Por Lucas Bresser
O agronegócio brasileiro, que há décadas é reconhecido pela capacidade de inovar em produtividade, sustentabilidade, genética e mecanização, consolida agora um movimento de convergência com o setor espacial. Satélites, plataformas de monitoramento e sistemas de inteligência de dados estão cada vez mais presentes nas lavouras, ajudando produtores a lidar com os desafios climáticos, a otimizar recursos e a aumentar a produtividade de forma sustentável. Essa integração responde a uma necessidade concreta: apenas 33,9% da área disponível para agricultura no Brasil tem cobertura 4G ou 5G, segundo dados do IBGE. A ausência de conectividade é um gargalo para a digitalização do campo e abre espaço para soluções que se apoiam no espaço.
É nesse cenário que surgem iniciativas como a da StratoLit, que vem construindo uma rede de monitoramento ambiental hiperlocal alimentada por satélites. A empresa do interior de São Paulo desenvolveu a solução Sentinel, um sistema robusto que reúne sensores de chuva, vento, radiação solar, temperatura, umidade e pressão, além de permitir a conexão com outros sensores em campo. Todos os dados são transmitidos diretamente a satélites, eliminando a dependência de infraestrutura de telefonia ou wi-fi. Essas informações são processadas na plataforma OuterCloud, em que algoritmos de inteligência artificial e machine learning transformam medições brutas em previsões, alertas e relatórios acionáveis.

Segundo Lucas Fonseca, engenheiro aeroespacial e sócio-fundador da StratoLit, a ideia nasceu da percepção de uma lacuna tecnológica e de negócios. “O Brasil já contava com sistemas de coleta de dados via satélite havia décadas, mas faltavam pontos no solo capazes de enviar e receber informações em tempo real”, diz. “Decidimos desenvolver uma estação nacional, robusta e acessível, que pudesse se integrar a satélites e oferecer dados confiáveis ao produtor.” Na prática, o agricultor pode acompanhar, de forma hiperlocal, condições de solo, status de ativos remotos, riscos de incêndio ou estiagens e até variáveis ligadas à cadeia produtiva. “O coração da solução está na análise e integração da informação”, afirma Fonseca. “Usamos dados de satélites, redes públicas e privadas e dos nossos próprios sensores para oferecer respostas simples e acionáveis. O ganho está em transformar complexidade em decisão prática.” Agora, a companhia está em busca de agricultores que queiram liderar projetos-piloto no Brasil.

O movimento não é isolado. Multinacionais do agronegócio também vêm firmando parcerias estratégicas com o setor espacial. Em março, a Syngenta, uma das maiores empresas globais do setor, especializada em sementes, biotecnologia e proteção de cultivos, anunciou a extensão de um acordo com a americana Planet, que opera a maior constelação de satélites de observação da Terra. O objetivo é levar a agricultura de precisão a um novo patamar. A iniciativa prevê a integração das imagens diárias de alta resolução da Planet – com detalhamento de até 3 metros – à plataforma digital Cropwise, já amplamente utilizada por agricultores no Brasil e em outros países. Com essa tecnologia, será possível oferecer uma visão mais frequente e precisa das lavouras, inclusive em regiões onde a cobertura de nuvens costuma limitar a análise via satélite.
A novidade reforça as soluções já disponíveis no portfólio da Syngenta, como os índices de variabilidade, a definição de zonas de produtividade, o monitoramento de nematoides (NemaDigital) e a detecção de anomalias. Agora, os produtores terão acesso a informações atualizadas praticamente em tempo real, o que permitirá decisões mais rápidas sobre irrigação, manejo de pragas e doenças, aplicação de insumos e colheita. “Essa colaboração vai ampliar significativamente a nossa caixa de ferramentas digitais para os agricultores”, diz Jeremy Groeteke, líder global de Estratégia Digital da Syngenta. “Ao aproveitar os dados de satélite da Planet, conseguimos oferecer insights mais precisos e acionáveis, ajudando os produtores a tomar decisões que aumentam a produtividade e a sustentabilidade.”

