Edição 8 - 06.04.18
Por Amauri Segalla
Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada com mais de 200 deputados que se encontram semanalmente para debater pautas como a tributação de produtos agrícolas, é composta principalmente por homens e mulheres acima de 50 anos. Ou bem mais do que isso. Presidente da FPA, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) tem 63 anos. É a mesma idade do vice-presidente da associação, o também deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). Nas reuniões dessa turma, predominam os cabelos grisalhos e velhos conhecidos da política brasileira, como Reinhold Stephanes (PSD-PR), 78 anos, e Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), 67 anos, para citar dois frequentadores assíduos do Congresso Nacional.
Nos últimos meses, porém, um jovem de fala pausada, obcecado por números sobre o agronegócio, e que costuma compensar a natural discrição com gravatas chamativas, quase sempre vermelhas ou roxas, tem atraído a atenção de seus colegas. Coordenador jurídico da FPA, o parlamentar Evandro Gussi (PV-SP) tem apenas 37 anos, mas
já é um dos nomes mais notados do universo agro brasileiro. Não é à toa. No final do ano passado, Gussi conseguiu aprovar o novo marco regulatório de biocombustíveis no Brasil, o RenovaBio.
De sua autoria, o projeto de lei tem por objetivo aumentar o uso de biocombustíveis no País, reduzir o lançamento de gases poluentes na atmosfera e criar metas nacionais de redução das emissões. “O projeto era bastante técnico e se sustentava. Por isso, foi aprovado com tanta agilidade”, diz Gussi. “Conversei com vários ministros e deputados e houve uma ampla sinergia para a aprovação de um tema que irá modernizar o setor no País.”
Gussi é um dos exemplos mais marcantes da renovação das lideranças do agronegócio brasileiro. Em uma área frequentemente acusada de manter velhos ranços, e que carrega uma série de estigmas, não deixa de ser interessante observar que uma geração está chegando com força, cheia de ideias inovadoras e, acima de tudo, sintonizada com as demandas atuais. Entre os novos rostos do agro brasileiro estão políticos, empresários, empreendedores, cientistas, fazendeiros, produtores, profissionais da área digital, especialistas em tecnologia, moradores do campo ou das grandes cidades. Não importa o ramo, o diploma ou a região. Fato é que vieram para deixar profundas marcas em um setor cada vez mais aberto aos novos ventos. Como um jovem de 37 anos, em seu primeiro mandato e sem o traquejo das velhas raposas políticas, emplacou um dos projetos mais importantes para o agronegócio dos últimos anos? Gussi é o tipo de pessoa que tem resposta para tudo. Advogado por formação, ele estudou os biocombustíveis a fundo e abusou dos argumentos técnicos para convencer o Congresso sobre a importância do marco regulatório. Em sua saga para desengavetar o projeto de lei, percorreu quilômetros de corredores e salas do Congresso com uma pasta repleta de dados que comprovavam a eficiência do projeto.
Se o interlocutor tinha uma dúvida, ele sacava um documento e explicava a questão. Funcionou e Gussi passou a ser visto como um dos deputados emergentes não só da bancada do agronegócio, mas de todo o Parlamento. Apesar de trazer ainda certa impetuosidade da juventude, indispensável para dar andamento aos trabalhos no Congresso, Gussi rejeita rupturas com outras gerações. “A participação dos mais jovens no desenvolvimento do agronegócio é importante porque eles trazem ideias inovadoras”, diz. “Mas essas ideias serão sempre mais eficientes quando a experiência dos mais velhos for aproveitada.” Na elaboração do RenovaBio, diz ele, o apoio de deputados experientes foi fundamental para vencer eventuais barreiras e encurtar caminhos. “O sucesso do RenovaBio prova que é preciso existir uma solidariedade entre as gerações”, afirma. “Só assim é possível trabalhar para o desenvolvimento do País.”
