O inesperado gigante do leite

Recém-formado em Agronomia, Eduardo Sekita planejava ganhar experiência fora da empresa da famíli


Edição 12 - 07.05.19

Recém-formado em Agronomia, Eduardo Sekita planejava ganhar experiência fora da empresa da família. A investida do Grupo em um rebanho de vacas Holandesas não tinha o leite como prioridade. Nos dois casos, a segunda escolha deu muito certo

Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogério Albuquerque

Patrocínio: Corteva Agriscience

A Sekita Agronegócios, localizada em São Gotardo (MG), é a quarta maior produtora de leite do Brasil, de acordo com levantamento Top 100 Milkpoint. Os dados apurados pelo portal especializado em pecuária leiteira mostram que, em 2017, a produção total da empresa foi de quase 20 milhões de litros, com média diária superior a 54 mil litros. Este ano, o volume médio chega a 65 mil litros de leite por dia com um rebanho de aproximadamente 1,5 mil vacas da raça Holandesa em produção. O rebanho total é de 4 mil animais, somando bezerras, novilhas e vacas secas. Para um projeto iniciado há apenas dez anos, em uma fazenda onde não havia um animal de leite sequer nem profissionais especializados na atividade, os dados são consideráveis. Mais ainda pelo fato de que o leite não era a prioridade.

 

“Quando pensamos no projeto de pecuária leiteira, o grande objetivo era aproveitar os dejetos”, diz Eduardo Sekita, diretor-geral da empresa, explicando que foi uma decisão com viés de reduzir as despesas da produção agrícola. “Devido à grande alta de preços dos fertilizantes químicos ocorrida entre 2007 e 2008, tivemos de buscar saídas para melhorar a condição do solo com menor custo. Daí veio a ideia de utilizar matéria orgânica”, acrescenta. Entre as alternativas avaliadas, um rebanho leiteiro foi a fonte considerada a mais interessante.

Quem não está no dia a dia da fazenda deve prestar atenção para perceber esse processo acontecendo. A rotina das pás que recolhem automaticamente os dejetos das vacas, indo e vindo nos galpões free stall, é lenta e até silenciosa, mesmo com o barulho dos motores que as puxam por um cabo de aço. O material orgânico é todo despejado em uma valeta, de onde segue para um sistema que separa líquidos e sólidos. “A parte líquida vai para um biodigestor, onde é gerado o gás que abastece nossa fábrica de ração e outras estruturas. O resíduo que sobra desse processo é aplicado nas lavouras, pois contém grande quantidade de nutrientes. A porção sólida é direcionada a um pátio de compostagem e depois também é aplicada nas plantações”, explica Eduardo.

Essa integração é ainda mais ampla, pois parte do que é produzido nas divisões agrícolas e que não tem valor comercial vira alimento para as vacas. Além de gerar ganhos ambientais e financeiros, esse ciclo ainda cria novas perspectivas. “É possível aprimorarmos a produção de energia e, provavelmente, teremos um projeto para jogar o excedente do biogás na rede e gerar créditos.”

ENTRE CARREIRA E FAMÍLIA, OS DOIS

A maneira com a qual Eduardo enxerga as possíveis oportunidades dentro do negócio é uma das razões pelas quais chegou ao cargo de diretor-geral. Aliás, foi olhando para as perspectivas de crescimento e conquistas que entrou para a Sekita, empresa que tem a cenoura como principal negócio – são 150 mil caixas por mês – e também produz alho, beterraba, repolho, batata e milho, este voltado à alimentação do gado. A pecuária de leite já é a segunda atividade mais importante da empresa em termos de faturamento e volume de produção.

A família Sekita chegou a São Gotardo, vinda do Paraná, na década de 1970, no período de abertura do Cerrado. A princípio, trabalharam com milho, soja e um pouco de café. Em meados dos anos 1980 passaram a investir em hortícolas, principalmente cenoura, que se tornou o carro-chefe da empresa. “Chegou um momento em que meu pai também decidiu investir com meus tios. Deixou o emprego no Banco do Brasil, pegou suas economias e veio para a região”, conta.

Nascido em Cornélio Procópio, Eduardo se mudou para Andirá aos 3 anos de idade. As duas cidades ficam no norte do Paraná, bem próximo da divisa com São Paulo, linha que cruzaria na adolescência. Fez o ensino médio em Ribeirão Preto e cursou Agronomia em Jaboticabal, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, a Unesp. No começo dos anos 2000, recém-formado, Eduardo saiu em busca do início de sua carreira profissional, mas não no grupo da família. “Imaginei que deveria ter uma experiência profissional fora e busquei no mercado”, conta o agrônomo, que naquele mesmo período recebeu a proposta que definiria sua trajetória. “Coincidentemente, quando fui chamado por uma das companhias que estavam me avaliando, surgiu na Sekita a necessidade de um agrônomo para ser responsável por uma nova cultura, o alho, que estava recém-plantada”, recorda.