Além de apoiar o dia a dia no campo, a parceria abre espaço para novas aplicações em larga escala e pesquisas avançadas em agricultura digital. O uso combinado de imagens de satélite e algoritmos de inteligência artificial permitirá à Syngenta desenvolver ferramentas para o manejo de grandes áreas, além de criar modelos preditivos mais sofisticados, capazes de antecipar cenários de estresse hídrico, surtos de pragas ou impactos de variações climáticas. Segundo a empresa, a integração com a Planet reforça o compromisso de colocar o agricultor no centro da transformação digital, garantindo não apenas produtividade, mas também maior previsibilidade e segurança na gestão de dados.
No setor público, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é uma das protagonistas quando se fala em integração entre agricultura e tecnologias espaciais, trabalhando desde a década de 1980 em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre as iniciativas pioneiras está o Projeto Canasat, voltado ao mapeamento de áreas de cultivo de cana-de-açúcar a partir de imagens orbitais, oferecendo informações estratégicas para políticas públicas e para a indústria sucroenergética. Outro exemplo emblemático é o TerraClass, iniciado em 2008, que monitora a cobertura e o uso da terra em áreas desmatadas da Amazônia Legal e do Cerrado, fornecendo dados cruciais para conservação ambiental e planejamento sustentável.

A Embrapa também desenvolveu ferramentas que combinam geotecnologias e análise preditiva para apoiar a produção agrícola. O GeoSafras, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), utiliza sensoriamento remoto, GPS e Sistemas de Informações Geográficas para monitorar e prever safras em todo o País, enquanto o Programa de Monitoramento da Agricultura de Precisão cruza dados de satélites, drones e análises de campo para fornecer informações hiperlocalizadas sobre solo, cobertura vegetal e produtividade, resultando em ganhos de eficiência no uso de insumos e irrigação, redução de custos e menor impacto ambiental. O Projeto SATVeg complementa essas iniciativas, integrando imagens de satélites com dados agronômicos para gerar informações sobre cobertura vegetal e estado das culturas, apoiando o planejamento agrícola em larga escala.
Além disso, a Embrapa tem investido em plataformas digitais abertas que transformam dados espaciais em ferramentas práticas para o produtor. A Plataforma AgroAPI combina informações de satélites, clima e solo para apoiar startups, cooperativas e empresas do agro na criação de soluções próprias, democratizando o acesso a dados de alta resolução e fomentando inovação em diferentes cadeias produtivas. Com essas iniciativas e parcerias estratégicas com universidades, agtechs e organismos internacionais, a Embrapa consolida-se como elo central entre ciência agrícola e tecnologias espaciais, pavimentando o caminho para um agro mais digital, conectado e sustentável, capaz de responder de forma ágil a desafios climáticos e de mercado.
Para os especialistas ouvidos por PLANT PROJECT, essas iniciativas mostram como a utilização de satélites vai muito além das imagens estáticas. Segundo Lucas Fonseca, da StratoLit, a próxima fronteira está na conectividade rural habilitada por satélites de baixa órbita. “Com a popularização desses sistemas, será possível expandir o uso de sensores em áreas remotas, viabilizar comunicação direta entre dispositivos e oferecer análises quase em tempo real”, afirma. “Isso cria uma oportunidade de negócio mais acessível e escalável, transformando o espaço em parte essencial da tomada de decisão no campo.”

Os ganhos já são visíveis em termos de eficiência. A integração de imagens de satélite com dados de sensores de campo permite, por exemplo, reduzir custos de irrigação em até 30%, de acordo com estudos apresentados em feiras internacionais de agricultura digital. Em culturas como soja e milho, o uso combinado de previsão climática e detecção remota tem potencial de elevar a produtividade em até 10%, ao mesmo tempo que diminui a aplicação de insumos desnecessários.
Outras empresas também contribuem para esse ecossistema. A Hughes do Brasil, por meio de satélites geoestacionários, oferece conectividade em regiões agrícolas isoladas, viabilizando o uso de plataformas digitais no campo. A companhia tem se consolidado como fornecedora de soluções espaciais avançadas para o agronegócio, utilizando satélites de órbita terrestre baixa (LEO), redes privativas LTE e IoT via satélite. “O agronegócio é um setor relevante para o mundo todo, usando recursos diversos e que muitas vezes são escassos, seja água ou um bom solo”, diz Ricardo Amaral, vice-presidente de Vendas e Marketing Enterprise da Hughes do Brasil. “A tecnologia cada vez mais estará voltada a ajudar o ser humano a otimizar o uso desses recursos, com velocidade e praticidade. E, para isso, tecnologias como a de conexão via satélite tendem a cada vez mais aparecer com soluções para o agronegócio.”
O IoT Sat, solução desenvolvida pela Hughes para atender a operações críticas em regiões remotas, oferece uma combinação de terminais de satélite avançados, cobertura nacional e plataforma de gestão remota. Um exemplo de aplicação prática do sistema vem da parceria com a Soil Tecnologia, com a qual produtores rurais podem ter acesso à telemetria via satélite para pivôs de irrigação. A solução permite a gestão da água com eficiência mesmo em lugares longe de qualquer infraestrutura, com controle do equipamento na palma da mão por um aplicativo de celular, além de relatórios completos com consumo, irrigação precisa com ajuste em tempo real, alertas automáticos em caso de interrupções inesperadas e configurações para evitar gastos desnecessários.

