Por Ronaldo Luiz
Pela primeira vez, Goiânia (GO) sediou o DATAGRO Abertura de Safra – Soja, Milho e Algodão, evento que se consolida, ano após ano, como o ponto de partida para a nova safra de grãos que se aproxima. Organizado pela DATAGRO, o encontro chegou em 2025 a sua 6ª edição, reunindo mais de 500 pessoas no centro de convenção do World Trade Center da capital de Goiás, reafirmando a jornada de integração virtuosa entre as cadeias produtivas do agronegócio brasileiro. Segundo o anfitrião do evento, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, a conexão entre grãos, fibras, carnes, cana e biocombustíveis é um diferencial do Brasil e um exemplo real de industrialização do setor agro nacional. “O cultivo de grãos está na base dos biocombustíveis, com a soja no biodiesel, o milho no etanol, e também com os óleos vegetais, o farelo e o DDG, que são insumos para frangos, suínos e bovinos, num processo que resulta no crescimento de nossas exportações de carnes”, disse na cerimônia de abertura.
A evolução, ressaltou Nastari, foi planejada com a incorporação de tecnologias e novos modelos de negócios que vêm gerando desenvolvimento para o País. De acordo com Nastari, a agenda de transformação reforça, uma vez mais, o papel do Brasil para a segurança alimentar e energética global: “Precisamos que a atividade agropecuária seja reconhecida e valorizada”. O presidente da DATAGRO mencionou ainda a importante contribuição do agro como sumidouro de carbono, por meio do amplo conjunto de boas práticas implementadas pelo setor.
Também presente na solenidade de abertura, o secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás, Pedro Leonardo Rezende, que representou o governador Ronaldo Caiado, ressaltou o potencial do agronegócio goiano, que vem se diversificando de maneira acentuada nos últimos anos, inclusive com a viabilização de novas regiões produtoras, em especial o Vale do Araguaia. A cerimônia de abertura contou ainda com a presença do presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), André Rocha; do diretor superintendente do Sebrae-GO, Antônio Carlos de Souza Lima Neto; do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner; e da deputada federal Marussa Boldrin. Confira os principais destaques do evento:
Preços acomodados para os grãos e custos de produção mais altos
Às vésperas da safra de verão 2025/26, o cenário é de otimismo moderado. A expectativa inicial aponta para expansão da área plantada, ganhos de produtividade e colheita cheia. O entusiasmo, porém, convive com desafios importantes: preços acomodados das principais commodities, sobretudo soja e milho, e custos de produção em patamares mais altos. Esse foi o quadro traçado por especialistas reunidos no painel 1. “Ainda atravessamos um ciclo de baixa nas cotações, com valores apertados e custos maiores, então a safra nova será mais desafiadora que a anterior”, disse o líder da DATAGRO Grãos, Flávio Roberto de França Junior.
Segundo Rafael Mingoti, supervisor de grupo de pesquisa da Embrapa Territorial, a empresa pública tem se dedicado a mapear áreas do território brasileiro com potencial de fornecer matérias-primas para a produção de fertilizantes, buscando reduzir a dependência externa desses insumos. No pós-colheita, porém, persiste outro desafio estrutural: a infraestrutura logística, marcada pelo déficit de armazenagem de grãos, já que a produção nacional avança em ritmo superior à capacidade de estocagem do País.
Nessa agenda, o diretor executivo da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo), Glauber Silveira, destacou o potencial do Brasil para ampliar a área cultivada por meio da recuperação de pastagens degradadas. Estima-se que cerca de 40 milhões de hectares possam ser reconvertidos para a produção agropecuária. Em Goiás, por exemplo, há aproximadamente 10 milhões de hectares com esse potencial, segundo José Mário Schreiner, presidente da Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás) e vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Ele acrescentou, porém, que ainda persistem gargalos relacionados ao crédito e ao seguro rural.
Dependência da importação de fertilizantes traz riscos
A dependência do Brasil da importação de aproximadamente 85% das matérias-primas para a fabricação de fertilizantes é uma vulnerabilidade estrutural do agro brasileiro, alertou o diretor executivo da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), Ricardo Luiz Tortorella, no painel 2. “Nós importamos em torno de 41 milhões de toneladas de fertilizantes e produzimos somente 6 milhões, o que deixa o agro exposto a riscos de preços e de desabastecimento”, afirmou. Segundo Tortorella, ao depender da importação elevada, o Brasil acaba tendo que pagar o preço que é dado pelo mercado, com pouco poder de negociação. Além disso, a dependência do insumo de fora acarreta riscos ao abastecimento, sobretudo em tempos geopolíticos conturbados como o atual.
