Planta digital

Sensores biodegradáveis criados no Brasil minitoram em tempo real a saúde das lavouras e aumentam a produtividade
Edição: 51
3 de dezembro de 2025

Por Evanildo da Silveira

A agricultura mundial enfrenta um desafio sem precedentes: alimentar uma população em constante crescimento – que deve alcançar 9,8 bilhões de pessoas até 2050 e ultrapassar os 11,2 bilhões até o final do século – sem comprometer ainda mais o meio ambiente. Nesse cenário, uma tecnologia desenvolvida no Brasil vem despertando a atenção da comunidade científica internacional: sensores vestíveis biodegradáveis para plantas. Trata-se de dispositivos aplicados diretamente em folhas, caules ou frutos, capazes de monitorar em tempo real a saúde das lavouras e traduzir em dados precisos aquilo que antes dependia apenas da observação humana.

A inovação é resultado do trabalho de pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com cientistas da Universidade Federal de Viçosa (UFV). “A ideia de desenvolver sensores vestíveis sustentáveis surgiu diante da crescente demanda global por alimentos, que continuará por décadas, impulsionada pelo aumento populacional”, diz o pesquisador Paulo Pereira, do IFSC-USP, um dos coordenadores do projeto. “A produtividade agrícola precisa crescer de 100 a 110% até 2050 para evitar um cenário de insegurança alimentar.”

Segundo ele, a urgência é evidente. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 40% da produção global se perde a cada ano em função de doenças emergentes em plantas e estresses ambientais ligados às mudanças climáticas. “Isso representa prejuízos de mais de 220 bilhões de dólares anuais, comprometendo a nutrição e a segurança alimentar em todo o mundo”, afirma. “E o problema tende a se agravar se a agricultura não se modernizar com soluções tecnológicas de baixo impacto ambiental.”

Os novos dispositivos desenvolvidos no País traduzem em dados precisos aquilo que antes dependia apenas da observação humana.

Os dispositivos são compostos por dois elementos principais: o sensor e um suporte transparente, flexível e extensível, projetado para não interferir no crescimento natural das plantas. Essa estrutura permite que sejam fixados diretamente em folhas, caules e frutos, garantindo monitoramento contínuo sem causar danos. A escolha dos materiais é um dos grandes diferenciais. Em vez de plásticos convencionais, os sensores utilizam componentes de base biológica, como poliácido lático (PLA) e acetato de celulose, obtidos de fontes renováveis, biodegradáveis, atóxicos, leves, acessíveis e abundantes. Assim, além de sustentáveis, evitam a geração de resíduos nocivos e podem se decompor naturalmente após o uso, sem necessidade de descarte industrial.

A fabricação também é inovadora. Os pesquisa[1]dores aplicam métodos físicos e químicos de baixo impacto, incluindo a serigrafia – técnica semelhante à usada em estampagem de camisetas –, o que reduz o consumo energético e torna o processo escalável para produção em larga escala. “Os dispositivos são produzidos diretamente em suportes com morfologias controladas, composições programáveis e padrões projetáveis, reduzindo o consumo de energia e a geração de resíduos durante a preparação”, diz Pereira. A equipe desenvolveu inclusive uma linha de protótipos com diferentes níveis de sensibilidade e durabilidade, adaptáveis a cultivos variados, como soja, milho, café e hortaliças.

Tradicionalmente, o acompanhamento da saúde das plantas depende de drones, câmeras, espectroscopia e análises laboratoriais. Essas ferramentas, embora úteis, apresentam limitações como baixa resolução temporal e espacial, medições descontínuas e menor sensibilidade. Os sensores vestíveis eliminam essas restrições. Eles coletam dados constantes sobre temperatura, umidade, níveis de nutrientes, pH, presença de pesticidas e sinais precoces de estresse hídrico e doenças. “O uso desses sensores possibilita a detecção contínua e não destrutiva da vitalidade das plantas, atendendo às necessidades da prática agrícola de rotina”, afirma o pesquisador.

