Café em 3D 

Estudo usa modelagem digital de plantas e reguladores de crescimento para melhorar a maturação e a qualidade dos frutos em um cenário de mudanças climáticas
Edição: 49
27 de agosto de 2025

Por Evanildo da Silveira 

O futuro da produção de café depende cada vez mais da adoção de práticas de manejo inovadoras, capazes de conciliar produtividade, qualidade e sustentabilidade, especialmente diante de condições climáticas cada vez mais imprevisíveis. Essa é uma das principais conclusões de um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros, que analisaram como reguladores de crescimento vegetal e estratégias de irrigação impactam o desenvolvimento fisiológico e a qualidade dos frutos na fase de maturação. 

Com o uso de técnicas avançadas de modelagem funcional-estrutural de plantas (FSPM) e modelagem tridimensional, o estudo avaliou os efeitos do ácido giberélico (GA?) e do Ethephon aplicados em cafeeiros no início da maturação dos frutos. “A pesquisa buscou entender como esses tratamentos influenciam a área foliar, a fotossíntese, a uniformidade da maturação e a qualidade química dos grãos”, diz o professor Fabio Takeshi Matsunaga, mestre em Ciência da Computação e docente da UniSenai. 

Entre os objetivos do estudo estavam avaliar se os reguladores de crescimento impactam a atividade fotossintética e a área foliar ao longo da maturação, além de verificar sua influência na uniformidade dos frutos. A equipe também investigou como a distribuição vertical dos frutos na planta afeta a qualidade química e comparou o desempenho de plantas irrigadas e não irrigadas. 

As medições de campo foram realizadas em duas etapas: antes do início da irrigação, em março, e durante a maturação, em maio. Os reguladores foram aplicados em cafeeiros de sete anos de idade, e foram monitorados indicadores como trocas gasosas foliares, produtividade por estrato da planta e características químicas dos grãos. 

Para modelar as plantas em 3D, os pesquisadores utilizaram o software CoffeePlant3D, que reconstruiu com precisão a arquitetura dos cafeeiros com base em grafos de árvores multiescalares (MTGs). A modelagem permitiu estimar variáveis como distribuição de folhas e frutos, área foliar total e fotossíntese média diária. Esses dados simulados foram validados com as medições de campo. 

Segundo Matsunaga, a modelagem foi crucial porque seria inviável medir manualmente todos os galhos de plantas adultas. “Fizemos medições completas apenas de alguns ramos, e com base nesses dados geramos representações virtuais da planta real”, afirma. Para completar a estrutura, algoritmos matemáticos foram usados para estimar características dos galhos não medidos, como número de folhas, comprimento, ramificação e posição dos frutos. “Seria praticamente impossível realizar esse nível de detalhamento manualmente no campo”, diz o pesquisador. 

Outro recurso empregado foi o software VegeStar, que integrou dados climáticos locais à estrutura 3D da planta, permitindo simular a fotossíntese com base na posição de cada folha e sua exposição à luz solar ao longo do dia. “A modelagem 3D nos permitiu análises que seriam extremamente limitadas com observações tradicionais, tornando possível prever o comportamento fisiológico da planta diante de diferentes tratamentos”, afirma Matsunaga. 

Os resultados foram expressivos. O tratamento melhorou significativamente a uniformidade da maturação dos frutos e reduziu o teor de ácido clorogênico – um composto que, em excesso, pode afetar negativamente o sabor do café. Já o Ethephon apresentou melhor desempenho na produção de frutos maduros no estrato médio da planta (entre 80 e 160 cm), embora com menor teor de massa seca comparado ao GA?. 

A irrigação também teve impacto decisivo. Cafeeiros que receberam irrigação controlada por seis semanas apresentaram maior preservação da área foliar, fotossíntese mais eficiente e melhora tanto na produtividade quanto na qualidade química dos grãos. Embora o processo tenha retardado levemente a maturação, compensou ao evitar perdas significativas de rendimento e qualidade. Por outro lado, plantas não irrigadas registraram redução expressiva na produção de frutos vermelhos, menor área foliar e queda na atividade fotossintética, evidenciando os efeitos negativos mesmo de déficits hídricos de curta duração. 

Para Matsunaga, o principal diferencial do trabalho foi integrar a análise da distribuição dos frutos nos ramos com o funcionamento fisiológico da planta como um todo, por meio da FSPM e da modelagem 3D: “Confirmamos que os reguladores de crescimento, especialmente o GA?, favorecem a maturação uniforme dos frutos e que a irrigação sustentável, quando aplicada estrategicamente, preserva a fisiologia da planta e melhora a produtividade.”. 

Na prática, o estudo oferece diretrizes valiosas para o manejo de cafeeiros, especialmente em relação ao uso racional de reguladores de crescimento e da irrigação em momentos-chave do ciclo da planta. “Essas ferramentas permitem ganhos significativos em qualidade e produtividade, contribuindo para uma cafeicultura mais eficiente e sustentável”, ressalta o pesquisador. 

Além do impacto prático, a pesquisa representa um marco acadêmico: é a primeira vez que a modelagem funcional-estrutural foi aplicada para estudar os efeitos de reguladores de crescimento em cafeeiros. Ao integrar fisiologia vegetal, agricultura digital e inteligência computacional, o trabalho abre novas perspectivas para compreender, prever e otimizar processos biológicos complexos. 

Em um cenário de mudanças climáticas e exigências crescentes por sustentabilidade, o uso de tecnologias digitais avançadas tende a se tornar indispensável. Para a cafeicultura brasileira, uma das mais relevantes do mundo, a incorporação de ferramentas como a modelagem 3D pode ser decisiva para aumentar a eficiência, garantir qualidade e manter competitividade no mercado global. 

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