Além do IoT Sat, a Hughes oferece redes privativas LTE ou 5G, personalizadas para atender às exigências dos produtores, especialmente pequenas e médias propriedades do agro. “Essa tecnologia é essencial para a adoção do Agro 4.0, pois atende a exigências de capacidade, latência, confiabilidade e segurança para aplicações industriais”, diz Amaral. No agronegócio, os benefícios incluem o monitoramento remoto de condições do solo, clima e saúde das plantações, permitindo decisões mais estratégicas e maior produtividade. Além disso, possibilita a automação de equipamentos agrícolas, como tratores e sistemas de irrigação, otimizando o uso de recursos e reduzindo custos operacionais. “O rastreamento de ativos e a gestão logística também são aprimorados, garantindo maior eficiência no transporte e armazenamento de produtos. A comunicação entre equipes se torna mais eficiente, com integração de voz, vídeo e dados em uma plataforma segura e confiável”, diz o executivo da Hughes do Brasil.
Apesar do avanço, os desafios permanecem. O custo de algumas soluções ainda é elevado e a dependência de importação de tecnologia pode limitar a escala. Também existe uma lacuna de capacitação para que pequenos e médios produtores adotem plenamente essas ferramentas. Além disso, a governança dos dados – quem coleta, processa e utiliza as informações – é uma preocupação crescente no setor. Ainda assim, o movimento parece irreversível. Em um país que depende da agricultura para responder à demanda global por alimentos, mas que também enfrenta pressões para reduzir emissões e preservar biomas, a integração entre agronegócio e setor espacial aparece como um caminho promissor. “O futuro do agro está nessa convergência: produzir mais, com menos impacto e com muito mais previsibilidade. E o espaço vai ser parte essencial dessa transformação”, diz Lucas Fonseca. Para Ricardo Amaral, da Hughes do Brasil, a adoção da tecnologia é apenas o começo. “Ela abre um mundo de possibilidades ao impulsionar a adoção de novas ferramentas que impactam diretamente na produtividade e eficiência do agronegócio”, afirma.
Como o agro se conecta ao espaço
Da previsão climática à gestão de irrigação, satélites, sensores e plataformas digitais transformam a agricultura
| Área de Aplicação | Tecnologia / Solução |
| Monitoramento climático e ambiental | – Sensores meteorológicos no campo (chuva, vento, temperatura, umidade) – Estações conectadas a satélites com transmissão em tempo real – Imagens de satélite para cobertura vegetal e riscos ambientais |
| Previsão e planejamento de safras | – Imagens de satélite de alta resolução – Sistemas de geoprocessamento e cruzamento de dados climáticos, de solo e produtividade – Algoritmos de inteligência artificial para estimativa de safra e detecção de anomalias |
| Gestão de irrigação e recursos hídricos | – Dispositivos IoT via satélite para monitoramento de irrigação – Controle remoto de lâmina de água e consumo de energia – Alertas automáticos e ajustes inteligentes de irrigação |
| Digitalização e conectividade rural | – Redes sem fio privadas adaptadas para propriedades rurais – Conectividade por satélite para monitoramento e automação de equipamentos – Integração de dados em tempo real para decisões e eficiência operacional |
| Agricultura de precisão e decisão estratégica | – Plataformas digitais que consolidam dados de sensores e satélites – IA para recomendações de plantio, defensivos e manejo do solo – Dashboards e alertas customizáveis para suporte à decisão |
| Mapeamento e conservação de terras | – Imagens multiespectrais e geoprocessamento para uso da terra – Classificação de vegetação e monitoramento de desmatamento – Integração de dados históricos e atuais para políticas de conservação |





