Edição 7 - 17.01.18
Por Nicholas Vital
Poucos trabalhos são tão mal vistos pela sociedade quanto o lobby. Se a prática estiver relacionada ao agronegócio, setor que também carrega um forte preconceito por parte dos brasileiros, então, a desconfiança se torna ainda maior. Comum nos Estados Unidos e na Europa, a atividade ainda sofre no Brasil devido à falta de regulamentação – embora não seja proibida – e ao desconhecimento da população em geral. De acordo com o dicionário Michaelis, o lobby é uma “atividade de pressão por parte de um grupo organizado, a fim de exercer influência no voto de parlamentares, conforme determinados interesses”, uma definição generalista e com conotação negativa, mas que nem sempre reflete a realidade da profissão.
Buscando melhorar a imagem dos executivos da área e dar mais legitimidade ao trabalho realizado por eles, a atividade acabou rebatizada “relações governamentais” e hoje é tocada por profissionais que fazem o que lá fora se chama “advocacy”, também conhecido como lobby do bem, seguindo sempre as melhores práticas de compliance e usando o conhecimento técnico e informações de qualidade para defender os interesses de seus contratantes – o que no agronegócio moderno, começou a ser chamado, nos EUA, de “agvocacy”.
“As pessoas têm a ideia de que se alguém ganha, outro tem que perder. No comercial é assim, em compras é assim, mas em relações governamentais não é assim”, afirma o engenheiro agrônomo Eduardo Brito Bastos, CEO da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau, um lobista convicto e orgulhoso de sua profissão. “Nosso trabalho é fazer com que as autoridades conheçam as demandas e entendam a importância de se resolver esses problemas. Isso não tem nada a ver com corrupção.”
Bastos conta que aprendeu logo no início de sua carreira que a principal função de um lobista é “derrubar muros e fazer pontes”, sempre através do diálogo, seja com stakeholders, seja com membros dos poderes Executivo e Legislativo. “O pessoal acha que o nosso trabalho é tomar café com gente importante”, brinca. “Mas, na verdade, o que fazemos é levar conhecimento técnico para as pessoas que decidem. Isso ajuda a avançar nas negociações. Infelizmente, ainda existe muito preconceito em relação a alguns temas, mas hoje vejo que é muito por conta da falta de informação”, diz.
Ele cita como exemplo um trabalho realizado há alguns anos, quando ainda estava na Dow AgroSciences, multinacional americana líder mundial em agroquímicos para o segmento de pastagens, mas à época praticamente desconhecida entre as autoridades em Brasília. A missão era ousada: convencer os técnicos do Ministério do Meio Ambiente de que o uso de herbicidas poderia tornar a pecuária mais sustentável – o que era uma das metas da pasta naquele momento –, por mais contraditório que isso pudesse parecer.
“Eu sabia que eles não viam a pecuária como uma coisa positiva, mas eu mostrei que através da recuperação de pastagens, o que só é possível com o uso de herbicidas, seria possível capturar carbono. Não é que de uma hora para outra eles passaram a gostar de herbicidas, mas entenderam que a tecnologia poderia ajudar a resolver inclusive o problema deles. Hoje, na pior das hipóteses, eles veem o produto como um mal necessário”, relembra.
Atualmente atuando em defesa do cacau brasileiro, Bastos diz que, apesar de representar um grupo muito menor, a lógica segue sendo a mesma. Segundo ele, o mais importante para fazer um bom trabalho nessa área é entender como funcionam as engrenagens do setor, quem são seus atores e tentar encontrar soluções que sejam do interesse de todos, sempre através do diálogo e da troca de informações. “Por trás das estruturas existem pessoas. No momento em que você entende as necessidades dos outros, você passa a se relacionar melhor”, afirma o executivo.
No Brasil, a função de relações governamentais é exercida majoritariamente por advogados, pessoas que, em sua maioria, têm uma atuação reativa e que sempre tomam muito cuidado com o que falam. Por isso, muitos deles preferiam não falar nada a assumir posições proativas em favor das causas que representam. Mais recentemente, porém, a estratégia passou a ser vista como pouco eficaz. Em especial no agronegócio, setor que tradicionalmente não dava muita importância à comunicação e hoje, apesar de carregar a economia brasileira nas costas, é subvalorizado pela sociedade. Talvez por isso, os advogados vêm, cada vez mais, dividindo espaço com os agvogados, profissionais de outras áreas, na linha de frente da defesa do setor.