O dirigente da Anda ressaltou que o cenário precisa mudar, mas ainda falta impulso: comercialmente, continua mais vantajoso importar fertilizantes do que investir em uma indústria nacional. “Com os riscos de desabastecimento e de alta de preços, não se pode mais esperar”, alertou. Segundo Tortorella, uma das alternativas está no Plano Nacional de Fertilizantes, que reúne uma carteira de projetos voltados a ampliar a produção doméstica: “O País tem reservas, o setor não pede subsídios, mas sim segurança jurídica para produzir com sustentabilidade. Há um empreendimento com licença ambiental que está parado há 16 anos.”.
No painel moderado por Elcio Perpétuo Guimarães, chefe-geral da Embrapa Arroz e Feijão, o CEO da Agrion Fertilizantes, Ernani Judice, apresentou a empresa, especializada em adubos organominerais. A companhia adota um modelo de negócio inovador, instalando fábricas dentro das propriedades rurais. “Aproveitamos resíduos e sobras, como a vinhaça da cana, para formular nossos produtos, sempre com foco em soluções cada vez mais personalizadas”, disse.
Indústria processadora de grãos deve ficar atenta à reforma tributária
A reforma tributária deve alterar o ambiente da indústria de processamento de grãos, e investimentos previstos a partir de 2026 podem ser diretamente afetados. Segundo o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Guilherme Campos, os empresários precisam acompanhar de perto o cenário, já que as vantagens tributárias hoje oferecidas pelos estados podem mudar.
Segundo Priscila Valin, presidente da Comissão de Tributação da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a reforma tributária deve mudar a lógica das decisões no setor. “Hoje, muitos investimentos e até a instalação de plantas industriais se baseiam em incentivos fiscais”, afirmou. “Com a reforma, a vantagem competitiva deixará de vir do benefício tributário e passará a ser determinada pela eficiência.”
Agricultura e pecuária cada vez mais conectadas
O painel “Integração das cadeias de grãos e pecuária: geração de valor e novos mercados” enfatizou a crescente conexão entre agricultura e bovinocultura. “A pecuária atravessa um período de forte intensificação, sem estar mais ancorada na abertura de novas áreas”, ressaltou o líder da Área de Pecuária da DATAGRO, João Otávio Figueiredo. “Essa transformação inclui uso de dados para tomada de decisão, processos de rastreabilidade, aproveitamento cada vez maior de resíduos agrícolas como insumos para alimentação animal, diversificação de culturas e otimização logística.”
Sérgio Pellizzer, CEO da Fazenda Conforto, e Thiago Amorim, diretor de Pecuária da Agrojem, apresentaram as suas propriedades como exemplos da integração lavoura-pecuária. Nesse modelo, a pecuária também fornece dejetos, que funcionam como matéria-prima para a produção de fertilizantes para agricultura.
A competição do algodão com fibras sintéticas
Na década de 1960, o algodão representava cerca de 70% da matéria-prima utilizada pela indústria têxtil mundial, com as fibras sintéticas respondendo por apenas 30%. De lá para cá, o percentual se inverteu. Foi com esse recado que o diretor da Valença Têxtil, Sérgio Armando Benevides Filho, abriu o painel sobre a cotonicultura.
As fibras sintéticas, derivadas do petróleo, avançam na indústria têxtil mundial sobretudo pelo menor custo. Para recuperar espaço, o algodão precisa reforçar atributos que vão além do preço, como qualidade e sustentabilidade. A grande transformação ocorreu no campo da produção: o Brasil deixou de ser importador para se tornar o maior exportador mundial de algodão. No ano comercial 2023/24, encerrado em julho, o País embarcou 2,7 milhões de toneladas da fibra, um salto de 85% em relação à safra anterior, superando os Estados Unidos e assumindo a liderança global.
Infraestrutura logística não acompanha evolução do agro
A despeito de importantes avanços nos últimos anos, a infraestrutura logística de transporte e armazenagem não acompanha a evolução do agro brasileiro. “Atualmente, mais de 80% da soja e do milho ainda são transportados por rodovias, o que eleva os custos”, disse a representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes. “O frete rodoviário de Sorriso (MT) até a China, por exemplo, representa US$ 25 de um total de US$ 126 por tonelada exportada. Alternativas como ferrovias e hidrovias poderiam reduzir essa relação.”
Segundo Gabriel Fonseca, executivo da VLI Logística, os modais de transporte ainda apresentam forte desbalanceamento. Entre os avanços, destacou o aumento dos embarques pelos portos do Arco Norte. Já o presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), Anderson Pomini, anunciou investimentos de R$ 12,5 bilhões previstos para o terminal nos próximos anos.
O diretor da Conab, Thomé Luiz Guth, chamou a atenção para o déficit de armazenagem agrícola. “No Mato Grosso, por exemplo, a capacidade estática que em 2010 atendia 92% da produção hoje cobre apenas 42%, e esse cenário se repete em outros importantes estados produtores”, afirmou. Para reverter o quadro, Guth defendeu a adoção de políticas públicas de apoio ao produtor.





