Por Lucas Bresser
A preservação das florestas tropicais deixou de ser apenas uma pauta ambiental para se tornar questão central na economia global. A crescente pressão internacional sobre os países que abrigam grandes áreas verdes, como o Brasil, vem acompanhada da necessidade de criar mecanismos que deem valor econômico à conservação. É nesse cenário que surge o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF), proposta brasileira que busca transformar a maneira como se financia a proteção ambiental no mundo.
Apresentado na COP28, em Dubai, em 2023, e com lançamento oficial previsto para a COP30, em Belém, no Pará, em 2025, o fundo busca captar até US$ 125 bilhões para garantir pagamentos permanentes aos países que mantêm suas florestas em pé. O modelo tem despertado atenção não apenas de governos e organismos multilaterais, mas também do setor privado, por meio de bancos, fundos de investimento e grandes corporações que já se movimentam para participar.

“Manter as florestas tropicais em pé é algo absolutamente estratégico”, diz o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista na dinâmica climática da Amazônia. “A Amazônia, por exemplo, armazena cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a dez anos de toda a queima de combustíveis fósseis do planeta.” Segundo Artaxo, se todo esse carbono fosse liberado na atmosfera, os cenários de mudanças climáticas globais se agravariam significativamente.
A proposta brasileira rompe com o modelo tradicional de doações internacionais. O TFFF foi desenhado como um fundo de investimento global, no qual 20% do capital virá de aportes públicos (governos e instituições multilaterais) e 80% do mercado financeiro, por meio da emissão de títulos de dívida com rendimento competitivo. O retorno aos investidores será garantido pela carteira diversificada do fundo. Uma parte do lucro remunera quem colocou o dinheiro, enquanto o excedente financia os pagamentos anuais aos países tropicais que conseguirem preservar suas áreas de floresta. O cálculo é direto: cerca de US$ 4 por hectare protegido a cada ano.
“O TFFF é um mecanismo robusto e inovador de investimento público e privado, que direciona recursos diretamente para quem conserva as florestas”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante a Semana de Ação Climática de Londres, em junho. “À medida que nos aproximamos da COP30, precisamos da ousadia para criar um novo pacto entre clima e floresta, ajudando a estabelecer um ciclo de prosperidade, com coragem e capacidade disruptiva para mudar, antes que sejamos abruptamente mudados pelas adversidades climáticas.”

Para evitar distorções, o fundo também prevê penalidades pesadas no caso de descumprimento dos acordos. Cada hectare desmatado pode custar entre US$ 400 e US$ 800 em multas, além de US$ 100 para cada hectare degradado. Ou seja, o incentivo é positivo (pagar por conservar), mas também punitivo para quem destruir. Outro ponto relevante é que 20% dos recursos pagos aos países deverão ser obrigatoriamente destinados a povos indígenas e comunidades tradicionais, reconhecendo o papel estratégico desses grupos na proteção das florestas.
Um dos diferenciais do TFFF é a simplicidade metodológica. Os critérios de elegibilidade exigem que os países mantenham baixas taxas de desmatamento (até 0,5% ao ano). O monitoramento será feito por meio de imagens de satélite, padronizadas e auditadas internacionalmente, com os dados abertos ao público. Essa abordagem evita burocracias associadas a cálculos de estoques de carbono e facilita a checagem independentemente dos resultados. “É um caminho para colocar valor na natureza sem transformá-la em uma commodity”, diz a cientista política, ambientalista e ex-ministra do Meio Ambiente da Colômbia Susana Muhamad. Para Artaxo, o avanço tecnológico favorece a metodologia proposta para o TFFF. “Hoje, a ciência tem ferramentas extremamente efetivas, com a utilização de sensoreamento remoto, para mapear não só a extensão, mas também a saúde das florestas tropicais. E o Brasil tem liderança mundial nesses sistemas”, diz o cientista.
Se alcançar a meta de captação, o TFFF poderá canalizar bilhões de dólares por ano para países detentores de florestas tropicais, entre eles Brasil, Colômbia, Indonésia, República Democrática do Congo e Gana. A expectativa é de que a iniciativa contribua para reduzir emissões de carbono e ajudar na meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C, além de fortalecer a bioeconomia nas regiões rurais, gerando renda com base em produtos e serviços ambientais. Outro benefício é que o TFFF poderá oferecer mais segurança financeira a países e comunidades que hoje dependem de recursos escassos e pontuais. O TFFF não substitui iniciativas já existentes, como os mercados voluntários de carbono ou o REDD+, mas se soma a elas, criando uma camada adicional de previsibilidade e escala. “Normalmente, o REDD+ financia áreas sob alto risco de desmatamento, enquanto regiões historicamente bem preservadas acabam recebendo pouco apoio”, afirma Thaise Emilio, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima). “O TFFF pode valorizar e proteger também esses territórios, reconhecendo sua importância para manter serviços ecossistêmicos vitais.”

