Por Romualdo Venâncio
Com os recorrentes avanços em produção e exportação de carne de frango e ovos, a avicultura brasileira tem alçado voos cada vez mais altos. Por trás da conquista de mercados, tanto locais quanto internacionais, há um esforço comercial, político e diplomático. Boa parte dessa evolução, porém, se deve ao melhoramento genético das aves, um processo que desafia até o tempo, pois cada ciclo pode durar de cinco a dez anos e é preciso mirar lá na frente para definir os fatores prioritários de hoje em dia. É assim que as empresas públicas e privadas do setor trabalham para desenvolver as galinhas e os frangos do futuro.
Dados sobre as negociações de genética de aves para o mercado externo dão uma ideia de como essa área decolou. Entre 2014 e 2024, as exportações brasileiras de ovos férteis passaram de 11,8 mil toneladas para 26,1 mil toneladas (136% a mais). A receita evoluiu 72%, conforme o relatório anual da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Tais números dizem muito sobre a sintonia da condução da seleção de aves no Brasil com o desejo – ou a exigência – do mercado global.
Pelo lado da cadeia produtiva, desempenho, fertilidade, sistema imunológico e qualidade dos produtos (tanto carne quanto ovos) eram predominantes nos processos de melhoramento genético das aves. Mais recentemente, o clima se tornou um fator decisivo nessa lista, pois as mudanças climáticas também afetam a avicultura. Aí reside outro importante desafio na escalada da seleção das aves: não é possível desenvolver uma linhagem que seja melhor em tudo, pois sempre haverá pontos antagônicos. “Quando a seleção vai muito para tamanho e peso, acaba indo menos para fertilidade”, diz o pesquisador da Embrapa Aves e Suínos, Elsio Figueiredo. Segundo o especialista, que trabalha com genética de aves desde 1990, a nutrição representa o maior custo da produção avícola. “Depois, vêm outros pontos, como o bem-estar animal”, afirma.
No caso da produção de carne de frango, também se destacam a evolução do ganho de peso, a qualidade de carcaça (desejável que não tenha muita gordura), o sabor, a aparência, a textura, a segurança (em relação a resíduos) e a facilidade de preparo. Com o tempo, foram ganhando força as demandas do consumidor final, que passou a se importar mais com nutrição mais saudável, origem e rastreabilidade da produção, sustentabilidade ambiental, bem-estar animal, segurança do alimento e impacto social.
Basta uma volta rápida em qualquer supermercado dos grandes centros urbanos para ver como tem aumentado a variedade de embalagens de ovos com a indicação de “alimento orgânico” ou de “galinhas criadas fora de gaiolas”, também chamadas de “cage-free”. Essas características estão diretamente ligadas com o manejo, com a maneira de tratar as aves, mas também se conectam, de alguma forma, com a genética, com as melhorias para que se tenha galinhas adequadas a esse sistema.
Na opinião de Figueiredo, em relação às aves do futuro, o frango caminha para melhorar sua conversão alimentar e a definição dos cortes. Já nas poedeiras, o destaque é a longevidade da vida produtiva, o ciclo de produção mais duradouro. “Essa eficiência nas duas atividades reduz a necessidade de alimentação e de áreas para produzir o alimento dessas aves, além de diminuir os impactos ambientais”, diz o pesquisador.
A coordenadora de Produto da Aviagen América Latina, Jane Lara Grosso, reforça o discurso do pesquisador da Embrapa, ressaltando que a genética tem papel fundamental na sustentabilidade do setor avícola, “promovendo melhorias em aspectos fundamentais como a eficiência alimentar e o crescimento saudável das aves”. Segundo a executiva, os avanços nesses pontos têm gerado resultados significativos, como a redução do impacto ambiental e o uso mais racional dos recursos naturais. “Conforme dados que coletamos ao longo dos últimos 20 anos, o frango de corte atual necessita de 320 gramas a menos de ração por quilo vivo, apresenta 40 gramas a mais de rendimento de carcaça eviscerada e reduz em 19% o consumo de energia na produção de ração”, afirma Grosso, que continua: “Além disso, economiza 0,57 litro de água por quilo de frango, diminui em 28% a excreção de resíduos como nitrato e fosfato e reduz em 19% as emissões de gases de efeito estufa”. E ainda demanda 42% menos terra para a produção de grãos utilizados na ração.
