Por Alexandre Dantas
A imagem que o mundo guarda de Moçambique ainda é a de um país marcado por contrastes profundos: uma natureza exuberante, instabilidade política e pobreza persistente. Na última década, porém, essa narrativa começou a mudar. Cada vez mais, Moçambique vem se projetando como uma das mais promissoras fronteiras agrícolas da África, um continente que, para além das crises, abriga também o maior potencial inexplorado de terras cultiváveis do planeta.
A população africana deve dobrar até 2050, alcançando 2,5 bilhões de habitantes. A pressão sobre a produção de alimentos será gigantesca, e poucos países reúnem condições tão favoráveis para liderar essa expansão quanto Moçambique. Estima-se que 36 milhões de hectares de terras agricultáveis estejam disponíveis, mas apenas 16% são efetivamente utilizados. A água não é problema – o país é cortado por grandes rios e possui bacias hidrográficas capazes de irrigar vastas áreas. A localização também é estratégica. Com portos naturais voltados para o Oceano Índico, Moçambique tem acesso direto a mercados da Ásia e do Oriente Médio, cada vez mais dependentes de importações de alimentos.
O desafio moçambicano é transformar esse potencial em realidade. Durante 16 anos, a guerra civil (1977–1992) devastou o campo e afastou investimentos. A agricultura permaneceu basicamente de subsistência, centrada em culturas como mandioca, milho, feijão e amendoim. Só a partir dos anos 2000, com a pacificação e o avanço de programas internacionais de apoio ao desenvolvimento, o país começou a dar os primeiros passos para modernizar sua produção.

Projetos de cooperação bilateral tiveram papel central. O Brasil, por meio da Embrapa e da Fiocruz, desenvolveu experiências no chamado Corredor de Nacala, região ao norte do país com solo fértil e clima propício para soja, milho e algodão. O Japão, parceiro no mesmo projeto, financiou infraestrutura logística, incluindo a reabilitação da ferrovia que liga o interior ao porto de Nacala, no Oceano Índico. Foi nesse contexto que grandes produtores brasileiros de soja e algodão começaram a explorar áreas no país, enxergando ali uma oportunidade semelhante à abertura do Cerrado, que transformou o Brasil em potência agrícola.
A soja é o exemplo mais emblemático da ambição moçambicana de se firmar no mapa da agricultura global. Segundo a FAO, a produção local passou de 10 mil toneladas em 2005 para mais de 150 mil toneladas atualmente. Ainda é pouco se comparado ao Brasil ou aos Estados Unidos, mas o crescimento é expressivo. Com apoio de novas tecnologias – sementes adaptadas, manejo do solo e sistemas de rotação –, Moçambique já exporta soja para países vizinhos, como Malawi e Zimbábue, e ensaia os primeiros embarques para o mercado asiático.
O país não aposta apenas nos grãos, se destacando também na produção de cana-de-açúcar, tabaco e algodão, culturas tradicionais que hoje ganham novos mercados ligados à bioenergia e à indústria têxtil. Plantios de eucalipto no norte do país abastecem fábricas de celulose e papel, algumas voltadas exclusivamente para exportação.
A integração lavoura-pecuária também começa a surgir como modelo, impulsionada pela necessidade de recuperar pastagens degradadas e aumentar a produtividade de carne e leite. Estima-se que a pecuária bovina moçambicana movimente hoje cerca de 1,5 milhão de cabeças, mas o potencial é muito maior, especialmente porque o país dispõe de áreas de pastagem equivalentes às do Centro-Oeste brasileiro.
Nenhuma fronteira agrícola floresce sem infraestrutura, e este talvez seja o maior desafio do país. A malha rodoviária é precária, as ferrovias ainda são insuficientes e a energia elétrica não chega a boa parte do interior. O Porto de Nacala, modernizado recentemente, é considerado um dos melhores da costa africana, mas ainda opera abaixo do potencial. Para competir globalmente, Moçambique precisa vencer o gargalo logístico. Nesse sentido, empresas e governos estrangeiros desempenham papel decisivo. A China já investe em estradas, pontes e usinas, e o Japão, por meio da Jica, segue apoiando o Corredor de Nacala.

Uma questão central na nova fronteira agrícola moçambicana é o impacto sobre os pequenos produtores. Mais de 70% da população ativa do país vive da agricultura de subsistência. A expansão de grandes empreendimentos pode gerar divisas e infraestrutura, mas também corre o risco de excluir famílias camponesas, concentrando terras e recursos. Há, portanto, uma tensão permanente entre dois modelos: o da agricultura empresarial de larga escala e o da agricultura familiar, responsável pela maior parte da segurança alimentar interna.
Alguns projetos tentam construir pontes entre esses dois mundos. O ProSavana busca transferir tecnologia para pequenos agricultores e integrá-los a cadeias de valor maiores. Embora tenha enfrentado críticas e resistência de movimentos sociais, a iniciativa tem servido para colocar em pauta a necessidade de políticas inclusivas, que permitam ao camponês acessar crédito, insumos e assistência técnica.
Nesse cenário, nos últimos anos os investidores passaram a olhar para o agro de Moçambique com crescente interesse. O Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento classificam o país como estratégico para a segurança alimentar global, destinando linhas de crédito para ajudar a desenvolver a produção local. Empresas de sementes, fertilizantes e maquinário agrícola também têm desembolsado bom volume de recursos para instalar filiais, criar centros de distribuição e oferecer pacotes tecnológicos que vão desde o fornecimento de insumos até programas de treinamento de agricultores.
Multinacionais agrícolas veem na região um mercado em expansão, pouco explorado e com possibilidade de crescimento rápido, dada a combinação de terras férteis, mão de obra disponível e proximidade de grandes rotas comerciais. Se conseguir combinar grandes investimentos internacionais com políticas de apoio ao pequeno produtor, Moçambique poderá se firmar como uma potência agrícola em alguns anos.