LINHA DIRETA
O exemplo do jornalista Ibiapaba Netto ilustra bem esse novo momento das relações governamentais no agronegócio. Há quatro anos à frente da CitrusBR, associação que representa as indústrias processadoras de suco de laranja, o profissional tem promovido uma verdadeira revolução na imagem do setor através da comunicação. Tradicionalmente fechadas – e talvez por isso em constante pé de guerra com seus fornecedores –, as indústrias perceberam que, na era das redes sociais e das notícias em tempo real, não dava mais para se esconder e que a informação poderia ser uma grande aliada no processo de aproximação com stakeholders e membros do governo.
“O mundo está mudando. Atualmente, a comunicação é uma arma poderosíssima para qualquer setor, empresa ou pessoa, então faz todo o sentido ter alguém da área fazendo isso”, afirma Netto, que, ao assumir a entidade, contratou jornalistas experientes e passou a produzir conteúdos de qualidade dentro da associação. “É preciso compartilhar as informações para que todos possam tomar suas próprias decisões. Hoje nós disponibilizamos regularmente e de forma transparente todos os dados do setor.”
O executivo conta que atualmente possui uma linha direta com os produtores – algo inimaginável até pouco tempo atrás –, consultores, jornalistas e políticos em todo o País. Através de vídeos semanais enviados do seu celular para mais de 600 pessoas, ele divulga os principais dados do setor, analisa o mercado de bebidas, fala sobre os principais projetos em andamento na associação, tira dúvidas, dá entrevistas e mantém informados os técnicos do Ministério da Agricultura, da Conab e as demais autoridades em Brasília.
“Os principais artífices das políticas públicas recebem essas informações e acabam de certa maneira aproveitando aquilo. Na pior das hipóteses, eles se mantêm informados do que você está fazendo, o que é muito importante”, conta Netto. “A mensagem que chega para o ministro da Agricultura é a mesma que chega para o gerente da fazenda no interior de São Paulo. Todo mundo precisa receber a mesma informação.”
A PIOR IMAGEM
A jovem executiva Silvia Fagnani, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), tem o que podemos chamar de “emprego mais mal visto do Brasil”. Formada em comércio exterior, com especialização em relações internacionais, ela é a responsável pela defesa dos interesses dos fabricantes de agroquímicos no País. “Às vezes, até para chocar, em tom de brincadeira, eu me apresento para as pessoas como ‘lobista da indústria de agrotóxicos’. É a pior imagem que uma pessoa pode ter”, diz.
No Sindiveg desde 2005, Silvia começou como gerente de comércio exterior, responsável pela discussão de alíquotas de importação de produtos e a negociação de acordos internacionais, mas logo descobriu habilidades que nem imaginava ter, principalmente as relacionadas a relacionamento. Em pouco tempo, se tornou a principal interlocutora do setor em Brasília e passou a discutir também assuntos ligados a outras áreas, até que, em 2015, assumiu de vez o comando do sindicato.
“Eu nunca imaginei que eu ia fazer isso na vida”, conta Silvia, que no dia a dia prefere deixar o rótulo de lobista de lado e se considera uma profissional de relações governamentais, embora entenda que a defesa dos interesses de um setor junto aos entes públicos seja algo legítimo. “A negociação que o seu filho faz para comer um chocolate fora de hora é lobby”, exemplifica. “As pessoas antigas achavam que lidar em Brasília era trocar favores, mas na minha cabeça nunca teve isso. Eu acredito em conexões por interesses próximos, mas nunca na troca de favores. Em pouco tempo eu comecei a encontrar interlocutores que tinham essa mesma visão, geralmente pessoas mais novas, políticos em primeiro mandato, que tinham uma vontade de fazer diferente.”
Silvia garante que, apesar das frequentes notícias negativas envolvendo lobistas nos últimos tempos, a corrupção não é uma prática comum em Brasília. Segundo ela, a corrupção só existe porque existem corruptores. “Existem maus profissionais em todas as áreas, mas em 12 anos atuando nesse meio, eu nunca ouvi uma proposta, um pedido enviesado. Eu atribuo isso ao fato de eu não estar aberta a esse tipo de coisa. Agora o lobby de falar com as pessoas, mostrar as demandas e bater forte quando é necessário, isso acontece diariamente, e é o nosso papel, sempre dentro da legalidade”, completa a executiva.
TAGS: Agronegócio, CitrusBR, Lobby, Sindiveg