Por Ronaldo Luiz
As mudanças climáticas estão alterando de forma acelerada a dinâmica da agricultura mundial. O aumento das temperaturas e as alterações nos regimes de chuva modificam o comportamento de insetos e patógenos, ampliando a incidência de pragas e doenças em lavouras. Segundo estudo publicado na revista Nature Climate Change, insetos estão se adaptando a novas condições e expandindo sua presença em áreas antes pouco exploradas. Já a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima que até 40% da produção global de alimentos se perde anualmente em decorrência de pragas – e a tendência é que esse número cresça com o aquecimento global.
Cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, acrescentam que fungos e bactérias estão acelerando sua capacidade de adaptação, o que aumenta os surtos de doenças no campo. A revista Science Advances também alerta para outro efeito preocupante: a concentração crescente de CO? na atmosfera enfraquece as defesas naturais das plantas, tornando-as ainda mais vulneráveis. Sem ações urgentes, portanto, os prejuízos podem se ampliar de tal forma que inviabilizem não apenas a produção de grãos como soja, milho e trigo, mas também de cultivos de grande relevância para a segurança alimentar e energética, como hortifrútis, café, algodão e feijão.

A relação entre o clima e a vida dos insetos é extremamente sensível, conforme observa Jéssica Silva, professora do curso de Engenharia Agronômica do Centro Universitário Facens. “Cada espécie tem condições ideais para seu ciclo de vida”, diz. “Mesmo variações pequenas de temperatura, como meio grau, já são suficientes para prolongar a permanência de uma praga em determinada área. Isso pode fazer com que o pico de presença coincida com fases cruciais de desenvolvimento da cultura, tornando os insetos uma ameaça em momentos em que antes não eram problema.”
Com o aumento da temperatura e a redução das chuvas, insetos conseguem migrar para regiões mais altas e frias. “Pragas já conhecidas no Brasil estão expandindo seu raio de incidência e levando seus impactos a áreas que antes não sofriam com esse problema”, diz Jéssica. A especialista destaca ainda o peso econômico: “Todo método de controle entra no custo da safra e diminui a margem do produtor”. Além do volume, a qualidade das colheitas também é afetada. Insetos comprometem o tamanho, o peso e a aparência dos produtos, levando à desvalorização no mercado e, em casos extremos, tornando-os inviáveis para comercialização. A docente cita o exemplo da Tuta absoluta [traça-do-tomateiro], praga do tomate capaz de causar perdas de produtividade de até 90%. “Em alguns casos, ela chega a inviabilizar o cultivo”, afirma.
No feijão e no algodão, doenças se aproveitam do estresse das plantas para se instalar. Adriana Matos, professora do curso de Agronomia da Una Jataí, destaca a presença do mofo-branco, cada vez mais recorrente. “Essas doenças se desenvolvem justamente quando a planta está mais vulnerável”, afirma. Ela chama a atenção também para a ramulária, que ameaça a qualidade e a quantidade da fibra do algodão: “Essa doença surge com força em períodos de noites úmidas por conta do orvalho, especialmente em regiões produtoras. O problema é que começa na parte inferior da planta, onde o fungicida tem dificuldade de alcançar quando a lavoura já está fechada. Isso cria condições ideais para a proliferação”.

Outro desafio para os cotonicultores é o bicudo-do-algodoeiro, que nesta temporada tem causado grandes estragos. A principal razão, segundo Adriana, é a falta de controle das chamadas plantas tigueras, que nascem espontaneamente em beiras de estradas e áreas abandonadas: “Essas plantas funcionam como uma ponte verde para o bicudo. Sem o manejo adequado, o inseto chegou mais cedo e em maior número às lavouras, complicando o controle”, afirma. Para evitar prejuízos, ela recomenda ações preventivas, com atenção redobrada aos primeiros sinais: “É importante conhecer o cultivar plantado, já que alguns são mais suscetíveis. O ideal é aplicar produtos antes mesmo dos sintomas visuais. Caso eles apareçam, deve-se observar se o avanço da doença está controlado”.
Nas lavouras de café, as ameaças se multiplicam. Entre elas estão a broca-do-café, o bicho-mineiro, o ácaro-vermelho, a ferrugem do cafeeiro e a mancha-de-phoma. Para Aldir Alves Teixeira, engenheiro agrônomo e CEO da Experimental Agrícola/illycaffè, a broca é uma das mais agressivas. “Ela ataca os frutos em qualquer estágio de maturação e compromete diretamente a classificação e o beneficiamento, com reflexos na qualidade da bebida”, diz. Nesse sentido, o monitoramento é essencial. Teixeira recomenda a amostragem mensal da praga, principalmente até 70 dias antes da colheita. Outro risco é o bicho-mineiro, uma pequena mariposa que deposita ovos nas folhas durante a noite. “A lagarta penetra na folha e se aloja entre as epidermes, alimentando-se e formando as conhecidas minas”, diz o especialista. O problema é favorecido por altas temperaturas e baixa umidade. “O controle deve ser iniciado quando 30% das folhas de cafeeiros jovens estiverem minadas”, acrescenta.

