Plant Talks Entrevista Roberto Hun

Por Luiz Fernando Sá Aos 50 anos, o executivo Roberto Hun encara o maior desafio de sua carreira: r


Edição 10 - 20.08.18

Roberto Hun

Por Luiz Fernando Sá

Aos 50 anos, o executivo Roberto Hun encara o maior desafio de sua carreira: reunir as equipes de duas ex-concorrentes em um único time, criando uma nova cultura sob uma nova marca, que já nasce gigante. Depois de mais de 20 anos de profissão, passando por várias divisões da companhia americana DuPont, Hun assumiu a presidência para o Brasil e o Paraguai da Corteva Agriscience, potência do agronegócio resultante da fusão da divisão agrícola da empresa com a Dow Agrosciences. Terá sob sua responsabilidade a maior operação da marca fora dos Estados Unidos. Nessa entrevista para a série PLANT TALKS, ele fala sobre essa missão e como pretende cumpri-la. Confira os principais trechos:

Quando foi que o agronegócio entrou na sua vida?

É uma história interessante. Foi só em 2014 que eu fui fazer parte da DuPont Pioneer, que é responsável pelo negócio de sementes da DuPont, onde tive a responsabilidade para todo o negócio na América Latina.

Antes você estava em outras divisões da DuPont?

Havia passado por várias áreas corporativas, várias áreas de negócio, indústria automotiva, eletroeletrônica, embalagens, cadeia de suprimentos, finanças. Várias responsabilidades

distintas, mas sempre havia aquele interesse de fazer parte do negócio agrícola.

Por que esse desejo? O que você enxergava no agronegócio?

Enxergava muita oportunidade porque, sendo brasileiro, apesar da cara de chinês, via que o Brasil é uma potência na área agrícola, com muitos investimentos, pesquisa… Representava uma oportunidade de aprendizado, de desenvolvimento, de carreira. Fui bem paciente, mas em determinado momento tive essa oportunidade

Como executivo, quem foram seus grandes mentores? Quais foram suas inspirações ao longo da carreira?

Um grande mentor, que me ajudou muito, foi meu pai. Hoje ele já é falecido, mas ele sempre me dava um conselho muito importante: “Não pense na posição específica ou no salário. Busque sempre uma oportunidade em que você possa estar aprendendo, com que você se identifique, que você vai se realizar como consequência”. Ele sempre foi uma inspiração para mim. Por isso estive sempre mudando de posição, para estar sempre aprendendo coisas novas, novos desafios.

Qual é o estilo Roberto Hun de liderar?

Eu diria – e talvez fosse melhor perguntar para o meu próprio time do que pra mim mesmo – que sou uma pessoa bastante inclusiva e que envolve os times no processo de decisão. Até pela característica da minha formação, por ser algo mais generalista, preciso muito do apoio, conhecimento dos produtos. Então é fundamental o apoio desse time fantástico. Estou aqui também, de certa forma, representando os 2 mil colaboradores da Corteva no Brasil e no Paraguai.

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Ser generalista é uma vantagem para quem está em uma posição como a sua?

Acho que ajuda a valorizar a importância de todos os times, seja financeiro, seja SAC. Ter a oportunidade de passar por vários desses grupos me ajuda a valorizar a importância de cada um para o sucesso da nossa empresa. Considero um fator positivo para entender a grande colaboração que esses times têm para o nosso negócio e clientes.

O que você busca nas pessoas que vão trabalhar diretamente com você?

O principal é o engajamento e a motivação, muito mais do que o conhecimento específico. Busco alguém que quer aprender, muito mais do que um conhecimento técnico.

Quais foram os momentos mais decisivos que você encarou na sua formação?

Um deles foi justamente a mudança, até mesmo antes de entrar na Dow DuPont, hoje Corteva. Até muitos anos atrás tive algumas experiências na área financeira, bancos, instituições financeiras. Uma grande mudança foi trocar de indústria e, então, buscar entender o que representava uma cadeia industrial, toda uma estrutura de investimento em novas tecnologias. Outra que eu me lembro, por ter vindo de uma área financeira dentro da própria companhia. Era visto como uma pessoa da área financeira e, em determinado momento, tive a oportunidade de passar para a área comercial, de planejamento, vendas. Estar visitando os clientes, vendendo produtos, promovendo tecnologias, foi uma mudança importante. De uma área mais interna para uma parte de maior relacionamento, uma área comercial, foi um desafio importante. Isso acabou norteando muito da minha carreira por ser complementar. Somos todos trabalhando pelo mesmo objetivo, que é o sucesso do cliente, mas cada um tem seu papel para que isso se cumpra.

