Edição 26 - 18.08.21
Por Romualdo Venâncio
Qualquer análise sobre a evolução da agricultura brasileira – ainda que simples e rápida – confirmará o enorme e consistente salto de rendimento das últimas décadas. Pode parecer clichê, mas isso é resultado da combinação de vários fatores, como melhoramento genético, manejo de solo, cuidado nutricional e sanitário, inovações tecnológicas e capacitação das pessoas. Veja só esses dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) sobre a produtividade média da soja brasileira. Na safra 1990/91, a performance das lavouras foi de 1.580 quilos por hectare. Em dez anos, esse índice cresceu 74%, chegando a 2.751 kg/ha no período 2000/01. Daí para a frente, o avanço por década ficou mais modesto, sem deixar de ser importante, ali na casa dos 13%. A estimativa de desempenho para a safra atual é de 3.528 kg/ha. “Um sistema agropecuário, seja qual for, é um sistema biológico, e por isso autolimitante. Por mais relevantes que sejam as ciências agrárias, ele não consegue mais potencializar além de sua capacidade”, afirma Cleber Oliveira Soares, secretário adjunto da Secretaria de Inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “As ciências digitais é que farão essa curva voltar a crescer”, acrescenta ele.
Romper as barreiras que limitam o crescimento, mais que um desafio, é uma oportunidade e uma necessidade para o agronegócio brasileiro diante de um mundo que demanda alimentos em uma escala cada vez maior. Um plano nesse sentido foi elaborado na secretaria comandada por Soares. Na base dele está um termo novo que o secretário cultiva com esmero: agrobiodigital. O conceito, como a gênese do neologismo
indica, é a confluência de tecnologias que têm provocado revoluções localizadas no setor. Colocar o plano em prática significa coordená-las e investir nelas. A largada foi dada.
“Todo sistema agropecuário é um sistema biológico, e por isso autolimitante”
Da virada do século em diante, avalia Soares, mais de 80% dos incrementos de produtividade na agricultura brasileira estão relacionados à tecnologia, enquanto até os anos 1990 esse fator não passava de 25%. Naquela época, mais de 70% dos avanços de rendimento vinham mesmo da somatória de terra e trabalho. “Quando falamos de inovação, o Brasil avançou muito, saindo de importador líquido de quase tudo o que consome para se tornar exportador. Mas qual é a perspectiva de crescimento de produtividade na camada principal da agropecuária?”, questiona o secretário.
“Nem temos mais áreas para avançar. Um estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), de 2015, mostrou opções de áreas subsaarianas na África, mas levaria entre 50 e 60 anos para serem preparadas. Na América do Sul, também há alguns espaços, mas, como no continente africano, por questões geopolíticas e até sociais, é difícil de chegar”, explica Soares. Segundo ele, a saída é o crescimento vertical, com mais produção no mesmo lugar.
O termo agrobiodigital resume a perspectiva de inovação do governo federal para o agronegócio até 2025. “Fizemos um desenho na secretaria para identificar quais seriam os grandes direcionadores trazidos pela inovação e que vão mudar o agro”, diz Soares. Esse estudo levou à definição de uma nova agenda, chamada de B2, que é baseada em cinco eixos estratégicos: sustentabilidade, bioeconomia, inovação aberta, digital e foodtech.
Todos acabam se interligando, o que permite aproveitar o melhor do que já existia nas cadeias produtivas da agropecuária e tudo o que há de mais inovador para atender, no final das contas, às demandas atuais do consumidor final. “A sociedade como um todo está cada vez mais conectada, cobrando uma agenda mais baseada em sustentabilidade, algo que até se intensificou com a pandemia, pela preocupação com a higiene dos alimentos, sua origem e como foram produzidos.”
AGRO MAIS SUSTENTÁVEL
Cleber Soares é um dos autores de uma série de artigos publicados pela PLANT PROJECT no ano passado, dois meses após o início da pandemia da Covid-19, com o tema #OAGRONUNCAPARA. Ali ele já falava sobre a importância do agronegócio para mitigar diversos problemas mundiais e liderar uma transformação global a partir da conexão saúde-alimento-humanidade. Um dos pilares desse movimento é exatamente a sustentabilidade. Dentro do conceito do agrobiodigital, essa questão está fortemente ligada à redução da pegada de carbono nas cadeias produtivas, ou seja, à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), e à preservação ambiental.
