Por André Sollitto
No universo do uísque, alguns rótulos passam décadas repousando em barris de madeira, ganhando lentamente maturidade e complexidade. A maioria dessas preciosidades longamente envelhecidas vem da Escócia, berço do Scotch e referência mundial tanto em volume de produção quanto em tradição. O clima e a expertise secular escocesa ajudaram a consolidar esse prestígio, seguido de perto por países como Canadá, Irlanda, Japão e Estados Unidos, que também desenvolveram linhas premium. Agora, é a vez do Brasil entrar no seleto grupo. O Pure Malt Vintage 2005 Double Wood, recém-lançado, chega ao mercado com 20 anos de maturação – é um feito inédito no País. O rótulo integra o portfólio da Union Distillery, instalada no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS), região reconhecida pelos vinhos, mas que começa a conquistar também espaço entre apreciadores de destilados.
Embora a linha própria da Union seja recente – foi lançada apenas em 2020 –, a empresa está no mercado desde 1948 e produz cevada maltada, a base do uísque, desde 1973. Durante décadas, a companhia atuou quase exclusivamente como fornecedora de matéria-prima para outros engarrafadores, que estampavam suas marcas no produto final. A aposta em rótulos autorais veio durante a pandemia, após anos dedicada ao trabalho para terceiros. “Nos últimos 20 anos houve um movimento de grandes marcas internacionais trazendo seus single malts para o mercado brasileiro”, afirma Luciano Borsato, diretor executivo da Union. “Identificamos uma oportunidade, lançamos nossos próprios produtos e abrimos nossa loja.”

O portfólio nasceu enxuto, com alguns rótulos clássicos, entre eles um blended produzido a partir da combinação de uísques de malte e de grãos, além de um puro malte, elaborado apenas com cevada maltada. O grande salto de reconhecimento veio com o lançamento do Extra Turfado, versão de sabor defumado que se tornou diferencial da marca. “Aquilo foi uma novidade e nos deu impulso, mesmo no auge da pandemia”, diz Borsato.
O sucesso do novo produto estimulou a destilaria a diversificar o portfólio. Vieram então rótulos que exploram técnicas típicas dos uísques artesanais, como a finalização em barris secundários após a maturação. Nesse processo, são utilizados barris virgens, que nunca receberam outra bebida, para aportar maior intensidade, ou recipientes que antes guardaram vinho, jerez ou cerveja do tipo Barley Wine, cada um conferindo características aromáticas e de sabor distintas.
Mais recentemente, a empresa apresentou a linha Vintage, dedicada a maturações prolongadas. É nela que se destaca o Vintage 2005, envelhecido por 17 anos em carvalho americano e mais três em carvalho francês, combinação que resulta em camadas diferentes de aromas. O engarrafamento ocorre a 50º de teor alcoólico, acima da média do mercado, mas com justificativa técnica. No barril, a bebida atinge entre 60º e 62,5º, concentração considerada ideal para extrair sabores da madeira. Em alguns países, esse teor chega às prateleiras sob o nome de cask strength. No Brasil, a legislação impõe limite de 54º, o que obriga a diluição do destilado com água. “Essa diluição é necessária para dar equilíbrio à bebida”, explica Borsato.

As novidades ajudaram a formar um público de entusiastas dispostos a pagar mais para experimentar rótulos diferenciados. As linhas finalizadas em barris secundários custam entre R$ 225 e R$ 385, enquanto o Pure Malt Vintage 2005 chega a R$ 895. “Nossa venda é bastante direcionada. Trabalhamos com a loja física, a loja virtual e alguns empórios”, afirma Borsato. A destilaria também aposta no turismo para ampliar a visibilidade, oferecendo visitas guiadas que apresentam o processo de produção, percorrem a sala de barricas e terminam com uma degustação de quatro rótulos. O ingresso custa R$ 85 e inclui uma taça de lembrança. Como no vinho, a experiência turística se torna um aliado na difusão da bebida.
A Union não está sozinha no movimento de valorização dos uísques nacionais. Outro nome de destaque é a Lamas, de Minas Gerais, que construiu um portfólio variado. A linha básica inclui um puro malte e um blended. Já a trufada oferece duas versões com diferentes níveis de defumação. Há ainda uma coleção especial, formada por rótulos finalizados em barris secundários ou inspirados em estilos consagrados, como o bourbon, produzido a partir de grãos. Instalado em um dos estados mais associados à cachaça, o alambique mineiro aproveita a tradição local e envelhece parte das bebidas em madeiras típicas do destilado de cana, como amburana e bálsamo. Algumas edições limitadas exploram ainda mais essa diversidade, como é o caso do rótulo maturado em putumuju, árvore nativa da Mata Atlântica (Centrolobium robustum). Já esgotada, a garrafa alcança até R$ 1,2 mil em plataformas online e se tornou objeto de desejo entre colecionadores.

Outras iniciativas também começam a se destacar. Em Minas Gerais, o uísque Arthur é um single malt que reforça a diversidade da produção local. Já a destilaria Geest, em parceria com a cervejaria artesanal Juan Caloto, lançou o inusitado El Miraculoso Calibrador de Mira de Widowmaker Joe, um moonshine – tipo de uísque não envelhecido. Nos anos 1930, durante a Lei Seca nos Estados Unidos, esse destilado era produzido clandestinamente, geralmente em condições precárias, o que o transformou em sinônimo de bebida perigosa. Hoje, a realidade é outra: produtores artesanais vêm explorando o potencial do estilo, inclusive fora dos Estados Unidos. O rótulo da Geest conquistou reconhecimento inédito para o Brasil ao ganhar medalha de ouro e ser eleito o grande campeão da categoria New Make & Young Spirit no World Whiskies Award, um dos mais importantes eventos do setor. Ainda recente, o mercado brasileiro de uísque já demonstra vitalidade e sinais de que tem muito a revelar.