“Começar uma empresa do zero é uma oportunidade única”

Ao por o pé no agro se descobre um Brasil diferente, um Brasil que muitas vezes na cidade não se enxerga…

E tem sido muito interessante esse aprendizado, essa jornada. Não vai acabar por aqui, mas você fica muito surpreso ao ver que o Brasil é uma potência. Você vê os históricos, antes mesmo de 2014, de crescimento do Brasil nessa área, toda a tecnologia que está por trás do segmento agrícola, os produtores que são empresários. Você descobre um novo Brasil e até a imagem de uma área com enorme adoção de tecnologia. Sem ela não conseguiríamos lidar com todo esse ambiente de controle de pragas, de doenças da agricultura tropical.

Você acha que o Brasil, como um todo, percebe o agricultor como um empresário que enfrenta uma quantidade de riscos enormes, sobre os quais ele não tem controle algum, e que é tão tecnificado?

Não, não. Acho que isso é o nosso papel, tentar passar essa mensagem, promover que existem vários fatores de risco – seja clima, investimento, custo do capital, a pressão de determinada praga de um ano a outro, doenças, o preço dos commodities no mercado global, seja a variação do câmbio – que acabam tendo impacto no rendimento do produtor. O ciclo é muito longo, não é um segmento industrial em que você acaba recebendo e vendendo num prazo bem mais curto do que o ciclo do cultivo agrícola. Você planta para colher dali a vários meses e tem muita incerteza sobre preço. O pessoal não tem toda a informação sobre o que está por trás de toda formação agrícola.

Você recebeu agora um grande desafio, que é liderar, no Brasil, a criação da Corteva. Quais os desafios mais difíceis nesse novo momento?

Primeiro, é uma grande oportunidade. Sem dúvida existem os desafios, mas começar uma companhia do zero é uma oportunidade única. A analogia que eu uso é que duas empresas se casaram, Dow e DuPont, e tiveram três filhas. São as três divisões da companhia, que vão se separar no começo de 2019: a empresa de materiais, no final do primeiro trimestre de 2019, a divisão agrícola e a de materiais especializados, em junho de 2019. Então, é como se nós tivéssemos uma cesárea já marcada para primeiro de junho de 2019. O nome já está escolhido, é Corteva. Mas ela já nasce com 10 quilos, com essa dimensão, com a escala, com a importância. Vai ser uma empresa que nasce grande com os investimentos em pesquisa das duas companhias.

Acho interessante você dizer “começar do zero”, porque de fato não é. Já nasce como uma das maiores empresas do agronegócio mundial. É uma estratégia para integrar os dois times, essa forma de comunicar que tudo é novo?

É um pouco, lógico. Reconhecemos o legado dos nossos pais, duas empresas com histórico de mais de 100 anos, no caso da Dow, e mais de 200, da DuPont. Mas agora nasce a Corteva e eu fico contente de termos escolhido um nome novo para justamente passar a mensagem de que não somos nem Dow nem DuPont. Somos Corteva, com nossa proposta de melhorar a vida do produtor e do consumidor para garantir o sucesso para as próximas gerações. Queremos aproveitars as coisas positivas que existiam, mas não escolher a cultura de uma companhia ou da outra. Criar algo realmente novo, sem tanta obrigação perante os pais, e explorar essa grande possibilidade que é ser um player mundial e uma companhia que vai estar 100% dedicada ao segmento agrícola. No passado — já falo até passado, mas ainda estamos nesse momento de transição — pertencíamos a uma holding, um conglomerado que fazia investimentos na área automotiva, indústria eletroeletrônica, vários segmentos que competiam entre si por recursos, por investimentos, novas plantas. Agora, nosso objetivo é só garantir o sucesso dos produtores, com parceria cada vez mais próxima com a sociedade. Sermos mais simples na nossa maneira de fazer negócios, buscar essas formas distintas e uma cultura diferente da que tivemos no passado.

De que forma você, como líder dessa divisão no Brasil, consegue influenciar nas decisões globais em torno dessa nova companhia? Você teve a oportunidade de opinar, de participar diretamente das decisões?

Sem dúvida. Nossa organização vai ser bastante enxuta. Desde o líder global, o nosso Chief Operating Officer, até a liderança aqui no Brasil e do Paraguai nós temos uma única camada. Há uma ligação direta com os líderes globais da companhia, e o Brasil é o principal mercado internacional. Estamos atrás dos Estados Unidos, mas em termos de mercados fora da matriz, somos o país com maior potencial de crescimento. É uma oportunidade única de trazer para o Brasil todo investimento e importância que temos para uma companhia que vai nascer.

Vamos falar da marca Corteva. O que ela representa? Muitos comentaram sobre a cor azul do logotipo. O que isso agrega e como ajuda a comunicar essa nova identidade?

