Edição 40 - 07.01.24
O agro brasileiro se prepara para quebrar novas marcas em 2024, apesar das turbulências no cenário doméstico e internacional
Por Lucas Bresser
Projeções recentes mostram que o PIB do agronegócio deverá alcançar R$ 2,63 trilhões em 2023. Sob qualquer ângulo que se olhe, trata-se de desempenho extraordinário. Se o número for confirmado, deverá equivaler a 24,4% de toda a riqueza produzida no País. Embora distante do recorde de 2021, quando a participação do agro no PIB foi de 26,7%, a cifra revela a força irrefreável do setor. Como será em 2024? Para responder a essa pergunta, PLANT PROJECT consultou especialistas de diversas áreas do conhecimento, que ajudaram a traçar um panorama possível dos negócios do campo no ano que vem. Apesar dos inúmeros desafios macroeconômicos, climáticos, geopolíticos, sociais e tecnológicos, o agronegócio brasileiro encontrará em 2024 um horizonte repleto de oportunidades.
É consenso entre os especialistas que investimentos consistentes e a modernização do campo têm funcionado como vacinas relativamente eficazes para os sustos pregados pelos grandes eventos internos e externos. Em muitos casos, o agronegócio tem conseguido transformar os desafios em oportunidades de crescimento. Ainda há, entretanto, grandes desafios pela frente. Os extremos climáticos são um exemplo da resiliência do setor. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) analisou as temperaturas médias do ar no Brasil de julho a outubro, revelando um cenário de calor acima da média histórica. Em 2023, setembro se destacou, registrando um desvio significativo de 1,6 grau Celsius acima da média de 1991/2020.
O calor extremo foi impulsionado pelo fenômeno meteorológico El Niño, que também causa seca no Norte/Nordeste, temperaturas elevadas e alteração no regime de chuvas no Centro-Oeste e Sudeste e aumento das chuvas no Sul. Em setembro, a região de Porto Alegre (RS) registrou precipitações recordes, com 410 milímetros acumulados. A elevação global da temperatura terrestre e dos oceanos contribui para a ocorrência maior de desastres naturais que têm grande potencial de prejudicar o campo. A produção agropecuária nacional tem tentado se adaptar, usando de planejamento, tecnologia e biotecnologia.
A expectativa dos cientistas para 2024 é de mais um período desafiador. Em comunicado recente, a Organização das Nações Unidas (ONU) informou que o El Niño deverá persistir no próximo ano. A ONU destaca a importância de monitorar de perto os desdobramentos e adotar medidas adequadas para lidar com os impactos potenciais dessas condições climáticas prolongadas, algo que o setor agropecuário brasileiro tem tentado fazer. “O risco climático, como todo risco, você não elimina, você gerencia”, diz Maria Flávia Tavares, economista, doutora em Agronegócio, consultora e professora no MBA em Gestão em Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV). “No Sul do Brasil, vimos tudo o que aconteceu por causa da chuva. Os impactos são inevitáveis, mas os produtores têm seguido em frente.”
Entre as medidas que foram adotadas nacionalmente e deverão evoluir nos próximos anos estão o uso de tecnologias de monitoramento climático, investimento em pesquisa para desenvolvimento de culturas mais resistentes e adaptação de sistemas de irrigação eficientes. Além disso, programas de capacitação para agricultores visam promover práticas agrícolas resilientes às mudanças climáticas, buscando assegurar a produtividade.
Essas medidas, entretanto, não tornam o setor imune aos eventos extremos. “Apesar de estarmos mais preparados e termos mais tecnologias, o Brasil tem poucas áreas irrigadas e depende muito do clima”, diz Paulo de Tarso Ziccardi, diretor de Agronegócios da gigante de consultoria Accenture. “Se não houver redução da intensidade do El Niño, poderemos ter impactos relevantes.” Para o consultor em Agronegócios Carlos Cogo, as consequências da chuva no Sul do Brasil já são visíveis e perdurarão no próximo ano. “O clima é uma grande preocupação e, além de impactar a safra, vem atrasando decisões importantes de investimento, compra de maquinário e insumos”, afirma.
A adoção de tecnologia é um dos grandes fatores por trás da tentativa de criação do agro “à prova de futuro”. Destacam-se nesse cenário a agricultura de precisão, que utiliza dados geoespaciais para gerenciar variabilidades no campo, aumentando a produtividade e reduzindo custos. Além disso, a Internet das Coisas (IoT) permite o monitoramento remoto de equipamentos, o que otimiza a gestão agrícola. Por sua vez, a implementação de drones e sensores contribui para o mapeamento de áreas extensas e a identificação de problemas rapidamente. Tais tecnologias fortalecem a posição do Brasil como líder global na produção agrícola. “O uso de dados faz muita diferença para o agro”, diz Ziccardi.