Essa tendência já é realidade nas políticas públicas aqui no Brasil. Não por acaso, o Plano Safra 2021/22, lançado em 26 de junho, veio acompanhado do slogan“Cada vez mais verde”. Projetos voltados à consolidação de uma agropecuária mais sustentável terão maior relevância na obtenção de recursos, no montante de R$ 251,2 bilhões disponibilizados para crédito rural pelo governo federal por intermédio do Mapa. Destaque para o Inovagro, o Proirriga e o Plano ABC. Este último, inclusive, o Plano Nacional de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, tem atenção dobrada. Os recursos destinados a esta linha de crédito foram ampliados em 101%, passando a marca dos R$ 5 bilhões. Inovagro e Proirriga receberão R$ 2,6 bilhões e R$ 1,35 bilhão, respectivamente.
“Pesquisa mostra que 49% dos consumidores já consideram a sustentabilidade como fator decisivo na compra de alimentos e bebidas”
O Plano ABC entrou em uma nova fase, sendo chamado de Plano ABC+. Quando foi criado, em 2010, o projeto previa o alcance de 35,5 milhões de hectares com a aplicação de seis tecnologias que compõem seu escopo de atuação: floresta plantada, recuperação de pastagens, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio (FBN), manejo de dejetos e C. A proposta de mitigação de emissão de dióxido de carbono (CO2) equivalente era de 132 a 168 toneladas. O balanço da primeira década trouxe resultados animadores, com a abrangência de 52 milhões de hectares e a redução de cerca de 170 milhões de toneladas na emissão de CO2 equivalente. A expectativa para até 2030 é de que os resultados sejam ainda mais expressivos e em múltiplas direções.
“Evolução média da produtividade da soja brasileira parou na casa dos 13%, nas duas últimas décadas, e para ir além disso precisa de um crescimento vertical”
A cobrança dos consumidores finais mundo afora tem influência direta nessas e em muitas outras medidas que vêm sendo adotadas para que a agropecuária seja mais sustentável. E não apenas em relação aos alimentos, mas também a fibras, energia e outros itens. Pesquisa recente realizada pela Kerry, referência internacional no desenvolvimento de soluções em Taste & Nutrition, com 14 mil consumidores de 18 países, mostrou que 49% deles passaram a considerar a sustentabilidade como um dos fatores decisivos na compra de alimentos e bebidas em vários níveis.
“Uso eficiente da terra e bem-estar animal estão entre as prioridades para reduzir a pegada de carbono da cadeia produtiva de carne bovina”
Na América Latina, essa parcela é ainda maior. Dos quase 4,9 mil entrevistados em Argentina, Brasil, Colômbia, Guatemala e México, 75% disseram ser influenciados pela sustentabilidade ao comprarem alimentos e bebidas em lojas e 72%, em restaurantes. Isso envolve embalagens sustentáveis, preservação do meio ambiente e ajuda comunitária. “Esses consumidores com uma visão de sustentabilidade buscam ativamente produtos alimentares e bebidas que tenham um impacto significativamente positivo no planeta, bem como na saúde e bem-estar pessoal, procurando produtos com rótulos limpos e ingredientes de origem local”, diz Soumya Nair, diretora de Insights da Kerry. De maneira geral, esses novos hábitos de consumo são bem mais perceptíveis nas novas gerações.
ABAIXO AS PEGADAS DE CARBONO
As cadeias produtivas já vêm respondendo a essa demanda dos consumidores finais, que na verdade é um desafio da sociedade como um todo. A Global Roundtable for Sustainable Beef (GRSB), ou MesaRedonda Global da Carne Bovina Sustentável, anunciou no final de junho deste ano o compromisso de, até 2030, reduzir em 30% o impacto líquido de cada unidade produtiva no aquecimento global. Isso acontecerá pelo fomento de medidas como a mitigação de emissões de GEE, a melhoria no uso da terra e o aprimoramento das boas práticas de bem-estar animal. “O mundo depende da carne bovina e a indústria depende de um mundo saudável para produzi-la. Por isso existe uma demanda crescente na indústria para proteger e conservar os recursos naturais do planeta”, afirma Ruaraidh Petre, diretor executivo do GRSB. A entidade atua em 24 países e conta com mais de 500 membros, que são responsáveis por mais de dois terços do comércio internacional de carne bovina. No Brasil, a instituição é representada pelo Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), presidido pelo pecuarista Caio Penido (Agropecuária Água Viva, de Cocalinho-MT)
Empresas nacionais e globais, donas de grandes marcas dos mais variados segmentos, têm ingressado ou apertado o passo na corrida pela redução da pegada de carbono. Ainda no segmento de proteína animal, a JBS, segunda maior companhia mundial de alimentos, acaba de fechar uma parceria com o Instituto de Zootecnia (IZ) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo para o desenvolvimento de estudos referentes à mitigação dos GEE na bovinocultura, sobretudo o metano. O objetivo é proporcionar nutrientes mais eficientes para a dieta do gado (corte e leite) por meio de novos aditivos alimentares. Essa pesquisa será realizada a partir do recém-inaugurado Laboratório de Fermentação Ruminal e Nutrição de Bovinos de Corte do IZ.
