Crescimento fora da porteira

Com recorde de 28,2 milhões de trabalhadores, agro brasileiro vê aumento do emprego impulsionado por agroindústria e agrosserviços, enquanto a ocupação no campo encolhe
Edição: 49
4 de agosto de 2025

Por Lucas Bresser

Em 2024, o número de pessoas que trabalhavam em posições ligadas ao campo atingiu o recorde histórico de 28,2 milhões, representando 26,02% do total de ocupações do País, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Engana-se, no entanto, quem visualiza todo esse contingente apenas nas plantações, estábulos, granjas ou açudes. Na verdade, o aumento de 1% no número de empregados na comparação com 2023, equivalente a 278 mil novas vagas, foi impulsionado principalmente pelo crescimento na agroindústria, nos agrosserviços e na produção de insumos, enquanto o segmento primário registrou redução na população ocupada. Ou seja: atualmente, é o trabalho fora da porteira que impulsiona o aumento da mão de obra no agronegócio.

A agroindústria foi responsável por um crescimento expressivo de 5,2% na ocupação, incorporando 231,76 mil novos trabalhadores. Dentro desse segmento, destacaram-se as atividades de abate de animais, que cresceram 7,2% (43.760 novos postos), a produção de massas e outros alimentos, com alta de 10,4% (40.617 vagas), a fabricação de móveis de madeira, com incremento de 6,6% (32.167 novos empregos), e a moagem e produção de produtos amiláceos, que registrou avanço de 14,6% (22.588 novos trabalhadores).

O crescimento da agroindústria não apenas contribuiu para o recorde de empregos no setor, mas também impactou positivamente os agrosserviços, gerando maior demanda por transporte, comercialização e serviços financeiros especializados. Nesse segmento, o aumento no emprego foi de 3,4%, adicionando 337,65 mil trabalhadores. Isso reflete a crescente sofisticação do agronegócio brasileiro, que demanda cada vez mais serviços especializados para lidar com a expansão da produção agropecuária e a complexidade das operações industriais.

Vista superior de um trabalhador em pé ao lado de caixas de maçãs em um armazém de uma fábrica de alimentos orgânicos.

Embora com menor participação, o setor de insumos também registrou crescimento no número de trabalhadores, com aumento de 3,6% na população ocupada, totalizando 10,97 mil novas posições. Esse avanço, no entanto, foi puxado exclusivamente pela indústria de rações, que subiu 14,6% (18,04 mil novos empregos), enquanto outros subsetores viram redução.

Ao mesmo tempo que a agroindústria e os agrosserviços apresentaram crescimento robusto, o segmento primário do agronegócio viu uma redução de 3,7% na população ocupada, o que corresponde a 302 mil trabalhadores a menos. Essa queda foi impulsionada pela redução no número de pessoas atuando na agricultura (-3,1%, ou 167 mil empregos a menos) e na pecuária (-4,7%, ou 135 mil postos a menos). Segundo Nicole Rennó, professora e pesquisadora do Cepea-Esalq/USP, o movimento é reflexo de um processo histórico de migração de culturas, mecanização e automação no campo, que tem aumentado a produtividade e reduzido a necessidade de mão de obra menos qualificada. “Mesmo com menos gente, o que vemos em termos de produção é recorde atrás de recorde sendo gerado pela agricultura e pecuária no Brasil”, diz.

A pesquisadora destaca ainda que, embora o número total de trabalhadores no campo esteja diminuindo, há aumento na demanda por profissionais mais qualificados. “O número de pessoas com ensino superior trabalhando na agropecuária tem crescido de forma muito acelerada, bem acima da média do mercado de trabalho brasileiro, o que indica uma mudança estrutural na qualificação exigida pelo setor”, afirma Rennó.

Entre os subsetores que mais cresceram, a indústria de processamento de alimentos teve desempenho de destaque, especialmente os fabricantes de massas, biscoitos e pães. De acordo com Claudio Zanão, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados (Abimapi), a modernização e a inovação em produtos têm gerado novas oportunidades de emprego. “A qualificação da mão de obra é um dos principais desafios da indústria, mas também uma grande oportunidade”, afirma. “A demanda por profissionais com conhecimentos técnicos em automação e controle de qualidade está em alta.”

Segundo Zanão, as projeções de médio prazo são boas. “O setor de biscoitos, massas, pães e bolos industrializados gera milhares de empregos diretos e indiretos ao longo de toda a cadeia produtiva”, afirma. “As perspectivas de médio prazo são positivas, impulsionadas pelo avanço da tecnologia, inovação em produtos e novos formatos de consumo.” Segundo o executivo, a indústria tem observado um movimento contínuo de modernização, o que pode resultar tanto na criação de novas vagas, especialmente em áreas ligadas a automação e controle de qualidade, quanto na requalificação de profissionais para atender as demandas do mercado.

Os desafios, no entanto, também existem, especialmente aqueles relacionados aos custos de produção elevados e às mudanças no poder de compra do consumidor. “As empresas buscam eficiência operacional sem comprometer a qualidade e a acessibilidade dos produtos”, diz Zanão. “Isso nos permite manter uma visão otimista para o emprego na indústria, com oportunidades de crescimento ligadas à inovação e ao desenvolvimento sustentável.”