Há, no entanto, desafios associados a toda essa evolução – e que precisam ser enfrentados em 2024 e mais à frente. Um deles diz respeito justamente à quantidade de dados coletados. Em muitos casos, a organização, visualização e utilização dessas informações ainda é complexa. “A dificuldade é conseguir transformar tudo isso em algo simples”, afirma Ziccardi. De acordo com o diretor da Accenture, as novas ferramentas vão se beneficiar da mais recente revolução no mundo da tecnologia: a inteligência artificial generativa, capaz de aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma base de dados.
Mas será que todos estão prontos para colher os frutos dos avanços nos modelos de trabalho do campo? A pergunta traz consigo outros riscos associados à evolução do agro globalmente. Um deles se refere à perda de competitividade daqueles que não conseguirem acompanhar o ritmo acelerado das mudanças previstas para 2024 e para os anos seguintes. Se boa parte dos ganhos de produtividade se baseia na adoção de novas práticas, no melhoramento genético das variedades de sementes e rebanhos e na implementação de tecnologias de dados, aqueles que seguirem no modelo antigo poderão rapidamente sofrer as consequências econômicas da defasagem. A necessidade de qualificação de mão de obra está diretamente ligada a isso. “Você tem as máquinas, mas não encontra profissionais qualificados para operá-las”, diz Maria Flávia Tavares.
Em alguns casos, trata-se também de uma questão sucessória e geracional. Segundo a professora, muitos dos empreendimentos familiares no agro brasileiro encontram dificuldades no processo de sucessão. Dados de um estudo da consultoria PWC mostram que apenas 36% das empresas familiares conseguem perdurar até a segunda geração. Esse índice diminui ainda mais em relação às gerações subsequentes, com apenas 19% mantendo-se na terceira geração, e somente 7% conseguindo alcançar a quarta geração. “O produtor trabalhou muito, conseguiu alcançar uma certa segurança e mandou os filhos estudarem na cidade”, diz Maria Flávia. Seguindo outras carreiras, a nova geração nem sempre está disposta a assumir os negócios da família. Ao mesmo tempo, a solução para esse dilema pode estar na própria evolução do setor, que se torna mais atrativo conforme se moderniza. A professora estima que, atualmente, 40% de seus alunos de MBA e pós-graduação sejam de filhos de agricultores que buscaram carreiras como medicina, odontologia e psicologia e, agora, estão voltando para o campo.
No cenário econômico e geopolítico, o agronegócio brasileiro tem que ficar de olho em diversos fatores externos e internos em 2024. As altas taxas de juros associadas a uma inflação ainda elevada, a continuidade do conflito entre Rússia e Ucrânia, com impacto direto no preço e na disponibilidade de insumos, as consequências da guerra entre Israel e Hamas – com a potencial elevação dos preços dos combustíveis –, a desaceleração econômica da China e o aumento das tensões diplomáticas do gigante asiático com os Estados Unidos estão entre os cenários que serão monitorados de perto pelos principais players do setor.
De maneira geral, o Brasil tem conseguido lidar melhor com os soluços externos e as variações nos preços. “A maioria das commodities deve mais ou menos voltar aos preços históricos”, diz Pedro Abel Vieira Junior, pesquisador da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). “O negócio não está ruim, mas também não está maravilhoso.” Um dos exemplos da capacidade de adaptação do campo foi a busca de alternativas após a explosão nos preços dos fertilizantes por causa do conflito entre Rússia e Ucrânia. O Brasil ocupa a quarta posição no ranking global de consumo de fertilizantes, sendo também o maior importador mundial desses insumos.
De acordo com a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), 85% dos fertilizantes consumidos no País são provenientes de importações, sendo que a Rússia contribuía com 23% desse volume. Em 2022, houve uma redução de 8,4% no volume de fertilizantes importados pelo Brasil. No entanto, os gastos aumentaram significativamente, alcançando uma elevação de 63% em relação a 2021. O custo total foi de US$ 25 bilhões para 38 milhões de toneladas. No ano anterior, o País havia importado 41 milhões de toneladas de fertilizantes, despendendo US$ 15 bilhões, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Agora os preços de fertilizantes voltaram aos patamares pré-conflito e o Brasil estruturou acordos de importação de outros países, como Estados Unidos e Canadá, reduzindo a dependência da Rússia.
Para 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê expansão menor do PIB chinês, de 4,6%, contra 5,4% em 2023, em meio à contínua fraqueza no setor imobiliário e a demanda externa contida. Apesar disso, o agro do Brasil tem razões para otimismo. No início de abril, o presidente Lula visitou o gigante asiático acompanhado de uma delegação que incluía diversos representantes do setor agropecuário. Durante a agenda oficial, foram formalizados 25 acordos bilaterais, visando fortalecer ainda mais os laços com o principal parceiro comercial do Brasil.