A divisão agrícola da Bayer Brasil apostou na logística, envolvendo diferentes modais, para começar um processo de descarbonização. Parte dessa iniciativa já acontece, desde abril, pelo transporte ferroviário, no trecho que vai da cidade de Sumaré, em São Paulo, até Rondonópolis, em Mato Grosso. A empresa também está substituindo caminhões movidos a diesel por elétricos, e a primeira entrega por meio de um veículo que não emite CO2 aconteceu em junho, na região de Piracicaba (SP). A medida faz parte de uma meta maior, que é se tornar uma companhia carbono neutro até 2030. “Trata-se de uma iniciativa pioneira. Estamos dando, em colaboração com nossos fornecedores e parceiros, o primeiro passo do que será uma longa jornada de inovação ecológica no agronegócio brasileiro”, diz Schirley Wirtti, líder de Cadeia de Fornecimento da Bayer Brasil.
Sustentabilidade é algo que se constrói – e se mantém – de maneira coletiva, e isso tem motivado o surgimento cada vez maior de parcerias no agronegócio em busca de soluções que, como não poderia deixar de ser, são amparadas pela ciência. A Klabin se juntou à Embrapa no sentido de buscar e validar diretrizes de um sistema silvipastoril, baseado em ILPF, que possibilite o aproveitamento integral de floresta plantada para a produção de celulose e papel na mesma área em que se cria bovinos de corte. Dessa forma, os pecuaristas teriam condições de acessar o mercado de carne baixo carbono.
Um diferencial desse projeto é que a mitigação dos GEE dos bovinos a partir do sequestro de carbono das árvores envolve também as raízes das plantas. “Informações como o potencial de armazenamento e por quanto tempo o carbono fica armazenado ainda não são conhecidas no caso de sistemas silvipastoris voltados à produção de celulose e papel, que têm modelagens diferentes das usadas nos plantios voltados à produção de madeira para serraria”, diz Vanderley Porfírio da Silva, pesquisador da Embrapa Florestas e coordenador desse projeto.
Para se ter ideia de como o tema sustentabilidade permeia os ares dos mais diferentes segmentos, a L’Oréal acaba de lançar sua primeira fragrância com o compromisso de neutralidade de carbono. O perfume feminino My Way, da marca Georgio Armani, apresenta um sistema inovador de recarga, que pode ser feita de forma automática, simples, limpa e sem desperdício. Basta acoplar o refil de 150 ml ao frasco de 50 ml do perfume. De acordo com a empresa, esse novo conjunto, que corresponde a quatro frascos de 50 ml, possibilita a redução do uso de papelão em 32%, de vidro em 55%, de plástico em 64% e de metal em 75%. A L’Oréal pretende alcançar a neutralidade de carbono até 2025 com a utilização total de energia renovável. No caso da My Way, a marca ainda estimula o desenvolvimento dos produtores de baunilha, principal ingrediente da fragrância, em Madagascar, por meio de uma parceria com a Fanamby, uma ONG local, para incentivar a integração com outras culturas, como arroz e café, o que proporciona aumento de renda aos agricultores.
É HORA DA BIOECONOMIA
A descoberta da fixação biológica de nitrogênio (FBN) pela pesquisadora Johanna Döbereiner, a partir de estudos iniciados nos anos 1960, mudou a história da agricultura no Brasil e no mundo. Hoje, calcula-se que essa tecnologia gere uma economia anual de US$ 13 bilhões na cultura da soja, devido à substituição do uso de fertilizantes nitrogenados. Sem contar que ainda facilita o sequestro de carbono. “Na época, a dra. Johanna foi duramente criticada”, diz o secretário Cleber Soares, que continua: “e na última safra tivemos 43 milhões de hectares manejados com fixador biológico de nitrogênio”. Para Soares, embora exista uma infinidade de produtos biológicos para controle de diversos problemas na agricultura, não há perspectivas de algo tão disruptivo tal qual a FBN. “É como se fossem atualizações”, comenta.
