Edição 39 - 10.11.23
Em sintonia com o rápido processo de digitalização do agronegócio brasileiro, gigantes do setor ampliam suas apostas em hubs voltados para a inovação
Por Lívia Andrade
O mais recente relatório Radar Agtech, a principal fonte de informações sobre as empresas de base tecnológica do agronegócio, indica que o Brasil possui 1.703 startups dedicadas ao setor. Em geral, essas companhias têm custos baixos, mas um potencial de crescimento rápido, podendo – em pouco tempo – gerar fortunas com inovações que os departamentos de Pesquisa & Desenvolvimento de grandes companhias demorariam anos para desenvolver. Por essa razão, gigantes do agro, como Basf, dsm-firmenich, Koppert e Raízen, decidiram criar seus próprios hubs de inovação, que, além de atrair startups para o seu campo de atuação, selecionam as mais maduras ou com mais sinergia para as suas necessidades.
O Gazebo é um exemplo. Trata-se do hub de inovação da holandesa Koppert, grande referência em controle biológico no mundo, que chegou ao Brasil em 2011. Lançado em 2020, o Gazebo fica no Parque Tecnológico de Piracicaba (SP), conhecido como Vale do Silício do agronegócio brasileiro. No ano passado, a Koppert estruturou o fundo Gazebo no modelo de Corporate Venture Capital, que terá uma oferta inicial de até R$ 50 milhões. “Com sua expertise no setor, a Koppert faz o pente-fino e sinaliza para os investidores que há um modelo de negócio com potencial de crescimento na cadeia dos defensivos biológicos”, diz Felipe Itihara, gerente de Inovação da Koppert.
Startup de Ribeirão Preto (SP) voltada à conexão de produtores rurais com apicultores, a AgroBee foi a primeira investida, tendo recebido um aporte de R$ 1 milhão do Gazebo.
Há oito áreas prioritárias dentro do Gazebo: desenvolvimento de novos produtos, acesso ao mercado, gestão da propriedade, aplicação de bioinsumos, manejo integrado, monitoramento da lavoura, gestão da emissão de gases do efeito estudo e uso racional de águas. Atualmente, o hub tem cerca de 200 startups em seu portfólio. Algumas delas estão com a tese sendo analisada por investidores e, em breve, novos aportes devem ser anunciados.
Uma das empresas no radar é a e-Trap, de monitoramento remoto de pragas, uma iniciativa que surgiu dentro da Koppert e, logo, deverá se tornar uma empresa independente, com investimentos do Gazebo. Além da e-Trap, há novos aportes no horizonte. “Estamos na fase de análises de números e esperamos anunciar investimentos em breve”, diz Itihara.
Com seis anos de trajetória, o Pulse – hub de inovação da Raízen – é um exemplo de como a inovação aberta pode ser um catalisador do desenvolvimento de empresas, além de uma importante ferramenta de gestão, auxiliando na redução de custos. “O Pulse começou voltado às demandas do agro, mas o modelo se consolidou e expandimos para todas as áreas estratégicas da companhia, do campo ao posto”, diz Ricardo Campo, coordenador de Inovação Digital da Raízen e gestor do Pulse. Atualmente, o hub tem mil startups na sua base de dados e parceria com 58 delas. “Não fazemos investimento efetivo em equity, em participação”, prossegue o executivo. “Nosso modelo é testar em campo, nos terminais e bioparques, ou soluções de nuvens. Aquilo que tem viabilidade técnica e econômica para investir em recorrência, nós contratamos.”
Um bom exemplo é a IoTag, startup de Curitiba selecionada numa chamada aberta do Pulse, que envolvia a Vivo e a Wayra, braço de inovação da Vivo. “Como queríamos mais previsibilidade e autonomia na gestão do maquinário em campo, a Raízen, por meio do Pulse, uniu-se à Case IH, marca referência em tecnologia e inovação, e à IoTag, startup de telemetria de maquinário e manutenção preditiva, para aprimorar o desempenho e a disponibilidade da frota agrícola”, diz o gestor do Pulse. O problema era a falta de telemetria nos equipamentos. Nesse contexto, a IoTag desenvolveu uma solução que, por meio de interface com o operador e a utilização de internet das coisas (IoT), detecta as necessidades de reparo das máquinas.