Em decorrência das transformações do setor, a indústria da genética de aves teve de ampliar sua base de fatores a serem considerados no processo produtivo. “Atualmente, mais de 50 características, que englobam todos os aspectos biológicos das aves, são consideradas nos objetivos de seleção”, afirma Grosso. Também entra nessa equação a evolução tecnológica e de infraestrutura para melhor avaliar e aproveitar tudo isso.
A gerente da Aviagen destaca as estações de alimentação em grupo, que otimizam o consumo de alimento; a tomografia computadorizada, utilizada para selecionar aves mais saudáveis; e a aplicação da seleção genômica, que aumenta a precisão na seleção de características desejadas. “São inovações que implantamos de forma pioneira em nosso programa de melhoramento genético”, diz.
Outro ponto de evolução vem com a automação e a digitalização de processos. O presidente da Aviagen América Latina, Ivan Pupo Lauandos, explica que a empresa já vem investindo nessa inovação, “com a implementação de internet em seus aviários para dar suporte ao uso de câmeras e à transmissão mais ágil de dados”. A soma de velocidade e segurança na captação, transferência e processamento de informações proporciona mais eficiência em todo o processo de melhoramento genético.
Na trilha da inovação, a companhia prepara um grande salto de tecnologia para o abastecimento de matrizes no mercado brasileiro em 2026. Uma nova granja está em construção no município de Santo Antônio da Alegria, no interior de São Paulo, e a programação é que esteja pronta antes de julho, quando será alojado o primeiro lote de aves. A unidade vai trabalhar com 3,8 milhões de matrizes por ano.
A evolução genética pode contribuir ainda para a prevenção de doenças como a influenza aviária, que tem se espalhado pelo mundo e impactado potências globais da avicultura, como os Estados Unidos. No entanto, é preciso cautela com essa relação, pois não é direta nem imediata. A vacinação seria a melhor estratégia para proteger os criatórios da enfermidade. Diante da falta de um imunizante eficaz ou sob o risco de mascarar o real estado de saúde do plantel, o melhor a se fazer é evitar a contaminação dos lotes.
Do ponto de vista genético, conforme explica a gerente da Aviagen, é possível “realizar uma seleção buscando aumentar a resistência das aves à doença, fortalecendo a capacidade imunológica e melhorando sua resposta a infecções virais”. A companhia já tem adotado essa estratégia, priorizando aves com alta eficiência biológica e uma capacidade elevada de adaptação aos diferentes desafios do sistema produtivo. “Ao selecionar aves mais saudáveis e robustas, você reduz a probabilidade de elas serem afetadas por um surto de doenças, o que pode ajudar a conter a disseminação de uma pandemia”, comenta Grosso.
A executiva lembra também que o melhor aproveitamento do potencial genético das aves não depende apenas da seleção, mas é um processo que envolve todas as áreas ligadas à avicultura. “À medida que o progresso genético avança, novas exigências surgem para as aves, e cabe a nutricionistas, sanitaristas e avicultores ajustarem-se a esse genótipo em constante evolução”, diz a especialista. Esse esforço coletivo é colocado à prova sempre que o consumidor vai ao ponto de venda em busca do alimento que melhor corresponda a suas expectativas de sabor, qualidade, aparência e preço, e quando os importadores fazem o check-in dos protocolos para fechar as negociações com as agroindústrias brasileiras. A genética avícola do futuro tem de funcionar diariamente – e desde já.