Uma explicação para essa situação, segundo Soares, seria o alto custo de pesquisas nesse sentido, e geralmente os investimentos vêm de empresas de ciência fina, “sobretudo de químicas”, diz ele. O lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos, em maio do ano passado, pode ser um impulso para que essa perspectiva, fomentando o mercado e mais inovações. Em 2020, o Brasil registrou 96 novos produtos biológicos para a agricultura. Todo o Catálogo Nacional de Bioinsumos está disponível para consulta por meio do aplicativo Bionsumos, desenvolvido em parceria com a Embrapa Informática Agropecuária e disponível para os sistemas iOS e Android. Para facilitar a pesquisa, os produtos estão divididos em duas categorias: Controle de Pragas e Inoculantes. “Todas as grandes companhias do agro entraram forte na agenda de bioinsumos. E já existem 150 startups voltadas para este segmento”, comenta Soares
O secretário destaca que o Mapa deve multiplicar as ações de estímulo à bioeconomia. “A ministra Tereza Cristina vai anunciar a política nacional de recursos genéticos para agricultura e alimentação”, acrescenta, chamando a atenção para o vasto potencial que está por ser explorado. “Um exemplo é o nosso guaraná, uma planta, um ativo biológico típico do Brasil que foi se desenvolvendo e exportamos a bebida e o produto. Assim como o açaí, que só não comemos mais porque não damos conta de produzir.”
A discussão sobre bioeconomia no Brasil passa, obrigatoriamente, por sua matriz energética, que tem, por exemplo, uma fatia de 18% ocupada pela cana-de-açúcar. Até mesmo a gasolina utilizada no País tem 27% de etanol, assim como o diesel conta com 10% de biodiesel. Os dados estão no Atlas do Agronegócio Brasileiro, publicado pela CropLife Brasil. Esse potencial do setor de biocombustíveis ajudou o Grupo Volkswagen a implementar um novo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil, com o objetivo de gerar soluções tecnológicas baseadas em etanol e outros combustíveis biológicos para mercados emergentes. “Poder liderar, desenvolver e exportar soluções tecnológicas a partir do uso da energia limpa dos biocombustíveis se caracteriza como uma estratégia complementar às motorizações elétricas híbrida e à combustão para mercados emergentes é um reconhecimento enorme à operação na América Latina”, diz Pablo Di Si, presidente e CEO da Volkswagen América Latina.
Também há inovações surgindo além do circuito das grandes empresas, e até conquistando prestígio internacional. É o caso do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da dupla Gislaine Lau e Felipe de Carvalho Ishiy, egressos do curso de design de produto, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles criaram um biofilme bacteriano a partir da kombucha, bebida à base de chá, açúcar e resíduos orgânicos. Esse material ecológico e biodegradável, que pode ser uma alternativa ao couro, apresentado na composição de uma poltrona, foi premiado com o iF Design Talent Award 2021, considerado o “Oscar do Design”. O projeto de Gislaine e Felipe foi o único da América Latina consagrado nesta edição do prêmio, que recebeu 5,3 mil inscrições.
INOVAÇÃO ABERTA
Essa expressão é praticamente autoexplicativa, mas pode ser mais amplo do que parece. A inovação aberta é um processo também colaborativo, em que diferentes organizações trabalham juntas em busca de soluções para melhorar produtos, serviços, procedimentos e até agregar valor a tudo isso. Este é o ambiente em que as agtechs, as startups do agro, têm ganhado muito espaço. De acordo com o Radar Agtech Brasil 2020/2021, mapeamento feito pela parceria entre Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens Research and Consulting, com apoio do Mapa, já são 1.574 startups com atuação específica no agro. Este número representa um avanço de 40% em relação ao levantamento de 2019.
Um dos motivos dessa expansão é o fato de que as agtechs apresentam características complementares às das grandes empresas. De um lado, muita gente nova e cheia de vontade de fazer a diferença, olhares inéditos sobre problemas tradicionais, mais agilidade na tomada de decisões e, possivelmente, riscos moderados. De outro, companhias que reúnem muita informação e conhecimento, necessitam apresentar soluções inovadoras a cada nova safra e dispõem de recursos exponencialmente superiores para investir. É por isso que gigantes como a Basf desenvolvem suas próprias plataformas de inovação aberta. No caso, o Agrostart, criado em 2016 e que, na busca por soluções agrodigitais, já acelerou mais de 500 startups na América Latina.