Entre as pragas e doenças que mais desafiam o produtor brasileiro, a ferrugem asiática da soja é uma das mais severas. Causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, foi identificada no Brasil em 2001 e desde então é alvo de monitoramento e pesquisa em diversos centros. Segundo o Consórcio Antiferrugem da Embrapa, a doença pode reduzir em até 90% a produtividade se não for controlada corretamente. A principal estratégia de combate é o vazio sanitário, período em que fica proibido manter plantas vivas de soja em campo.
Regulamentado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o intervalo varia conforme os estados e dura cerca de 90 dias. O objetivo é quebrar o ciclo do fungo na entressafra, reduzindo sua presença no ambiente e atrasando a ocorrência da doença na safra seguinte. “Essa medida fitossanitária é uma das mais importantes para o controle da ferrugem”, afirma Edilene Cambraia, diretora do Departamento de Sanidade Vegetal do Mapa. Para Tiago Pereira, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o vazio sanitário interrompe a chamada “ponte verde” entre as safras, essencial para a sobrevivência do fungo. Paulo Roberto de Paula Brandão, chefe do Departamento de Sanidade Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), reforça que o cumprimento da medida precisa ser coletivo: “A prática só funciona se todos eliminarem as plantas voluntárias de soja, inclusive em margens de estradas e áreas não cultivadas.”

O manejo integrado inclui cultivares resistentes, rotação de culturas, uso de bioinsumos e aplicação estratégica de fungicidas. Para Reinaldo Bonnecarrere, diretor de Biológicos LatAm e Europa da Indigo Agricultura, essas práticas devem ser combinadas. “Não há solução única”, diz. “O manejo integrado é essencial para reduzir a pressão do patógeno e aumentar a eficiência das demais estratégias de controle.”
Outra praga que preocupa é a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), vetor de molicutes e viroses que provocam os chamados enfezamentos vermelho e pálido, além do mosaico estriado. Segundo a Embrapa, a praga tem se beneficiado do cultivo quase contínuo do milho ao longo do ano, especialmente na região da Sealba (Sergipe, Alagoas e Bahia), o que mantém populações ativas em todas as estações. Maria Cristina Canale, pesquisadora em Fitopatologia da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), explica que o clima quente e a presença constante de plantas voluntárias de milho ajudam a perpetuar a cigarrinha. “Esse milho tiguera funciona como ponte verde, garantindo a sobrevivência tanto do inseto quanto dos patógenos”, afirma.

Para Douglas Leme, gerente de Marketing para Milho da Basf, a falta de rotação de culturas e o controle ineficiente nos estágios iniciais agravam o problema. Os prejuízos são elevados: a cigarrinha pode causar perdas de até 70% na produtividade. O manejo inclui eliminar plantas voluntárias, usar sementes certificadas e tolerantes, planejar épocas de plantio em sincronia com outros produtores e monitorar continuamente as lavouras. Roberto Favaretto, agrônomo da Divisão Agrícola da Bayer, lembra que inseticidas de ação rápida devem ser aplicados no início da infestação, combinados ao uso de defensivos biológicos. “O manejo integrado, com múltiplas práticas combinadas, é a única forma de manter o milho produtivo”, diz.
A adaptação a esse cenário exige informação de qualidade e manejo adequado. Para Jéssica Silva, os agricultores precisam acompanhar o zoneamento climático da região, buscar informações em centros técnicos e cooperativas e se preparar para a chegada de novas pragas. Criar condições para a proliferação de inimigos naturais, preservar matas e conservar o solo também são estratégias importantes. Adriana Matos reforça a necessidade do manejo integrado de pragas e doenças. “A rotação de técnicas e produtos é fundamental para evitar resistência”, diz. “As mudanças climáticas fazem as doenças aparecerem mais cedo, e nem sempre temos o clima adequado para aplicar defensivos. Isso exige do produtor uma postura cada vez mais estratégica.”