Em 2022, a China desempenhou um papel significativo, sendo responsável por US$ 50,7 bilhões dos US$ 158,8 bilhões exportados pelo setor agropecuário brasileiro, conforme indicado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Os documentos assinados pelos representantes do Brasil e da China destacam a abertura do mercado chinês para novos produtos brasileiros, simplificação dos procedimentos de exportação, investimentos e transferência de tecnologia para a indústria agropecuária. Além disso, os protocolos incluem ações conjuntas no combate à fome global e a possibilidade de realizar negociações sem a necessidade do uso do dólar. “As importações da China são uma questão de soberania alimentar”, diz a professora Maria Flávia Tavares, destacando que, apesar da desaceleração econômica chinesa, o Brasil ainda se manterá com papel de destaque entre os parceiros comerciais da nação asiática.
A esses fatores que podem influenciar os negócios em 2024, as lideranças do setor acrescentam ainda outros três: a continuidade da aplicação de medidas protecionistas, as eleições municipais no Brasil e o novo governo na Argentina, liderado pelo ultraliberal Javier Milei. “O aspecto geopolítico e econômico mais importante continuará a ser o protecionismo”, diz Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), entidade que reúne 70 associadas da cadeia do agronegócio.
Para o executivo, leis como o Green Deal europeu, que estabelece uma série de medidas visando à neutralização das emissões de carbono no continente – o que dificulta a entrada de produtos estrangeiros –, e o Inflation Reduction Act (IRA), nos Estados Unidos, que destinou US$ 18 bilhões em novos financiamentos especificamente para atividades de agricultura e silvicultura “climaticamente inteligentes” (CSAF), podem representar barreiras às exportações brasileiras. “Além disso, internamente teremos eleições municipais que podem acirrar populismos, que são sempre muito negativos para a economia e o agro”, diz Carvalho.
Na Argentina, grande parceiro comercial do Brasil e um dos maiores exportadores de commodities agrícolas, a expectativa é pela adoção de um modelo econômico mais liberal, com menor poder do Estado e mais controle privado. Os eventuais impactos disso, no entanto, não devem ser sentidos de imediato. “O problema da Argentina é tão grave, que nenhum resultado deve aparecer ainda em 2024”, diz o consultor em Agronegócios Carlos Cogo. “Algumas coisas até podem ter início no primeiro semestre, como uma eventual movimentação de estoques retidos, impactando para baixo os preços em geral, mas isso ainda é incerto.”
Se por um lado as pressões europeias e americanas por descarbonização – acompanhadas de generosos incentivos à produção doméstica – representam um desafio para o agroexportador, por outro o cultivo sustentável se mostra como uma tendência irreversível, trazendo novas oportunidades para o País em 2024. “Temos que nos ajustar a essa nova realidade e aproveitar os valores importantes e positivos que o Brasil tem no campo das bioenergias e das commodities agrícolas de baixa emissão de carbono”, diz o presidente da Abag.
Impulsionado pela regulação governamental que dita os percentuais de áreas de proteção e recuperação segundo as regiões do País, os produtores buscam adaptar o manejo às exigências maiores dos consumidores dentro e fora do Brasil. “O sistema produtivo brasileiro é sustentável e está superalinhado com as práticas requeridas pelo mundo”, afirma Paulo de Tarso Ziccardi. É preciso, no entanto, avançar ainda mais na adoção dessas medidas, sem perder a competitividade. “O prêmio que se paga pelo produto mais sustentável e saudável tende a desaparecer”, afirma Vieira Junior, da Embrapa. “E novas certificações tendem a criar outros parâmetros de avaliação para os produtores.”
Ao mesmo tempo, o País é referência na produção de biocombustíveis a partir de etanol e milho, usando também os subprodutos dessa indústria para gerar energia elétrica mais limpa. Em 2024, esses aspectos serão ainda mais valorizados. “O consumidor impacta cada vez mais as cadeias produtivas”, diz Maria Flávia Tavares. “Hoje em dia, o caminho é mais da mesa ao campo do que do campo à mesa, revertendo a lógica do passado.”
Segundo a especialista, uso de bioinsumos, integração entre lavoura, pecuária e floresta, cuidados cada vez mais criteriosos com o bem-estar animal e adoção de práticas de governança ESG estão entre os muitos exemplos de como o agro brasileiro evoluiu. “Alguns produtores estão até financiando educação para funcionários e seus familiares”, afirma. Por fim, a pressão dos grandes bancos e fundos de investimento por um campo cada vez mais sustentável significa que a cadeia produtiva como um todo será continuamente impulsionada nessa direção. Neste Réveillon, o verde será a cor obrigatória.