Inicialmente, a solução da IoTag lia apenas os dados da Case IH. Mas a startup fez um projeto-piloto na Raízen e validou a ferramenta white label, uma linha aberta, não exclusiva de uma determinada empresa. O desenvolvimento coincidiu com o período em que a Raízen concluiu a aquisição da Biosev, uma das maiores empresas do setor, que precisava de soluções em telemetria. Conclusão: a IoTag emplacou a contratação de 200 ativos já no primeiro contrato. Embora o Pulse não aporte dinheiro nas startups, o fato de uma startup ter sido validada e contratada pela Raízen é chamariz para novos clientes e investidores.
Outro caso de destaque é o da Arable, uma startup americana de agrometeorologia, que chegou ao Brasil e procurou a Raízen para tropicalizar as suas tecnologias para cana-de-açúcar. A ferramenta foi testada e validada. Depois, o Pulse viu uma oportunidade de inscrevê-la numa chamada do fundo de impacto da Bonsucro, que é a principal entidade de certificação de boas práticas no segmento. “Aplicamos o projeto, fomos aceitos e estamos desenvolvendo na região de Araçatuba a solução de agrometeorologia para produtores, que passam por uma situação de estresse hídrico diferente”, diz Campo. “A solução vai permitir uma melhor tomada de decisão e até redução de uso de defensivos, a partir da premissa do clima.”
De fato, os players do agronegócio brasileiro fincaram raízes no mundo das startups. A Fazenda Basf é uma plataforma de conteúdo, cuja ideia surgiu pouco antes da pandemia, quando a multinacional alemã contratou Marina Maia Ribeiro, agora gerente de Comunicação e Marca da Divisão de Soluções para Agricultura, para fazer a transição digital. “A ideia da fazenda é ser um hub de conteúdo, já que o agricultor brasileiro é extremamente digitalizado”, diz Ribeiro. “Percebemos uma mudança do perfil do agricultor.”
Ela tem razão. Segundo um estudo feito pela consultoria McKinsey, o produtor nacional é mais conectado do que o americano. No Brasil, 70% dos pesquisados utilizam canais
digitais para compras, enquanto nos Estados Unidos o índice é de 53%. A Fazenda Basf nasceu já atenta a essa realidade. Trata-se, em linhas gerais, de um metaverso que tem a cara de uma fazenda real. Em cada espaço virtual, há uma série de vídeos curtos, em média com dois minutos cada um, que respondem dúvidas do usuário. Há também a reprodução virtual do Centro Tecnológico de Tratamento de Semente (CTTS). Desde que foi lançada, a Fazenda Basf registra 500 mil visitas.
Lançado em julho deste ano, o dsm-firmenich Hub de Inovação está instalado no escritório da multinacional suíço-holandesa em Belo Horizonte (MG) e tem a ambição de projetar o País para o mundo. Referência em nutrição animal com a marca Tortuga, a dsm-firmenich escolheu o Brasil para liderar a pecuária de precisão, considerada estratégica para a expansão da empresa nos próximos anos. Para isso, em agosto de 2021, o brasileiro Sergio Schuler, vice-presidente de Nutrição e Saúde Animal para Ruminantes da dsm-firmenich, chamou para o time a executiva Vanessa Porto, que assumiu a diretoria de Integração e Inovação Digital.
Durante três meses, Schuler e Porto rodaram a América Latina no processo de due diligence, fazendo pesquisas minuciosas sobre empresas de base tecnológica do setor. Chegaram assim à Prodap, uma empresa brasileira de 40 anos fundada por Sérgio Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Apesar de quatro décadas de trajetória, a Prodap tem uma mentalidade de startup. Trabalha com inovação aberta, tem profissionais com ideias disruptivas e está alicerçada no método ágil.
Há cinco anos, a Prodap passou a desenvolver o algoritmo de inteligência artificial Lore, além de outras ferramentas. Era a companhia certa, no momento certo. Em setembro do ano passado, a dsm-firmenich selou a compra da Prodap. “Queremos preservar o máximo da cultura e mentalidade da empresa”, diz Porto. Agora, a ideia é que a Prodap seja o guarda-chuva de todas as ferramentas digitais e serviços de tecnologia da dsm-firmenich.