Por Amauri Segalla
O campo brasileiro, tantas vezes visto como vilão ambiental, começa a ocupar um novo lugar no debate global: o de protagonista da transição para uma economia de baixo carbono. A adoção crescente de sistemas integrados, o manejo regenerativo e o avanço dos biocombustíveis mostram que a agenda verde deixou de ser promessa e se consolidou como prática cotidiana.
Desde o seu nascimento, a PLANT PROJECT acompanha de perto esse movimento. Nas reportagens sobre a adoção de sistemas integrados de produção até nos dossiês mais recentes sobre biocombustíveis, a revista vem mostrando como o campo brasileiro soube reinventar sua relação com o meio ambiente. Em suas páginas, ficou registrado que é possível produzir mais alimentos, fibras e energia com menor impacto ambiental. O que antes parecia utopia agora é rotina em milhares de propriedades espalhadas pelo País.
Um dos símbolos mais visíveis dessa transição é a expansão da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). A prática, que combina diferentes sistemas produtivos em uma mesma área, tornou-se referência de sustentabilidade aplicada ao campo. Segundo a Embrapa, já são mais de 20 milhões de hectares adotando o modelo em diferentes regiões. Os resultados falam por si: aumento da produtividade, recuperação de áreas degradadas, maior fixação de carbono no solo e diversificação de renda para o produtor. Em diversas regiões brasileiras, fazendas que migraram para o sistema integrado conseguiram dobrar a lotação de gado por hectare, ao mesmo tempo que reduziram a necessidade de abrir novas áreas de pastagem. Além disso, áreas antes improdutivas voltaram a gerar renda com a introdução de florestas comerciais associadas ao cultivo de grãos.
O manejo regenerativo de pastagens é outra face da virada verde. Durante décadas, a pecuária brasileira conviveu com a imagem de pastos degradados e baixa eficiência. Hoje, a adoção de práticas regenerativas vem alterando essa equação. O uso de adubação correta, a rotação de áreas, a introdução de espécies forrageiras mais resistentes e o manejo racional do gado elevaram significativamente a produtividade do setor. O impacto ambiental também é evidente: menos pressão sobre a abertura de novas áreas e maior capacidade de sequestro de carbono. Em várias regiões, iniciativas de pecuária de baixo carbono se tornaram vitrine para mercados internacionais, ansiosos por comprar carne certificada como proveniente de sistemas ambientalmente responsáveis.
Esse processo se conecta diretamente com a valorização da rastreabilidade. Se antes era suficiente oferecer volume e preço competitivo, hoje os compradores globais querem saber a história completa de cada lote de soja, café ou carne. De onde veio? Qual foi o impacto ambiental da produção? Houve respeito à legislação trabalhista? A resposta a essas perguntas está cada vez mais disponível em plataformas digitais que registram, passo a passo, a jornada dos alimentos.
Grandes tradings já condicionam contratos à comprovação de rastreabilidade socioambiental. A soja brasileira, por exemplo, passou a ser monitorada via satélite para garantir que não haja vínculo com áreas de desmatamento ilegal. A carne bovina destinada à Europa precisa vir acompanhada de certificados de origem e práticas de baixo carbono. O agro brasileiro, que sempre buscou competitividade pela escala, agora encontra nos selos e certificações um novo passaporte para se manter relevante nos mercados mais exigentes.
Outro movimento que caracteriza a virada verde é a busca por carbono neutro. Iniciativas de neutralização ou redução drástica das emissões passaram a integrar o planejamento estratégico de grupos agroindustriais e, em alguns casos, até de pequenos produtores organizados em cooperativas. O conceito de “fazenda carbono neutro” deixou de ser uma ideia distante para se tornar meta empresarial. Cooperativas de leite já contabilizam emissões e adotam práticas de compensação, enquanto iniciativas de reflorestamento atreladas à produção de grãos vêm garantindo créditos de carbono que podem ser negociados em bolsas internacionais. No setor sucroenergético, algumas usinas assumiram o compromisso de neutralizar todas as suas emissões até 2030, combinando aumento de eficiência industrial com investimento em florestas energéticas.
Mas a virada verde do agro não se limita à produção de alimentos. Cada vez mais, o campo brasileiro se afirma como fornecedor estratégico de energia limpa. A história começou com o etanol de cana-de-açúcar, símbolo da matriz renovável brasileira. Nos últimos anos, ganhou força o etanol de milho, cuja produção passou de apenas 800 milhões de litros em 2015 para mais de 6 bilhões de litros em 2024, segundo a União Nacional do Etanol de Milho (Unem). O combustível não apenas diversificou a oferta, como também transformou estados como Mato Grosso e Goiás em polos bioenergéticos, com plantas industriais que integram a produção de grãos, etanol, DDG (coproduto usado na alimentação animal) e geração de energia elétrica a partir da biomassa.
O biodiesel seguiu a mesma trilha, consolidando-se como alternativa renovável ao diesel fóssil. O Brasil já adiciona 14% de biodiesel ao diesel comercializado, e a meta é ampliar essa mistura nos próximos anos. A produção se apoia sobretudo em soja e óleo de palma, mas pesquisas avançam para diversificar as matérias-primas, como macaúba e outras oleaginosas nativas, que prometem ampliar a escala sem pressionar a fronteira agrícola.
Ainda mais recentes, mas em crescimento acelerado, estão o biogás e o biometano. A transformação de resíduos da agroindústria em energia se tornou um filão competitivo. Em unidades de suinocultura no Sul, de cana-de-açúcar no Sudeste e de confinamentos de gado no Centro-Oeste, biodigestores passaram a captar metano e convertê-lo em eletricidade ou combustível veicular. Essa prática fecha um ciclo virtuoso: reduz emissões, gera energia limpa e cria uma nova fonte de receita para o produtor. Estima-se que, apenas com o aproveitamento dos dejetos da pecuária, seria possível substituir até 30% do consumo de diesel agrícola do Brasil.
Nesse mesmo caminho da economia circular, o aproveitamento de coprodutos da agroindústria ganhou relevância. O bagaço da cana, que antes era resíduo, virou insumo para geração elétrica. Cascas e polpas de frutas passaram a ser usadas em rações ou na indústria química. A palha do arroz alimenta caldeiras de geração térmica em algumas regiões. Cada vez mais, nada se perde: tudo se transforma em alimento, energia ou insumo para novos processos industriais.
Ao longo de sua história, a PLANT PROJECT antecipou muitas dessas tendências. Ainda em 2017, a revista destacou pioneiros da integração lavoura-pecuária-floresta no Centro-Oeste. Em 2019, mostrou como startups de rastreabilidade digital começavam a conectar o campo a mercados globais de nicho. Em 2020, publicou reportagens sobre o crescimento do biogás e do biometano e sobre os planos de grandes cooperativas do Sul para adotar metas de carbono neutro. O tempo confirmou: não eram apenas boas histórias, mas sinais de um movimento estrutural.
A virada verde do agro brasileiro é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade. Desafio porque exige investimentos contínuos, mudanças culturais e adaptação a marcos regulatórios cada vez mais rigorosos. Oportunidade porque coloca o Brasil na vanguarda de um novo paradigma: o de produzir em larga escala e, ao mesmo tempo, atender às demandas de sustentabilidade global. A edição número 50 da PLANT PROJECT registra esse momento singular: a transição definitiva de um agro que aprendeu a se reinventar para permanecer no centro da prosperidade nacional e, cada vez mais, na linha de frente da sustentabilidade mundial.