O ideal de integrar gerações motivou mudanças na Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade prestes a completar 100 anos em 2019 e que guarda até hoje ares aristocráticos. Seu símbolo é um brasão inspirado nos velhos reinos europeus e seus integrantes se dedicam a formular políticas públicas e outras iniciativas capazes de desenvolver o agronegócio. Neto e filho de agricultores, João Francisco Adrien Fernandes cresceu em meio a sementes, lavouras e máquinas agrícolas. Quando veio para São Paulo estudar economia na PUC, Fernandes percebeu que havia na grande cidade certo desconhecimento, para não dizer desprezo, a respeito do universo agro. “Foi aí que, em 2011, tive a ideia de criar uma ala jovem dentro da SRB”, diz ele. “O objetivo era trazer os profissionais das melhores empresas para mostrar as inovações na fazenda. Deu tão certo que começamos a rodar o País, conhecendo e envolvendo outros jovens, estimulando pesquisas e incentivando a criação de empresas inovadoras.”
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Melhor ainda: os debates promovidos pelo recém-criado Comitê de Liderança e Juventude da Sociedade Rural mostraram para jovens de diversas áreas profissionais, como economia, direito, administração e tecnologia, para citar os exemplos mais relevantes, que havia possibilidades a serem exploradas no campo. O que tinha começado apenas como um palco para debates sobre o agronegócio acabou resultando em negócios promissores. Boas ideias deram origem a startups, projetos foram levados a Brasília.
Hoje em dia, a diretoria de jovens da SRB é formada por 25 profissionais espalhados por todo o Brasil. “Além disso, mais de 500 pessoas participavam ativamente de nossas discussões”, afirma Fernandes. Um escritório foi aberto em Brasília e jovens como ele próprio puderam conhecer melhor os mecanismos de poder no Brasil. “A modernização da agricultura passa pelo envolvimento da juventude”, diz Fernandes. “Eles têm a responsabilidade de pensar na constante inovação do setor.”
O diretor da Sociedade Rural Brasileira acredita, porém, que o maior legado do grupo que ele ajudou a criar é outro. “Nós abrimos a cabeça do produtor para temas críticos, como ambientalismo e sustentabilidade”, afirma. “É dessa maneira que acho que a nossa liderança passou a ser exercida. Muitos veteranos no agronegócio reconhecem que o tema é importante graças ao nosso trabalho. Conseguimos quebrar estereótipos e reunimos na mesma agenda ambientalistas e ruralistas.”
Lideranças podem ser exercidas de diversas maneiras. Pelo poder atribuído a um determinado cargo, pelo talento individual do líder, pela capacidade de uma pessoa ou grupo disseminarem um conceito específico. É nesse terceiro aspecto que Fernandes se enquadra. Ele chamou a atenção para um tema vital nestes novos tempos, a conexão indissociável entre campo e sustentabilidade – e, assim, ajudou a mudar o setor onde atua. Quando apresentava a questão para produtores mais velhos, em especial aqueles estabelecidos nos rincões do Brasil, o executivo da SRB muitas vezes era obrigado a encarar a arrogância de quem não estava acostumado a ouvir vozes dissonantes, principalmente se elas fossem jovens demais. “A questão é que hoje em dia a juventude tem acesso a informações. E informações mudam o mundo.”
João Adrien Fernandes não é o único jovem a ter contribuído para a disseminação do conceito de sustentabilidade nas lavouras brasileiras. A engenheira ambiental Marcela Porto ajudou a propriedade de sua família a se tornar um dos melhores exemplos do País de uma tecnologia que vem ganhando cada vez mais adeptos: a integração lavoura-pecuária-floresta, sistema que passou a ser conhecido pela sigla ILPF. Em 2006, a Fazenda Santa Brígida, em Ipameri, Goiás, se dedicava apenas à pecuária. Por isso, assim como todas as outras fazendas da região, era incapaz de abrigar mais de um animal por hectare. Como estudante de engenharia ambiental, Marcela resolveu levar para o campo ideias que eram debatidas em sala de aula. Primeiro veio o plantio integrado de soja, milho e capim, que ajudou o solo a recuperar os nutrientes perdidos. Depois, árvores de eucalipto foram plantadas na propriedade, e elas acabaram por oferecer sombra e abrigo para o gado. Resultado: todos os índices de produtividade dispararam. A pioneira iniciativa desenvolvida pela família de Marcela, e por ela em particular, se tornou referência no País.