No subsetor de fabricação de móveis de madeira, que também registrou aumento expressivo no número de empregos, as perspectivas para os próximos meses também são positivas, embora não se descartem flutuações. “A expectativa no médio prazo é de continuidade nas contratações, embora de forma mais cautelosa, devido às incertezas macroeconômicas”, afirma Irineu Munhoz, presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel). “Fatores como a alta carga tributária e fiscal, a inflação e a alta taxa de juros podem afetar a confiança do consumidor, o que, por consequência, influencia tanto o ritmo de produção quanto a geração de novos empregos.”

Trabalhadora operando máquina de mistura em fábrica de biscoitos

Assim como em outros segmentos, o setor moveleiro enfrenta desafios para encontrar, capacitar e reter profissionais, especialmente em áreas que exigem formação técnica e especializada, como processos produtivos e de automação. “A modernização das fábricas e o uso de novas tecnologias, ferramentas de gestão e práticas sustentáveis demandam atualização constante de competências, o que exige investimentos e retenção de mão de obra” afirma Munhoz. “Além disso, muitas empresas de médio e pequeno porte dependem de iniciativas regionais e parcerias com instituições de ensino profissionalizante para formar equipes qualificadas, o que pode variar conforme a disponibilidade desses recursos em cada localidade.”

Entre os agrosserviços, os transportes representam um dos mais cruciais subsetores dentro de toda a cadeia logística. Aqui, um dos grandes motores de crescimento está no investimento público e privado em infraestrutura. “Se nada atrapalhar, a gente vai continuar crescendo de 2,5 a 3%, porque esse é um crescimento contratado”, afirmou recentemente Vander Costa, presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a uma publicação da entidade. Segundo o executivo, o cenário é de relativo otimismo, especialmente por causa do ritmo de concessões para a iniciativa privada.

Ao mesmo tempo, os crescentes custos operacionais associados ao transporte são um desafio cada vez mais presente. Segundo a CNT, no Brasil, 65% do transporte de cargas e mais de 90% do transporte de passageiros é realizado por meios rodoviários. O combustível representa entre 30 e 35% do custo final da atividade. Assim, aumentos e variações no preço do insumo têm impacto direto nas margens e na empregabilidade. Além disso, o custo de manutenção de caminhões e ônibus e a eficiência logística no País são afetados pela má qualidade das rodovias. A entidade estima que 1,184 bilhão de litros de diesel foram desperdiçados em 2024 devido à condição do pavimento.

A CNT propõe um conjunto de medidas para mudar esse cenário, como a aprovação da PEC 1/2021, que destina pelo menos 70% das outorgas de transporte a investimentos no setor, e a inclusão das despesas com infraestrutura rodoviária entre aquelas que não podem sofrer contingenciamento. Também sugere o uso integral da Cide-combustíveis em transportes e sua exclusão da base da Desvinculação de Receitas da União (DRU), o que evitaria perdas de recursos. Na área de concessões, propõe a ampliação das PPPs para manutenção de rodovias, incentivo à participação de organismos internacionais no financiamento de infraestrutura e maior atuação do BNDES na estruturação, financiamento e garantias de projetos. Por fim, apoia o PL 11.057/2018, que impede o contingenciamento do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), permitindo o uso pleno de seus recursos para reforçar a fiscalização e melhorar a sinalização viária.

Segundo os especialistas consultados por PLANT PROJECT, a tendência é que os empregos ligados ao agronegócio sejam cada vez menos concentrados no setor primário e mais na agroindústria e nos agrosserviços. E não se trata apenas de uma questão de mecanização e modernização. O próprio modelo de produção brasileiro leva a isso. Nos últimos anos, a agropecuária nacional passou por uma transformação estrutural que reduziu o número de trabalhadores. Um dos principais fatores é a mudança na pauta de produção, com a concentração em culturas menos intensivas em mão de obra, como a soja. Essa especialização produtiva tem impactado tanto os trabalhadores assalariados quanto os produtores familiares, cujos números vêm diminuindo significativamente. “A queda no número de produtores e de famílias envolvidas na agropecuária também está ligada à redução da diversificação produtiva”, diz Nicole Rennó, do Cepea. “Pequenas culturas, menos competitivas, têm perdido espaço, e o alto nível de concorrência do setor tende a excluir os menos eficientes economicamente.”

Além disso, fatores demográficos também contribuem para essa mudança. O tamanho das famílias rurais diminuiu, reduzindo a disponibilidade de mão de obra familiar. Paralelamente, a pluriatividade tornou-se mais comum: muitos membros da família buscam empregos no comércio e na indústria, mesmo residindo em áreas rurais. Esse fenômeno é especialmente evidente entre os jovens, que cada vez mais optam por oportunidades urbanas, em vez de permanecerem na propriedade. “Assim, a modernização acelerada da agropecuária, aliada a mudanças econômicas e demográficas, tem levado à redução contínua da força de trabalho no campo”, diz Rennó.

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