Entre os fatores que pesaram para que Eduardo se estabelecesse em São Gotardo, estavam a proximidade com a família e a oportunidade de, fazendo parte do Grupo, ter o próprio negócio. Já o estímulo para seguir a carreira solo fora da Sekita era uma combinação da vontade de ampliar os conhecimentos, a possibilidade de ter contato com outros profissionais e outras atividades, o que acabou acontecendo mesmo ficando com a segunda opção.

EVOLUÇÃO EQUILIBRADA

A Sekita Agronegócios é uma empresa multifamiliar que começou pela junção de diversos negócios individuais. Os sócios eram produtores com fazendas e explorações independentes, cada um com suas lavouras de soja, milho e cenoura. O ponto comum era basicamente o packing house, a lavadora de cenoura que prestava serviço a todos e que começou com Makoto Sekita, tio de Eduardo. “Ele é um dos grandes mentores do Grupo, e foi graças à sensibilidade dele e a sua capacidade de agregar as pessoas, aparando as arestas, que o negócio se consolidou”, descreve Eduardo, já deixando indícios de como ele mesmo evoluiu na empresa.

O maior desafio naquele início da Sekita foi sincronizar produção, estoques e comercialização. Como cada sócio plantava de acordo com as próprias definições, ou seja, quando achasse mais conveniente, era comum haver períodos com excesso de produtos e outros com escassez. Conforme se estabelecia uma programação da produção, veio a necessidade de agregar patrimônio, com investimentos em maquinário próprio.

Naturalmente, essas mudanças exigiram a profissionalização da gestão como um todo, tanto que em 2009 os 40 sócios decidiram criar um contrato social, para formalizar os cargos da empresa, e a composição dos conselhos administrativo e fiscal. Também formaram uma diretoria executiva, que hoje tem as seguintes subdivisões: Agrícola, Pecuária, Comercial, Administrativa, Gestão de Pessoas e, mais recentemente, Beneficiamento. “Esta última tem como foco as formas de fazer embalagem, preparar o produto, enfim, toda a questão de apresentação para o mercado”, explica Eduardo.

Conforme essas transformações aconteciam, sua atuação na empresa ganhava novas dimensões. “Primeiro, recebi mais responsabilidades e passei a cuidar também dos cereais”, conta Eduardo. Em 2004, um novo projeto de produção de soja o levou para Roraima, onde ficou por um período de três anos. Ao retornar, assumiu a diretoria agrícola, até que, em 2015, foi promovido a diretor executivo. Eduardo acredita que a conquista dessa posição está relacionada, principalmente, a dois de seus diferenciais como gestor: “O conhecimento técnico e a forma como lido com as pessoas”. Uma breve conversa com o agrônomo é suficiente para entender o segundo.

Eduardo tem voz serena e uma tranquilidade bastante peculiar para explicar os detalhes sobre as atividades da Sekita Agronegócios. A preocupação com o entendimento do que transmite a seus interlocutores é a mesma em relação às informações que recebe. Não disputa espaço na conversa. “Acredito ter puxado isso do meu pai, pois ele tem uma sabedoria muito grande para lidar com as pessoas. Ele é adepto daquele velho ditado de que se temos dois ouvidos e apenas uma boca é porque temos de ouvir mais do que falar”, comenta. Essa postura traz resultados altamente positivos no exercício da liderança. “Saber pontuar, fazer cobranças no momento certo e da forma correta, isso garante que tenhamos o respeito das pessoas. É essencial ter assertividade, e não intempestividade.”

MAIS VALOR EM CADA PASSO

Eduardo respondia apenas pela divisão agrícola quando começou o projeto de pecuária da Sekita – embora tivesse direito a dar sua opinião como acionista –, mas a formação dessa estrutura já trazia muito da maneira como o agrônomo enxerga o negócio. Por não terem profundo conhecimento em produção de leite, buscaram especialistas para cada área da atividade, como conforto animal, nutrição, sanidade, coleta do leite e melhoramento genético, um dos setores mais importantes para acelerar o avanço na atividade. Colocaram as pessoas certas nas posições corretas.

“Além da equipe altamente capacitada, outra vantagem importante é que somos especializados em produção de alimento para o gado” O comentário de Eduardo é uma das razões pelas quais era imprescindível investir em genética, afinal de contas, precisavam de um rebanho capaz de aproveitar ao máximo o potencial dessa dieta de qualidade.

Quem cuida dessa área é o consultor de pecuária Leonardo Lopes Garcia que, segundo Eduardo, é um entusiasta na questão da genética. “Ele tem um vasto conhecimento na atividade leiteira, tanto da produção em si quanto de seleção”, confirma. A cuidadosa escolha dos acasalamentos, somada, claro, ao manejo nutricional e sanitário, trouxe ganhos importantes para a empresa, e que continuam evoluindo. Na maior parte dos rebanhos, os pecuaristas trabalham com uma margem entre 20% e 30% a mais de animais para suprir a necessidade de reposição. Na Sekita, esse índice foi ampliado para 50%.

Uma coisa puxou a outra. Com a apurada seleção, em grande volume, logo o rebanho foi ampliado com animais de elevado padrão genético. A Sekita passou, então, a participar de exposições, o que resultou em premiações e valorização do plantel. No ano passado, a empresa realizou seu primeiro leilão, e já tem um segundo, virtual, para este final de 2018. Outro ganho expressivo veio com a qualidade do leite, que apresenta índices elevados na composição de sólidos – gordura e proteína – e reduzidos na contagem de células somáticas (CCS) e de bactérias totais (CBT), comprovações de um alimento saudável.

