Por Romualdo Venâncio
A adaptabilidade tem se tornado, cada vez mais, um valioso diferencial do agronegócio brasileiro. A capacidade para se adequar a novos cenários e diferentes necessidades se aplica a praticamente tudo no setor: às plantas, aos animais, ao meio ambiente, às pessoas e aos processos. É a partir dessa condição que o semiárido na região norte de Minas Gerais começa a dar sinais de que pode vir a ser um importante polo de produção de cacau. Experimentos científicos iniciados há quase dez anos ganharam proporções comerciais, e a perspectiva para os próximos dez anos é ainda mais ambiciosa.
A história começou a ser escrita em novembro de 2014, na Fazenda Experimental da Universidade de Montes Claros (Unimontes), no município de Janaúba, a 560 km de Belo Horizonte. O engenheiro agrônomo e professor de fruticultura da Unimontes, Victor Martins Maia, decidiu cultivar cacau em uma área da propriedade para avaliar o desempenho da planta a pleno sol, sob temperaturas elevadas e baixa umidade relativa do ar, cenário desafiador para qualquer cultura. “Produzir o cacau em uma região não tradicional era uma quebra de paradigma”, afirma Maia.
O estudo inédito com 200 plantas de oito opções de clones e cultivares tinha por objetivo desenvolver uma nova alternativa de produção de alimentos para o norte mineiro. Os principais desafios, naquele momento, eram a entrada em um campo ainda desconhecido e a falta de recursos financeiros. “Era uma cultura nova que a gente não sabia conduzir, então tivemos de aprender com ela durante o tempo em que estava no campo”, disse Maia. Essa condição também dificultava a injeção de verba, porque faltava o entendimento se o projeto seria viável. “Conduzimos esse experimento por três anos com recursos próprios e com o apoio da universidade. Em 2017, conseguimos algum dinheiro, mas que só chegou mesmo depois de 2020.”
O esforço foi recompensado, pois o projeto atraiu diversos olhares. Chegou o apoio também do Sindicato dos Produtores Rurais de Janaúba e da cooperativa de crédito Sicoob, que patrocinou uma viagem técnica para 20 cacauicultores conhecerem áreas produtivas da Bahia. Foi assim que a presença do cacau no norte de Minas Gerais passou do campo experimental para uma atividade comercial. Segundo Maia, atualmente oito agricultores investem no fruto e somam 400 hectares de área plantada.

A expectativa de implantar uma cacauicultura moderna, produtiva e sustentável no semiárido mineiro, consolidando a região como referência na cultura, parece estar dando certo. Começou a surgir uma cadeia bem estruturada, sobretudo com trabalho coletivo e organizado por parte dos produtores, a ponto de ganharem em escala e nas condições de negociação, seja de insumos, seja de suas amêndoas.
Exemplo recente é a segunda edição do evento Plant Cacau – Tecnologias para Produção de Cacau no Semiárido de Minas Gerais, realizado em Janaúba, nos dias 8 e 9 de maio, pela Uniagro Júnior Consultoria Agrícola, empresa formada por alunos de Agronomia da Unimontes. Além de acompanhar palestras sobre manejo, mercado, tecnologia, gestão, desafios e oportunidades, os participantes puderam visitar duas propriedades. “No primeiro dia de evento, recebemos cerca de 300 pessoas”, diz o presidente da Uniagro, Fabrício Brito.
Para se ter ideia, o encontro foi patrocinado pelas gigantes Cargill e Nestlé e pela Fralía Cacau Brasil, indústria mineira localizada em São Gonçalo do Rio Abaixo, que compra boa parte da produção do norte de Minas Gerais e pretende mordiscar um naco mais significativo desse mercado. Atualmente, a Fralía processa 300 toneladas de amêndoas por mês, enquanto as multinacionais trabalham com 5 mil toneladas mensais, segundo CEO da empresa, Matheus Pedrosa. No entanto, até o final de 2025, podem chegar a 1,2 mil toneladas por mês com a operação de uma nova fábrica, que receberá investimentos de R$ 15 milhões.
A largada para as obras será dada ainda no início do segundo semestre deste ano, e o salto de 300% em capacidade de processamento promete ser apenas mais um passo. “Esse projeto é paliativo, pois há mercado para irmos além”, afirma Pedrosa. A Fralía é uma companhia B2B que já atende o Brasil todo, inclusive grandes indústrias, e exporta para Argentina, Peru e para o continente africano. “Fornecemos para qualquer indústria que produza algum alimento com sabor de cacau e para a fabricação de manteiga de cacau.”
Entre os fornecedores da Fralía está a SWZagro, uma das fazendas que receberam as visitas do Plant Cacau. A propriedade, localizada em Matias Cardoso, município que faz parte do Perímetro Irrigado de Jaíba, tem 150 hectares produtivos distribuídos entre banana-prata e banana-nanica, gado de corte a pasto e cacau. Nessa área também foi introduzida a produção de energia elétrica por meio de painéis solares.