Das startups mapeadas pelo Radar Agtech, 200 estão relacionadas a atividades antes da fazenda, 657 dizem respeito ao que acontece dentro das propriedades e 717 são voltadas para o depois da fazenda. Outro dado relevante do estudo é a identificação de 78 instituições que apoiaram a incubação, a aceleração e os investimentos nessas empresas. Quanto mais e melhores informações a respeito desse universo das agtechs, maior será a visibilidade desse empreendedorismo de inovação e mais condições os governos terão de desenvolver políticas públicas específicas. “O Mapa estimula 20 hubs de agtechs”, afirma Cleber Soares. O crescimento da inovação aberta, em especial durante a pandemia, é um impulso para a transformação digital no campo.
CIÊNCIAS DIGITAIS
É aqui que Cleber Soares acredita estar o maior potencial de disrupção para o agronegócio, pois as ciências digitais – que envolvem agricultura e pecuária de precisão, conectividade, plataformas, softwares – impactam em todas as atividades do setor. E podem transformar as fazendas. “Muitas vezes o produtor pega uma folha de papel para anotar se a vaca pariu, se arrumou a cerca e no outro dia usa o mesmo papel. Ou seja, não acontece nada. Nas grandes propriedades, se não tiver uma ferramenta que faça isso corretamente, acontece a mesma coisa”, afirma o secretário. “Essa tecnologia pode ajudar produtores de todos os tamanhos. Há um horizonte de oportunidades para o digital entrar em um número muito maior de fazendas.”
E por falar em números, o agro do trilhão pode ser ainda mais valorizado na onda do digital. O Valor Bruto da Produção (VBP), que pela primeira vez na história atingiu R$ 1,057 trilhão, como mostramos na edição anterior da PLANT PROJECT, pode chegar próximo de R$ 1,160 trilhão com a ampliação do alcance da internet e da telefonia no campo. É o que mostra o estudo Cenários e Perspectivas da Conectividade para o Agro, elaborado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e apresentado pelo Mapa.
Soares comenta que há muito o que iluminar no território agrícola nacional em termos de conectividade, pois não mais que 25% desse espaço tem sinal de boa qualidade para a automação. A partir desse estudo, o Mapa projetou dois cenários de ampliação da internet no campo a partir de estações radiobase. O mais modesto prevê a utilização de 4,4 mil pontos nas áreas rurais, o que ampliaria em 23% a faixa de cobertura. Na segunda projeção, com a instalação de quase 15,2 mil torres, seria possível atender a 90% da demanda por conectividade no setor. Vale ressaltar que o estudo da Esalq trata de um horizonte que vai até 2026.
“HÁ UM HORIZONTE DE OPORTUNIDADE PARA O DIGITAL ENTRAR EM UM NÚMERO MUITO MAIOR DE FAZENDAS”/Cleber Soares, secretário adjunto de Inovação do MAPA
Quem já investe na transformação digital da fazenda e quer aproveitar todos os benefícios da tecnologia – automação, armazenamento em nuvem, Big Data, Internet das Coisas (IoT) – está só aguardando o sinal verde para ingressar na era do 5G. E essa espera pode demorar mais do que se imaginava, pois o leilão da tecnologia de quinta geração tinha previsão de acontecer em julho deste ano, depois ficou para o segundo semestre, sem uma data específica, e até o momento não se tem uma definição exata. Enquanto isso não acontece, o mercado vai aquecendo os motores, ou as antenas, com aperitivos das facilidades que podem vir por aí.
É o que aconteceu em junho, na cidade de Sorocaba (SP), na apresentação do 5G Smart Campus Facens, considerado o maior campus universitário conectado com essa tecnologia. A inauguração dessa unidade do Centro Universitário Facens foi uma ação coletiva entre as empresas de telecomunicação Ericsson, Embratel e Claro (como hub de inovação beOn Claro), com o apoio da Qualcomm Technologies, Motorola e John Deere. A parte do evento com relação mais direta ao agro foi a demonstração de um pulverizador de grande porte conectado por 5G. Participaram da solenidade o presidente da República, Jair Bolsonaro; o ministro das Comunicações, Fábio Faria; o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes; e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina
TECNOLOGIA DA COMIDA
O foodtech é um dos segmentos em que tanto as preferências quanto as necessidades dos consumidores aparecem de maneira mais explícita. No mundo todo cresce o número de pessoas em busca de alimentos com características específicas, seja por escolha própria, seja por alguma indicação médica. E acima de tudo isso está o abastecimento da população que simplesmente não tem acesso à comida. Segundo dados apresentados pela FAO, o quadro global de pessoas em estado de subnutrição aumentou de 8,4% em 2019 para quase 10% em 2020, isso depois de cinco anos sem alteração nesse índice. Em outras palavras, ou em outros números, entre 720 e 811 milhões de habitantes no mundo enfrentaram a fome no ano passado.