A garantia do fornecimento regular, em grande volume, de um produto com essas características tem fortalecido a relação comercial com a Itambé, que compra todo o leite produzido pela Sekita. A satisfação da indústria com esse abastecimento e a matéria-prima em si deu origem, inclusive, a uma linha produzida exclusivamente com o leite da Sekita. A marca Natural Milk, lançada em outubro do ano passado, é diferenciada por sabor, frescor e cremosidade, características que resultam do padrão de produção da fazenda, do fato de não haver retirada de gordura e da agilidade do processo, pois leva apenas 24 horas entre a ordenha e o envase. Embora orgulhoso com a parceria – o nome da fazenda vem estampado na embalagem –, Eduardo evita falar a respeito, pois entende que a própria Itambé é a melhor fonte sobre o projeto. Generosidade parece ser outra característica marcante do executivo.

Todo esse progresso abre espaço para se pensar em passos mais largos, ainda que sejam apenas intenções. Uma delas, segundo Eduardo, é aumentar a produção leiteira, inclusive com uma nova unidade. Um limitador para que isso aconteça, por enquanto, é a disponibilidade de mais profissionais tão capacitados quanto os que já formam a atual equipe. “Para pensar em um novo projeto, tenho de considerar uma equipe dessa forma. Isso é o que mais preocupa, não só na pecuária, mas na empresa como um todo, trabalhar a capacitação das pessoas. O foco principal nem é tanto a expansão do negócio, mas o aprimoramento do que já temos”, diz. Com essas questões bem resolvidas, Eduardo até considera a possiblidade de a empresa investir em seu próprio laticínio. “Mas só depois de termos o volume que dê condições para isso”, reforça.

A busca por agregação de valor aos produtos e à atividade como um todo deu origem a novas parcerias, entre as quais está outro Top Farmer da série “Nova Geração”. “O Edson Trebeschi é um grande parceiro. Criamos uma associação, formada por nove produtores, cada um com uma especialidade e localizado em uma região do País”, conta Eduardo. “O Trebeschi tem o tomate, o milho doce e o pimentão; a Sekita tem cenoura, alho, beterraba e repolho; e também contamos com fornecedores de banana, uva e manga.”

Eduardo aposta alto nas oportunidades desse grupo, sobretudo pela falta de uma valorização efetiva em relação à questão da saudabilidade dos alimentos, algo que os consumidores vão cobrar cada vez mais. “Queremos oferecer soluções, como controle de estoque, apresentação de produtos mais saudáveis, ter uma agregação de serviços sobre esses itens que a princípio são commodity. Já estamos pensando em trabalhar a logística de forma conjunta e ter pontos de venda comuns. E até na possibilidade de agregarmos outros integrantes, ampliando o portfólio para o consumidor”, detalha o agrônomo.

Falar sobre a relação de sua empresa com o varejo, ou melhor, da produção agropecuária com o consumidor final, provoca um brilho diferente no olhar de Eduardo. “Precisamos trabalhar cada vez mais com o intuito de elevar a régua da qualidade, pois assim haverá uma evolução no agronegócio como um todo, não apenas em nossas empresas”, esclarece.

UMA VIDA HARMONIOSA

Por mais desafiadoras que sejam suas missões à frente da Sekita Agronegócios, o que exige comprometimento máximo, Eduardo, que é pai de três crianças, procura manter essa jornada em harmonia com sua vida pessoal. Como ele mesmo diz, não é algo muito simples. “É o grande desafio da vida, equilibrar família, religião, saúde e os negócios. Se qualquer um desses pilares não estiver bem, em algum momento, mais cedo ou mais tarde, vai gerar problema”, avalia. O convívio e as viagens em família ajudam a manter esse equilíbrio. A proximidade das reuniões com os amigos também contribui. Para cuidar da forma física e da disposição, Eduardo joga tênis e procura correr sempre que pode. Com uma agenda sempre concorrida, esses são hobbies. Ele até já pensou em outras possibilidades. “Tempos atrás pensei em comprar uma moto, para rodar pela estrada com os amigos. Até comecei a tirar a habilitação. Mas acabei desistindo, pois se já é difícil viajar com a família, o que dirá sem ela.” Outra virtude de Eduardo: sensatez.

 

Eduardo Sekita de Oliveira

42 anos, casado, três filhos

Cargo: diretor executivo da Sekita Agronegócios

Faturamento: não informado

Rebanho: 4 mil animais, dos quais 1,5 mil vacas em ordenha

Produção: 65 mil litros por dia – média diária acima de 40 litros por vaca

Hobbies: curtir a família e os amigos, jogar tênis

Outros negócios: a Sekita Agronegócios produz cenoura (carro-chefe), alho, beterraba, repolho, batata e milho (para alimentação do gado)

TAGS: Eduardo Sekita, Pecuária Leiteira, Sekita Agronegócios, Top Farmers