O fundo tem recebido endossos de países como Alemanha, Reino Unido, Noruega, Colômbia, Emirados Árabes Unidos e Malásia. Além disso, no início de julho, durante a cúpula do Brics, a China anunciou que deverá injetar recursos no projeto. Organismos multilaterais como Banco Mundial, OCDE e PNUD estão envolvidos na modelagem da governança. Entidades ambientais como WWF, Conservation International e Wildlife Conservation Society também colaboram. Essa convergência aumenta a chance de o TFFF se consolidar como novo paradigma do financiamento climático global. Outro respaldo político importante ao TFFF vem dos nove países sul-americanos abrangidos pela Amazônia. Em agosto, Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname divulgaram comunicado oficial manifestando apoio à criação do mecanismo.
Um dos aspectos mais inovadores é a forma como o TFFF atrai o capital privado. Bancos e fundos de investimento internacionais como Pimco, Barclays e Bank of America já sinalizaram interesse em participar. Para as empresas, inclusive do agronegócio, trata-se de uma oportunidade dupla: contribuir para a preservação das florestas tropicais e alinhar suas cadeias de valor às exigências ambientais globais. O Brasil, como maior detentor de florestas tropicais do planeta, tem papel estratégico e responsabilidades nessa equação.
Um exemplo concreto desse movimento vem da Agropalma, maior produtora de óleo de palma do País e reconhecida mundialmente como referência em sustentabilidade. Instalada há mais de 40 anos na Amazônia, a companhia mantém em Tailândia (PA) 107 mil hectares, dos quais 64 mil são reservas florestais preservadas. Desde 2002, a empresa adota uma política rigorosa de desmatamento zero, investindo aproximadamente R$ 2 milhões por ano em proteção das florestas e da biodiversidade. A estratégia envolve equipes permanentes de guardas florestais, sistemas de monitoramento por câmeras e ações de prevenção contra a exploração ilegal de madeira.

O compromisso vai além da vigilância. Em parceria com a Conservation International, a Agropalma monitora mais de mil espécies da fauna amazônica – muitas endêmicas e ameaçadas de extinção, como a ararajuba, o macaco cuxiú-preto e a onça-pintada. O trabalho inclui 18 trilhas de observação da biodiversidade e já contribuiu para o registro de novas espécies na região. A companhia também apoia o PPBio-AmOr, programa de pesquisa em biodiversidade coordenado pela UFPA e pela Universidade de Bristol, viabilizando expedições científicas em suas áreas de reserva legal.
Para Túlio Dias Brito, diretor de Sustentabilidade da Agropalma, iniciativas como essas mostram que desenvolvimento econômico e a proteção ambiental podem andar juntos: “É motivo de orgulho sermos uma empresa com desmatamento zero, que monitora continuamente a biodiversidade com padrões de excelência. A conservação gera benefícios para toda a sociedade, como estabilidade climática, preservação da biodiversidade e avanço científico.”.
O lançamento oficial do Fundo está previsto para a COP30, em Belém, em novembro. Até lá, os esforços estão concentrados em estruturar juridicamente o mecanismo, captar compromissos iniciais e definir salvaguardas sociais e ambientais. A expectativa é de que, a partir de Belém, o mundo veja nascer um modelo permanente de financiamento para florestas tropicais, capaz de equilibrar os interesses de governos, investidores privados, comunidades locais e do setor produtivo.

Apesar do entusiasmo, o fundo também enfrenta desafios significativos. Um dos principais entraves passa pela relação com o Banco Mundial, instituição escolhida para estruturar e viabilizar a operação do TFFF. Como os Estados Unidos detêm mais de 30% do poder de voto no banco, as recentes tensões diplomáticas entre Brasília e Washington podem impactar o ritmo de implementação do mecanismo. “O Banco Mundial é parceiro fundamental desde o início e agrega muita confiança dos investidores, mas agora é uma questão política dentro da instituição”, disse André Aquino, assessor especial do Ministério do Meio Ambiente, durante evento do Imaflora. Segundo Aquino, o governo brasileiro já avalia alternativas junto a outros bancos multilaterais, mas reconhece que nenhum teria o mesmo peso simbólico e técnico do Banco Mundial.
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre carrega o simbolismo de ter sido concebido no Brasil, país que abriga a maior floresta tropical do planeta e cujo agronegócio depende diretamente dos serviços ecossistêmicos que ela proporciona. A iniciativa não resolve sozinha os dilemas do desmatamento e das pressões econômicas sobre a floresta, mas oferece um caminho inovador para monetizar a conservação de forma contínua, previsível e escalável. “Não se trata de mercantilizar a natureza, mas de reconhecer, de forma concreta, o valor que ela tem para a sobrevivência humana e para a economia global”, diz Susana Muhamad. Para o agronegócio, a mensagem é clara: preservar deixou de ser apenas uma responsabilidade moral. É também, cada vez mais, um bom negócio.