O Brasil participou das pesquisas. Começamos com um grupo de quase 500 nomes até chegar a cinco, e depois a Corteva. Foi como escolher nome de um filho. Você conversa, discute. Foram consultados produtores, parceiros em todo mundo e no Brasil também, como o nome soa em diversas línguas. O nome é uma soma de Cor, de coração, de centro, e Teva, de natureza. Significa algo como “coração da natureza”, então está muito próximo aos produtores, reforçando esse propósito da companhia. O Brasil foi parte e tem sido parte integral não só para essa escolha, como também da escolha da marca global de sementes. Nós tivemos recentemente o lançamento de Brivante, que junto com Pioneer são as duas marcas de sementes globais escolhidas para o portfólio no Brasil.

E por que o azul?

O azul e o desenho do logo são para conectar com o desenho da Terra. O azul remete à água, que é um elemento essencial para nossa produção. Se você reparar no logo, é como uma vista aérea dos campos. Você vê lá todos os sulcos. E também remete às plataformas de negócios: a parte de defensivos, a de sementes e de serviços e digital.

Qual será a estratégia da Corteva para a Agricultura Digital? Vocês vão investir em startups para acelerar processos de inovação?

Vamos dar ênfase às áreas de serviços e digital. No mesmo dia em que anunciamos a fusão, em setembro de 2017, foi também anunciada a aquisição, pela DuPont, de uma startup nos Estados Unidos, a Granular.

Foi uma das maiores aquisições no segmento Agtech no mundo (a DuPont pagou US$ 300 milhões pela agtech americana, que desenvolve softwares para gestão de propriedades rurais)…

Ou seja, reforçando o compromisso de alavancar ofertas e serviços nessa área.

Aqui no Brasil vocês estão com o radar ligado em busca de soluções e startups para esse futuro digital na agricultura?

Queremos que o Brasil seja o primeiro país de expansão internacional da Granular. Temos alguns pilotos com parceiros e clientes. Vamos trazer parte da plataforma da Granular para o mercado brasileiro, é parte da estratégia.

Então, logo, logo teremos a Granular aqui no Brasil?

Sim.

A Corteva surge em um ambiente em que as grandes companhias estão se unindo pra formar conglomerados ainda maiores – além de Dow e DuPont, Bayer e Monsanto, Syngenta e ChemChina. Pode-se imaginar uma competição cada vez mais feroz. Como se diferenciar nesse ambiente, ser percebido como inovador?

Para nós foi muito importante essa fusão para ter justamente a escala em investimento em pesquisa e desenvolvimento. Unimos portfólios de pesquisa das duas empresas e foram muito complementares. Podemos ter investimentos na área de fungicidas, para ajudar o produtor com temas como ferrugem asiática, inseticidas, fungicidas, genéticas em sementes, biotecnologia e serviços. A concorrência é saudável e nos obriga a ser mais competitivos e a trazer mais soluções para o produtor.

O produtor fica assustado quando começa a ver essas empresas ficando cada vez maiores e ele tem menos opções para onde correr numa negociação. Muitos deles dizem que “já era difícil, não recebemos muito o que se promete, como a economia proveniente dos ganhos de escala, da sinergia das companhias”. Como tranquilizar esse produtor?

É um tema importante. Seguimos trazendo novos produtos para atender a essas demandas e uso o exemplo da cultura da soja. No Brasil é o principal cultivo, com 35 milhões de hectares. Essa fusão nos permitiu trabalhar em uma solução viável para uma alternativa para a soja. É buscar genética Pioneer e da Dow, tratamento de sementes da DuPont, tecnologia da Dow. Isoladas, não conseguiríamos combinar todo o investimento para trazer uma real alternativa para o produtor. Isso é um pouco da lógica que está por trás desses grandes negócios. Outro exemplo fantástico está no milho. Daqui a dois ou três anos nós vamos poder combinar a genética do germoplasma DuPont Pioneer com a Dow Agrosciences, misturar esses parentais com a genética dessas duas companhias e ter híbridos melhores para atender a demanda do produtor, com melhor custo/benefício.

A gente falou das vantagens de ter uma marca nova no contexto do ambiente interno da corporação. Nesse cenário externo de competição, ainda não ser conhecido pelos clientes seria uma desvantagem?

Eu acho que tanto pode ser uma vantagem como uma desvantagem. Precisaremos investir em comunicação. Por enquanto ainda falamos “divisão agrícola da Dow-DuPont”, mas logo seremos Corteva Agriscience. Vai demandar investimento para explicar essa transição, mas é positivo para criar uma cultura diferente. Queremos fortalecer esse novo conceito de parcerias com a sociedade e relação com o agricultor para conseguir maior rentabilidade e produtividade. São características que queremos reforçar como Corteva.