“Hoje a gente vê que o que pesquisamos e que começou a ser desenvolvido na Fazenda Santa Brígida em 2006 tornou-se estratégia de negócios do Brasil”, diz Marcela. “O nosso projeto está alinhado com as diretrizes do Governo e passou a ser incorporado por diversos países.” Estima-se que pouco mais de 3 milhões de hectares de toda a área produtiva brasileira operem no sistema ILPF, mas a ideia é elevar o patamar para 5 milhões de hectares até 2030. A experiência é tão bem-sucedida que Marcela passou a ser requisitada para participar de congressos fora do Brasil, em países como França e Japão. Com apenas 29 anos, ela se tornou uma liderança intelectual do agronegócio, reconhecida não apenas como produtora, mas como uma cientista que inovou no campo.
A tecnologia é a maior responsável pelo surgimento de novos cérebros que estão provocando pequenas revoluções. Em 2014, quando tinha apenas 23 anos, Mariana Vasconcelos fundou a Agrosmart, empresa que prometia monitorar as fazendas em tempo real. “Mas nosso trabalho não consistia apenas em instalar sensores pelas propriedades”, diz Mariana. “Na verdade, passamos a oferecer aos produtores uma plataforma digital que melhora drasticamente a eficiência da irrigação.”
O aplicativo criado por Mariana monitora, por meio de sensores instalados nas fazendas, mais de dez variações ambientais, como chuva e umidade do solo. A partir desses dados, o agricultor recebe um relatório que indica a quantidade de irrigação necessária para a plantação, além de apontar as lavouras que estão mais propensas a pragas e doenças. Resultado: a tecnologia desenvolvida por ela proporciona uma economia de até 60% no uso da água e 30% no uso da energia necessária para a irrigação de espaços rurais.
“Nosso sistema aumentou a produtividade das fazendas e provocou uma profunda transformação”, diz a jovem. “As mudanças climáticas afetam diretamente a produtividade no campo. Estudos mostram que ela cai 2% a cada grau que a temperatura do planeta sobe. Daí a importância para o agricultor saber exatamente o que precisa fazer para lidar com os fenômenos da natureza.” Aos 26 anos, Mariana se tornou parceira de inúmeros produtores. A Agrosmart está presente em dez estados brasileiros e em nove países. Entre eles, Estados Unidos e Israel, duas das nações mais inovadoras do mundo na área do agronegócio. “Também desenvolvemos ações para diversas instituições públicas, como a Embrapa e a Agência Nacional de Águas”, afirma Mariana. A era digital nas fazendas se deve também à chegada de filhos e netos ao comando das grandes propriedades brasileiras.
“Os herdeiros descobriram que no campo cabem muitas inovações e que a tecnologia é uma parceira fundamental”, diz Matheus Zeuch, 32 anos, sócio da Brabov, empresa que desenvolveu um software que permite ao fazendeiro controlar o peso, a reprodução e a vacinação do gado. “Como essa nova geração está aberta a mudanças, nós encontramos um grande espaço para crescer. A verdade é que o agronegócio é um mercado tradicional que está sendo invadido por tecnologia de ponta.”
Por isso, jovens empreendedores e altamente conectados como Zeuch estão se tornando figuras ilustres da nova realidade agro brasileira. “Desenvolvemos uma ferramenta para rastreara carne que trará enorme segurança para os produtores e ajudará o Brasil nas exportações”, diz o jovem empresário. “Fizemos um protótipo que recentemente foi apresentado em uma reunião de governadores e fez sucesso.”
Na era digital, as novas lideranças são justamente aquelas com vocação para inovar. “É incrível como nós, jovens empreendedores, somos bem recebidos no campo”, diz Pedro Dusso, 29 anos, CEO da Aegro, empresa formada por quatro sócios da área de ciência da computação que desenvolveu um aplicativo de gerenciamento de safras. “O telefone não para de tocar, inclusive para darmos palestras em diversas regiões do Brasil.” Com essa nova turma, o agronegócio brasileiro nunca mais será o mesmo.
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