito boa. E era isso que dava a gostosura ao morango, assim como a qualidade dos vinhos locais. Mal sabia a Carmem que ela havia acabado de apertar o botão que faz soar o alarme “vinhoooos”. Contei que gostava muito de vinhos e ela disse pra eu esperar. Entrou em casa e voltou com uma garrafa. A filha dela se juntou a nós.

De repente, eu estava com outras duas mulheres simples, que tem os pés fincados na terra, tomando vinho numa tarde bem ensolarada, no meio de uma roça no Mediterrâneo. Pensei muito nas críticas que recebi quando tomei a decisão de vir pra cá e, diferentemente do começo, não me irritei, mas sorri. Quem disse que eu, mulher, 40 anos, sozinha pelo mundo, não posso fazer o que eu quero?

-PS- O meu aparelho de choque ficou no Brasil

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