A colheita digital 

Sensores, algoritmos e inteligência artificial transformaram o agro em um campo de decisões inteligentes, aumentando a produtividade, reduzindo custos e projetando o Brasil como potência agroambiental
Edição: 50
16 de setembro de 2025

Por Amauri Segalla 

Até pouco tempo atrás, a ideia de que o campo poderia se transformar em um ambiente de decisões inteligentes parecia algo distante, quase território da ficção científica. Na prática, predominava a lógica da intuição, da experiência acumulada e do olho treinado para interpretar sinais da natureza. Mas a chegada de sensores, drones, softwares de gestão e dados em tempo real mudou radicalmente esse cenário. Hoje, o campo brasileiro é um laboratório vivo da chamada agricultura digital, em que cada decisão de plantio, colheita ou manejo do rebanho pode ser apoiada em informações precisas. 

A PLANT PROJECT, desde sua primeira edição, registrou essa virada histórica. Quando surgiram as primeiras plataformas de monitoramento de lavouras, há uma década, a revista foi pioneira em mostrar como agricultores do Cerrado passavam a contar com mapas digitais para acompanhar a umidade do solo, prever pragas e calcular doses exatas de fertilizantes. O que era novidade para alguns poucos logo se tornou rotina em pequenas propriedades familiares e em gigantes do agronegócio.  

De lá para cá, o salto foi impressionante. Drones sobrevoam áreas de soja, cana e algodão, coletando imagens que são transformadas em relatórios detalhados em minutos. Máquinas agrícolas conectadas enviam dados em tempo real para centrais de controle. Plataformas digitais permitem que o produtor acompanhe cada talhão da fazenda pelo celular. Se a semente não germinou em determinada área, o alerta aparece na tela. Se uma praga ameaça se espalhar, o algoritmo sugere a aplicação localizada, evitando desperdícios. Na nova era, a lógica do “achismo” cedeu lugar ao manejo de precisão. 

Some-se a isso a chegada da inteligência artificial ao agronegócio e o que se tem é uma revolução sem precedentes. Se sensores e softwares já permitiam coletar e organizar informações, a IA deu um passo além – ela passou a interpretar dados de maneira autônoma, aprender padrões e sugerir ações. Hoje, não é exagero dizer que a inteligência artificial se tornou parte do cotidiano no campo. Plataformas de recomendação analisam variáveis climáticas e orientam o melhor momento de plantar, reduzindo riscos de perda por estiagens ou chuvas inesperadas. Algoritmos de visão computacional, embarcados em drones, identificam doenças em folhas ainda em estágio inicial, permitindo que o agricultor aja antes que o problema se espalhe. 

Agricultor usando laptop em estufa para verificar o funcionamento do braço robótico para controle dos cuidados com a fazenda. Foto: shutterstock

A PLANT PROJECT foi testemunha privilegiada dessa transformação. Ainda em 2018, a revista destacou o caso da Solinftec, empresa brasileira que se tornou referência global em automação e IA para o agro. Suas soluções permitem integrar tratores, colheitadeiras e pulverizadores em uma rede inteligente, que se comunica em tempo real para reduzir sobreposição de insumos e otimizar a operação de máquinas. Hoje, a empresa opera em milhões de hectares no Brasil, nos Estados Unidos e em outros países, levando a tecnologia desenvolvida no interior de São Paulo para o mundo. Outro exemplo vem da @Tech, startup que usa inteligência artificial para monitorar o ganho de peso do gado em tempo real. Câmeras instaladas nos currais captam imagens do rebanho e, por meio de algoritmos de aprendizado de máquina, calculam automaticamente o peso dos animais sem necessidade de balança. O resultado é ganho de eficiência, redução de estresse para o gado e decisões mais rápidas sobre o momento ideal de venda. 

A inteligência artificial não se limita ao espaço da fazenda. Na logística, algoritmos já ajudam a prever gargalos no transporte de grãos e carnes, simulando cenários e propondo rotas mais rápidas e baratas. Na comercialização, plataformas digitais apoiadas por IA analisam tendências de mercado, consumo e preços futuros, orientando produtores sobre o melhor momento de vender sua safra. No setor sucroenergético, por exemplo, usinas de cana-de-açúcar adotaram sistemas que monitoram desde a colheita até o processo industrial. Algoritmos calculam a rota mais eficiente para caminhões, evitando filas e desperdícios de cana cortada, e controlam variáveis de moagem em tempo real para aumentar o rendimento do etanol. A cadeia de suprimentos também mudou. Empresas de fertilizantes e defensivos criaram plataformas que, com base em inteligência artificial, recomendam produtos e doses ideais para cada talhão de lavoura. É um círculo virtuoso: o agricultor economiza, reduz impactos ambientais e aumenta a produtividade. 

Um aspecto marcante da revolução digital é que ela não se restringe aos gigantes do setor. Cada vez mais, pequenas propriedades familiares adotam soluções digitais. A disseminação de aplicativos de baixo custo permitiu que agricultores de poucas dezenas de hectares tenham acesso às mesmas ferramentas de monitoramento usadas por fazendas de milhares de hectares. A PLANT PROJECT mostrou isso em reportagens que revelaram como a disseminação da tecnologia fez com que cidades inteiras se transformassem em polos de inovação. Hoje, municípios do interior do País têm hubs digitais que conectam pequenos agricultores a investidores, universidades e multinacionais. Os números dão a medida do impacto. Segundo a Embrapa, propriedades que utilizam tecnologias digitais de monitoramento e análise chegaram a reduzir em até 20% o uso de defensivos agrícolas, sem perda de produtividade. Em alguns casos, a economia de fertilizantes alcançou 15%, com ganhos diretos para o bolso do produtor e para o meio ambiente.  

Casos concretos ajudam a traduzir esse impacto. A Agrosmart combina sensores de campo, imagens de satélite e IA para oferecer recomendações personalizadas de irrigação. Em propriedades de café, o uso da ferramenta reduziu em 50% o consumo de água, além de aumentar a produtividade. A ConnectFarm integra dados de máquinas, clima e mercado, gerando relatórios preditivos sobre custos e margens. Em fazendas de soja, a empresa ajudou produtores a definir o melhor momento de venda, aumentando a rentabilidade. A Embrapa, por sua vez, desenvolveu em parceria com universidades algoritmos que identificam estresse em bovinos, analisando imagens de câmeras instaladas nos currais. O sistema permite melhorar o bem-estar animal e reduzir perdas. 

Se a agricultura 4.0 representou a primeira revolução digital do campo, a integração plena da inteligência artificial promete uma segunda onda, ainda mais profunda. As próximas fronteiras incluem o uso de modelos virtuais que simulam a fazenda inteira e permitem testar cenários antes de aplicá-los na prática, além do avanço da robotização autônoma, em que tratores e colheitadeiras operam sem condutores, guiados por IA e GPS. Outro campo em rápida expansão é o da genômica orientada por IA. Startups já trabalham em plataformas capazes de cruzar dados genéticos de plantas com informações climáticas e de solo, acelerando o desenvolvimento de sementes resistentes a pragas, secas e doenças. Para o Brasil, a revolução da inteligência artificial no campo significa mais do que ganhos de produtividade. Representa a possibilidade de consolidar o País como potência agroambiental, capaz de produzir em larga escala e, ao mesmo tempo, reduzir impactos ambientais. 

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