Quando a mesa encontra a história 

Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes une chefs renomados, vinhos de inverno e patrimônio barroco em uma experiência única
Edição: 51
26 de novembro de 2025

Por André Sollitto 

As ruas de pedra de Tiradentes têm muita história. A cidade é um marco da busca pelo ouro em Minas Gerais, terra do inconfidente Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), e uma das principais referências do movimento barroco brasileiro. Lá, edifícios do século 18 continuam abertos aos turistas que lotam as dezenas de pousadas, interessados em ver de perto como era a vida em outros tempos. Hoje, Tiradentes é também um importante polo gastronômico, que uma vez por ano recebe alguns dos principais chefs brasileiros, de Minas e de outros estados, em uma celebração à boa comida. 

A cidade mineira é um importante polo gastronômico e seu festival se tornou com o tempo uma celebração à boa comida.

Todos os anos, nos dois últimos fins de semana de agosto, a cidade sedia o Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, criado em 1998 e já incorporado ao calendário oficial. O evento é realizado pela plataforma Fartura, iniciativa que promove a gastronomia brasileira por meio de festivais e também de conteúdos como livros e filmes, amparados por pesquisas. Embora a edição de Tiradentes seja a mais famosa, há várias outras. Recentemente, o Fartura promoveu um encontro em Belo Horizonte e, em outubro, seguirá para Nova Lima, também em Minas Gerais. 

A proposta do festival é espalhar a boa comida pela cidade. Alguns dos principais restaurantes locais, como o Tragaluz, comandado pelo chef Felipe Rameh, e o Angatu, de Rodolfo Mayer, realizam jantares especiais, conhecidos como Festins. Na praça da rodoviária e no Santíssimo Resort, estabelecimentos de Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina montam barracas para servir seus principais quitutes. O Bar do Zezé, importante reduto da boemia de Belo Horizonte, levou sua receita de torresmo frito na hora, servido em pedaços generosos que chamavam a atenção de quem passava. O restaurante Padre Toledo, da própria cidade, participou com sabores tradicionais mineiros, como arroz de galinha com taioba e moela ao molho de vinho. Já o Gourmeco, também de Tiradentes, apresentou seu prato Cerrado com referências à praia – camarões enrolados em espaguete e fritos, acompanhados de geleia de pimenta agridoce com pequi –, além de um canoli feito com a massa do Chico Doceiro, casa de doces que se tornou patrimônio local. Há ainda feiras de produtos artesanais, que vão de cachaças a peças de artesanato. Toda a cidade é tomada pelo clima do festival, e até as pousadas se envolvem, oferecendo pacotes especiais para quem deseja aproveitar os dias de festa.  

A Festa lotada, igreja histórica e paisagens de tirar o fôlego: lugar para comer bem e desfrutar da beleza do turismo.

Mais do que provar boa comida, o festival é uma oportunidade de ver de perto alguns dos principais chefs do País e aprender suas receitas mais famosas. Paulo Machado, especialista na cozinha pantaneira, preparou seu tradicional macarrão de comitiva, prato criado para alimentar os peões que atravessavam o Pantanal com o gado. A mineira Ju Lima, churrasqueira que se tornou sucesso nas redes sociais, cozinhou seu arroz caldoso de fraldinha, receita que viralizou no TikTok e no Instagram. “Para mim, é a chance de ver de perto as pessoas que me acompanham”, diz. O chef Onildo Rocha, responsável pelos premiados Notiê e Abaru, em São Paulo, também participou, assim como a chef Janaína Torres, do Bar da Dona Onça, eleita a melhor do mundo em 2024. 

A Festa lotada, igreja histórica e paisagens de tirar o fôlego: lugar para comer bem e desfrutar da beleza do turismo.

Neste ano, pela primeira vez, a programação se estendeu a uma vinícola da região, a recém-inaugurada Trindade, em Bichinho, ao lado de Tiradentes. Embora os vinhedos ainda sejam jovens e não produzam uvas, o espaço já recebe visitantes e oferece rótulos de outros produtores locais, como a Casa Geraldo e a Estrada Real. É também um sinal de que o vinho mineiro ganha força. A produção vitivinícola da região é recente e só foi possível graças à técnica da dupla poda, ou poda invertida, que “engana” o ciclo da videira e faz com que ela dê frutos no inverno, período de menor precipitação. 

Assim, criou-se um movimento relevante de vinhos de inverno, impulsionado pela variedade tinta Syrah e pelas brancas Chardonnay e Sauvignon Blanc. Os rótulos já aparecem em publicações especializadas, como o guia Descorchados, um dos mais prestigiados da América do Sul. Nas praças da cidade, muitos visitantes trocaram a cerveja pelo vinho, prova incontestável de que a bebida se tornou mais popular do que nunca. 

A Festa lotada, igreja histórica e paisagens de tirar o fôlego: lugar para comer bem e desfrutar da beleza do turismo.

Para além da gastronomia, o festival é também uma oportunidade de conhecer os pontos turísticos da cidade histórica. A Igreja Matriz de Santo Antônio é um deles. Construída no início do século 18, é o prédio mais antigo de Tiradentes e tornou-se símbolo da arquitetura barroca. Fica aberta durante o dia, mas ganha ainda mais encanto nas noites de fim de semana, quando há um espetáculo de luzes narrado pelo ator Paulo Goulart (1933-2014), seguido por um concerto no órgão histórico trazido ao Brasil em 1788.  

Torresmo feito na hora do Bar do Zezé: um reduto da boemia local: pedaços generosos que chamam atenção dos visitantes

O programa muda regularmente e alterna peças sacras e seculares. Outro passeio imperdível é a Maria Fumaça que liga São João del Rei a Tiradentes, a mais antiga em funcionamento no País. O trajeto dura cerca de 40 minutos e inclui a visita ao Museu Ferroviário e à rotunda, que inverte a direção da locomotiva e atrai turistas mesmo entre os que não embarcam na viagem. No centro histórico, há ainda o Museu de Sant’Ana, instalado em uma antiga prisão, e as igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Francisco de Paula, entre muitos outros atrativos. 

Embora o festival seja uma oportunidade única de mergulhar na gastronomia tiradentina, não é preciso esperar agosto do próximo ano para desfrutar da boa mesa local. A maioria dos restaurantes que participa do Fartura funciona o ano inteiro. É o caso do Tragaluz e do Angatu, que atraem visitantes por seus menus sofisticados, mas também de casas tradicionais como o La Villa Trattoria, já listado entre os melhores do Brasil, e o Estalagem do Sabor, que há quatro décadas serve pratos típicos da culinária mineira. 

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