Um dos conceitos que eu tenho ouvido muito relacionado à Corteva é o Market Shaper, uma formadora de novos mercados. O que isso significa e como vai funcionar na prática?

Às vezes o conceito fica difícil. Por isso, enfatizamos os comportamentos e quais são eles para formar opinião. Um deles é o propósito de trabalhar pelo produtor, escutando suas necessidades. O segundo aspecto é que nenhuma empresa consegue fazer isso de forma isolada. São necessárias parcerias com a sociedade, governos, faculdades. Terceiro, sempre trazer a perspectiva externa, comparando-se com os melhores exemplos, mesmo que não sejam da indústria agrícola, incorporar referências digitais. E, por último, a simplificação de processos. Um exemplo é consolidar muito da genética em uma marca, ter clareza nos programas de incentivo. Se enfatizarmos nos comportamentos, que depois venha como consequência a formação de opinião.

Fala-se muito da forma como as mudanças de comportamento do consumidor podem ter forte impacto na produção do setor. Como você acompanha essas tendências e como elas se refletem na sua visão de futuro do agro?

É uma enorme oportunidade. Tem até um material muito interessante que a Embrapa publicou, que fala da agricultura em 2030 e as mudanças de mentalidade, o papel do consumidor, a procedência dos alimentos. Estive recentemente com europeus que queriam saber de onde tinha vindo a carne, qual eram os tratamentos, em qual porto foi embarcada. São tendências e interesses. É uma mensagem que trata de muitos segmentos. Não é possível generalizar e por isso é importante ter diálogo com todos. Não podemos esquecer que existe um grupo enorme que não tem acesso a uma alimentação nutritiva barata no mundo. Isso sem dizer os 2 bilhões de pessoas que ainda vão nascer ao longo dos próximos 30 anos.

O desafio é atender a esse volume grande e também a nichos, a um consumidor mais exigente. Tem um espectro muito grande pra ser atendido…

Vai demandar de todos nós entender como estamos apreendendo essas demandas e trazendo informação para toda essa cadeia.

E também combater alguns problemas de imagem do agro, muitas vezes associado a fatos negativos, nem sempre de maneira justa. Como se comunica esse lado positivo em contraponto e se combate, por exemplo, o mau uso de defensivos?

É importante entender a fonte dessas preocupações, combater com educação e ter esse diálogo com quem está por trás dessas perguntas e dúvidas. O que mais valorizamos na Corteva é o bom acompanhamento de práticas agrícolas, a sustentabilidade. Há ótimos exemplos no Brasil, como a quantidade de embalagens que são recicladas.

Você vai muito ao exterior em função da sua posição. Imagino que ouça questionamentos em relação a sustentabilidade e questões ambientais no Brasil. Esses são os problemas de imagem da agricultura brasileira?

Acho que esse é um tema da agricultura mundial. Estamos presentes em mais de 130 países. É um diálogo que temos em vários desses países. É um tema muito relevante aqui, mas não é específico daqui.

Talvez o Brasil seja mais visado por dois motivos, por ser um grande produtor e um grande centro de preservação ambiental, o chamado pulmão do mundo.

Certamente há um foco grande, mas enfatizo a oportunidade. Quando falamos da lavoura no Brasil, muito da produtividade pode vir da reforma de pastagens degradadas e de dois ou três cultivos por ano. Muito do que temos preservado pode ajudar a desmistificar esses aspectos. A tecnologia é uma aliada.

Você usa bastante tecnologia? Como é a sua relação com ela?

Pessoalmente, uso um pouco, mas como companhia usamos muito mais. Gosto dos aplicativos e facilidades. Para a empresa, a digitalização é relevante, um poder para extrair milhões de dados da planta para monitorar como podemos atender a necessidades. Nas nossas operações é muito importante.

Costumo dizer que estamos passando sem escala pela agricultura de precisão e vivendo a agricultura da informação. Essa enormidade de dados colhidos vai fazer a diferença. Como você enxerga esse uso de tecnologia na gestão do negócio agrícola? O produtor está pronto para adotá-la?

Sim. E cada vez mais rápido. Eu às vezes uso a própria analogia de que, como companhia, também produzimos sementes, temos uma área enorme de soja e milho, e temos que cada vez mais usar tecnologia da informação pra monitorar cultivos, potencial de produção. É uma onda que tem uma velocidade cada vez maior.

O segredo é simplificar isso de forma que a informação se reflita em decisões. A grande questão é que muitas vezes os pacotes tecnológicos oferecidos ao produtor são muito complexos e acabam não sendo muito úteis.

Nenhuma empresa conseguiu trazer de uma forma simples essa tomada de decisão. Esse é um pouco das características dessa integração na produção.

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