A grande vantagem está na precisão. Enquanto um drone pode capturar imagens diárias, o sensor fornece leituras minuto a minuto. Isso significa que uma alteração mínima na absorção de água, na temperatura foliar ou no teor de clorofila pode ser registrada instantaneamente, permitindo intervenções rápidas e localizadas. Em tempos de estiagens prolongadas e calor recorde, essa capacidade pode fazer a diferença entre uma safra lucrativa e umprejuízo milionário.

No campo, o impacto é direto. Os sensores indicam o momento exato de irrigar, aplicar fertilizantes ou adotar medidas preventivas contra pragas, otimizando recursos e reduzindo custos. Essa precisão permite diminuir o uso de água, energia e insumos químicos, fatores cruciais em tempos de crise climática. Além disso, o cruzamen[1]to dos dados coletados com modelos de inteligência artificial (IA) e internet das coisas (IoT) pode antecipar surtos de doenças e prever variações de produtividade com base em microclimas locais. “A integração com IA, IoT, computação em nuvem e sistemas autônomos abre caminho para uma agricultura mais sustentável”, diz Pereira.

O projeto, iniciado em 2021, é um exemplo de como o investimento em ciência e pesquisa pode gerar soluções com potencial global. O Brasil, que já se destaca como potência agrícola, pode também se tornar referência em tecnologias sustentáveis aplicadas ao campo. “Temos biodiversidade, capital humano e capacidade científica para liderar uma nova revolução verde baseada em conhecimento e inovação”, afirma o pesquisador.

A equipe brasileira estuda agora formas de integrar os sensores a plataformas digitais acessíveis a pequenos e médios produtores, o que permitiria ampliar o alcance da tecnologia. Segundo estimativas iniciais, o custo de produção em larga escala será baixo o suficiente para viabilizar o uso comercial em propriedades familiares, hoje responsáveis por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país. Além de auxiliar o produtor individual, os sensores vestíveis podem ter papel estratégico para governos e cooperativas, ao permitir o monitoramento remoto de regiões inteiras, identificando focos de doenças ou falhas de manejo antes que os prejuízos se tornem irreversíveis.

A tecnologia pode servir de ferramenta para a certificação ambiental e a comprovação de boas práticas agrícolas.

A tecnologia também pode servir de ferramenta para certificação ambiental, rastreabilidade de produtos e comprovação de boas práticas agrícolas, agregando valor aos alimentos exportados. Ao fornecer dados detalhados sobre o ciclo produtivo e as condições ambientais, os sensores podem transformar a maneira como o Brasil e o mundo monitoram as cadeias alimentares. Essa integração de informações em tempo real, somada à capacidade de prever riscos, tem potencial de redefinir a relação entre produção e sustentabilidade.

O impacto da descoberta foi reconhecido pelo Fórum Econômico Mundial, que destacou a tecnologia como uma das dez principais inovações emergentes de 2023. A expectativa é que, nos próximos anos, ela se torne parte de um ecossistema mais amplo de “agricultura sensível”, em que as lavouras respondem, literalmente, por meio de sinais físicos e elétricos captados pelos sensores. “Estamos chegando a um ponto em que as plantas poderão se comunicar conosco por meio dos dados”, diz Pereira. “Elas vão indicar quando estão com sede, sob estresse ou vulneráveis a pragas, e nós poderemos agir com precisão cirúrgica.”

Mais do que uma inovação tecnológica, os sensores vestíveis representam uma mudança de paradigma: a possibilidade de produzir mais alimentos sem ampliar a degradação ambiental. O projeto mostra que o conhecimento científico, quando aliado à sustentabilidade, é capaz de transformar profundamente a agricultura e o modo como a humanidade se relaciona com a natureza. “Ao unir ciência, inovação e responsabilidade ambiental, mostramos que é possível construir uma agricultura de precisão com a sustentabilidade no centro da produção de alimentos”, conclui o pesquisador.

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