O cacau entrou nos negócios da SWZagro em 2019. “Buscávamos outra atividade que desse uma rentabilidade melhor”, diz o proprietário Luiz Schwarcz. Outra justificativa é o fato de o fruto não ser perecível como a banana, que precisa ter saída logo após a colheita. A produção mais recente do cacau foi de 5 toneladas de amêndoa, e a meta é chegar a 15 toneladas por ano. A ampliação é estimulada pelo cenário atual do fruto no Brasil e no mundo. “A queda da produção na Costa do Marfim e em Gana amplia as oportunidades para produção nacional”, diz Schwarcz.
Os países africanos citados pelo produtor respondem por mais de 70% da produção global. Costa do Marfim, que lidera esse ranking, sofreu com problemas climáticos que prejudicaram a performance das lavouras. O impacto no quadro geral do abastecimento de amêndoas de cacau, para a temporada 2023/24, é um déficit de 374 mil toneladas, de acordo com a Organização Internacional de Cacau (ICCO, na sigla em inglês).
A atenção às oportunidades de mercado é dividida com os desafios do lado de dentro da porteira, e um dos mais relevantes no momento é a disponibilidade de mudas. Segundo Schwarcz, tem sido comum receber o material genético com atraso e, pior, diferente do que foi comprado. “Planejamos o plantio para o final do ano, quando a chuva vem, e posso perder essa programação”, afirmou o produtor, que cultiva 1,2 mil mudas por hectare. “Por isso, quero desenvolver minhas próprias mudas.”
Esse é o caminho a ser seguido pela Rimo Agroindustrial, de Janaúba. Para Geraldo Pereira da Silva, gestor da empresa, a carência de mudas no norte de Minas Gerais é uma oportunidade para quem produz e entrega o material genético de maneira eficiente. Porém, para evitar riscos dessa dependência, o plano é ter cultivo próprio. “Serão mudas já aclimatadas à região”, diz.
A Rimo, que também recebeu os visitantes do Plant Cacau, chegou a 130 mudas de cacau plantadas, contabilizadas desde o começo do processo, em 2021, até o início do mês de março deste ano. A cultura foi implantada de forma consorciada com a banana-prata, principal produto da fazenda. Ainda que seja uma região com tradição na bananicultura, a concorrência com outras áreas do País e o distanciamento dos principais centros consumidores têm incentivado a busca por novas atividades.
Com a integração, as duas culturas são beneficiadas. O cacau tem seu desenvolvimento sob o conforto térmico proporcionado pela banana. E esta, por sua vez, ganha em produtividade a partir do trato nutricional oferecido aos cacaueiros. Além disso, durante o processo há uma redução das bananeiras, aumentando a disponibilidade de insumos. O cacau entra no bananal, que já está em final de ciclo. Nesse processo, o volume de 1,4 mil bananeiras por hectare cai para 800, e essas plantas geram cachos maiores e melhores, que vendem melhor e rendem mais – há um ganho de 14% no faturamento bruto da fazenda. A convivência das duas culturas, contudo, tem data para terminar. “Minha intenção é, daqui a dez anos, deixar a propriedade toda com produção de cacau”, afirma Silva.
O objetivo é chegar a uma produção de 3 mil toneladas de amêndoa por hectare, com cacau a pleno sol e com a expectativa de que o futuro seja tão iluminado quanto a região toda. “As expectativas são as melhores possíveis”, diz o gestor. “O Brasil é importador, falta cacau no mundo e a produção africana enfrenta uma série de problemas. Além disso, China e Índia, as nações mais populosas do mundo, conhecem muito pouco de cacau. Então existem aí, também, muitas oportunidades.”
A visão otimista é compartilhada pelo professor Maia, da Unimontes, que espera ver a produção de cacau chegar a 10 mil hectares em regiões não tradicionais para a cultura, como o semiárido e o Cerrado de Minas Gerais. E além dessas divisas, como no oeste da Bahia, em outros estados do Nordeste, em Goiás, no Tocantins e até em São Paulo, que já apresenta iniciativas em São José do Rio Preto. “Ninguém sabe exatamente como será o futuro, mas essa é a minha expectativa”, diz Maia. Para o cacau produzido no Brasil, portanto, o futuro é promissor.

Espaço para crescer
Os números da produção brasileira de cacau
Quantidade produzida: 295 mil toneladas
Área colhida: 628 mil hectares
Rendimento médio: 470 quilos por hectare
Valor da produção R$ 3,5 bilhões (2022)
Maiores produtores: Pará (153 mil toneladas) e Bahia (123 mil toneladas)
Fonte: IBGE, com dados de 2023