É aí que entram a ciência e a inovação tecnológica, como plataforma para potencializar o que já é produzido nos campos e em laboratórios. Para Cleber Soares, o setor de foodtech também tem grande importância para a captação e a agregação de valores nas cadeias agroalimentares. “O Brasil é uma grande liderança em vários segmentos, mas ainda importa material processado de vários países que compram a nossa matéria-prima”, diz o secretário. Segundo ele, é preciso fortalecer e desenvolver uma plataforma de vários produtos a partir de processo como plant based, proteínas compostas exclusivamente com plantas, e pink farms, a tecnologia das fazendas urbanas.
“Segundo a FAO, mais de 800 milhões de pessoas podem ter enfrentado a fome no ano passado”
Dois projetos da Embrapa voltados ao desenvolvimento de ingredientes à base de vegetais foram aprovados no Programa de Incentivo à Pesquisa, do The Good Food Institute (GFI), e vão receber investimento de US$ 4 milhões, recursos que são provenientes de doações filantrópicas. Uma das pesquisas, parceria entre a Embrapa Agroindústria de Alimentos e a Embrapa Arroz e Feijão, é voltada à classe dos pulses (categoria de grãos ricos em proteína), mais especificamente o feijão-carioca.
Crescimento do setor de food tech também impacta na economia, com geração de empregos e redução de custos dos alimentos para públicos específicos
A partir do grão pretende-se otimizar a produção de concentrado e isolado proteico, com o intuito de acelerar a escala de produção de alimentos à base de vegetais. “A ideia é viabilizar a adoção desses ativos por empresas brasileiras, aumentando a oferta de ingredientes proteicos vegetais, primeiramente no Brasil e, depois, no mercado internacional”, afirma Caroline Mellinger Silva, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
O segundo projeto até amplia as janelas de inovação, pois envolve a criação de um alimento vegetal, com características sensoriais semelhantes às da proteína animal, a partir de resíduos do caju. A pesquisa é da Embrapa Agroindústria Tropical, que tem a missão de desenvolver uma tecnologia economicamente viável para transformar a ideia em realidade. Ana Paula Dionísio, pesquisadora da unidade, comenta ser uma demanda crescente do mercado o aumento de escala da fibra do pedúnculo da fruta. “Adaptar processos que permitam a obtenção de uma fibra de elevada qualidade em maior escala será um dos nossos grandes desafios para os próximos anos”, afirma.
Para a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), mais do que tornar mais ampla e diversa a oferta de alimentos para públicos específicos, o crescimento do setor de foodtech também contribui com a economia, inclusive gerando novos empregos e reduzindo o custo desses produtos. “O Brasil é o maior produtor de proteína animal do mundo e para manter essa posição é necessário se adequar a novas tecnologias. É preciso mudar a ideia de como o País é visto internacionalmente. Inseridos nesse novo contexto, em tempo real, passaremos de celeiro para supermercado mundial”, diz Thiago Falda, presidente da ABBI.
Toda inovação vem acompanhada de muitos debates sobre definições de suas aplicações, seus benefícios e seus impactos, entre outras questões. No caso dos produtos plant based, há ainda discussões sobre os termos utilizados para definir esses alimentos. Por exemplo, por que chamar de “carne” uma proteína que é composta apenas de matéria-prima vegetal? A pergunta também se aplica ao “leite” feito de castanhas. Na tentativa de ampliar e equilibrar essa conversa, o Mapa fez um convite, por meio da Portaria 327/2021, a órgãos, entidades e pessoas interessadas em contribuir para enriquecer o diálogo sobre a regulação dos produtos processados de origem vegetal análogos a produtos de origem animal. “Temos que olhar o principal consumidor, que é o cidadão, a sociedade. Não importa onde estamos, todos os dias desenvolvemos atividades agropecuárias”, comenta Cleber Soares. “Há uma evolução para a lógica da riqueza coletiva. O mundo está olhando para esse conceito, e nossa maior integração com tudo isso vai aproximar o agro da sociedade, que vai perceber melhor os valores e o transbordamento do setor.”
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