Cervejas com musicalidade

Por Romualdo Venâncio A relação entre sabor e ritmo deu um novo significado para o termo “harmo


Edição 23 - 17.01.21

Por Romualdo Venâncio

A relação entre sabor e ritmo deu um novo significado para o termo “harmonização” no universo cervejeiro no Brasil. A musicalidade se tornou um item tão valioso para aprimorar as receitas das bebidas quanto dos negócios. E com uma versatilidade que não se vê em outros países. A diversidade de ingredientes tropicais abre um leque gigante de combinações entre sons e sabores, que vão desde a marcação vibrante do samba até a agressividade do heavy metal, com suas guitarras gritantes. A recompensa vem com o aquecimento do mercado e rótulos premiados. 

A combinação brasileira mais abrangente entre música e cerveja é certamente a criação da Brassaria Ampolis, fabricante de “diuréticos diferenciadis”, como diz Sandro Gomes, um dos sócios da empresa. A cervejaria, que faz parte do Grupo Petrópolis, nasceu como uma homenagem ao pai de Sandro: ele é filho de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum. Famoso como músico por sua participação no grupo “Os Originais do Samba” e mais ainda como humorista, ao fazer parte do quarteto “Os Trapalhões”, Mussum era uma figura muito carismática, divertida, tinha um dialeto peculiar e uma admiração única pelos “mésis”. 

Até por isso os primeiros rótulos da Ampolis, lançados em 2013, eram autoexplicativos, como a vienna lager Biritis, a primeira do portfólio. Depois vieram a session ipa Forévis e a wheat beer DiTriguis. O objetivo inicial era atender alguns poucos pontos de venda no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas o cenário mudou rapidamente. “Assim que saiu a notícia de que ‘vem aí a cerveja do Mussum’, a procura foi imediata em todos os pontos do Brasil e a gente não tinha nem como suprir a demanda”, diz Sandro. “Sabíamos do carinho de todos, mas subestimamos um pouquinho o que hoje a gente chama, brincando, de ‘The Power of Mussum’”, acrescenta Diogo Mello, também sócio da Ampolis. 

Um ano depois, a Ampolis lançou a Cacildis, cerveja concebida para ser o carro-chefe. “Ela veio para conquistar o volume, é uma premium american lager com alta bebabilidade, para ser consumida em qualquer ocasião”, descreve Sandro, que mais uma vez foi surpreendido. A crescente demanda e a diversidade do público consumidor da Cacildis mostraram que a popularidade do Mussum é um diferencial único e atemporal, considerando que o artista faleceu em 1994. “É uma relação que vai além de uma simples cerveja, é uma love brand, as pessoas têm um vínculo emocional com a Cacildis que não têm com nenhuma outra marca”, afirma Diogo. 

Essa é uma relação bem local, mais restrita ao público brasileiro, que se divertiu com o Mussum ou descobriu seus talentos mais tarde nos registros audiovisuais e tem essa conexão cultural. Mas quando se trata de qualidade e sabor, o reconhecimento não tem fronteira. Em 2018, a Cacildis foi medalha de ouro no World Beer Awards, na categoria Lager (style Internacional Lager). Na mesma edição do prêmio, a cervejaria conquistou bronze com a Biritis, na categoria Lager (style Vienna), e com a Forévis, na categoria IPA (style Session). 

Do samba ao metal

Outra cerveja nacional premiada na Europa é a Trooper Brasil Ipa. Produzida pela Bodebrown (Curitiba, PR), ela foi lançada em 2019, durante o Mondial de la Bière, evento realizado no Pier Mauá, no Rio de Janeiro. No início de novembro de 2020, o rótulo foi medalha de prata na nona edição do Brussels Beer Challenge, o primeiro concurso profissional de cervejas da Bélgica, na categoria Flavoured Beer – Chocolate. “Esse é um dos principais concursos de cerveja do mundo”, comenta, orgulhoso, Victor Oliveira, o diretor de Marketing da Bodebrown. Para quem gosta de cerveja e heavy metal, não é difícil juntar os pontos para entender qual é a relação musical nessa história e qual é sua dimensão. 

O nome da cerveja é uma referência à música “The Trooper”, um dos grandes sucessos do Iron Maiden, a histórica banda de heavy metal nascida na Inglaterra, em meados dos anos 1970, e que se tornou também um exemplo para o mundo dos negócios. Principalmente pela inquietação de seu frontman, Bruce Dickinson, vocalista, empresário, piloto de avião – é ele quem conduz o Ed Force One, o Boeing 747-400 Jumbo da própria banda –, esgrimista e, entre outras coisas, mestre cervejeiro. “Ele tem uma resposta muito rápida para os sabores”, comenta Victor, sobre a habilidade de Bruce experimentando cervejas. 

A Trooper Brasil Ipa também é uma cerveja original do Iron Maiden, e foi desenvolvida em parceira pela Bodebrown e pela banda, representada pelo Bruce. O mais interessante é que foi o grupo quem procurou a cervejaria. Os irmãos Samuel e Paulo Cavalcanti, proprietários da Bodebrown, costumam rodar o mundo em busca de informação, conhecimento, novas ideias e oportunidades de negócio. E por isso já cultivavam boas relações no mercado inglês, a ponto de serem convidados pela Adnams Brewery para produzir uma pale ale lá na Inglaterra. “Essa cerveja foi distribuída em muitos bares, levando o nome da Bodebrown, e alguém deve tê-la apresentado ao pessoal do Iron”, diz Victor. 

Em um primeiro encontro com Bruce, os irmãos Cavalcanti mostraram a ele alguns de seus rótulos e o vocalista se encantou com a Cacau IPA, porque ele queria mesmo algo com referências tropicais. Embora o cacau seja o grande diferencial da nova cerveja, a combinação dos outros ingredientes reforça a pegada tropical, como os lúpulos amarillo e korasheis, mais cítricos, e o sabro, que tem notas de coco. “E há ainda quatro tipos de malte que fazem essa conexão com os lúpulos, e a combinação toda dá uma impressão de chocolate branco”, diz Victor. 

O gerente de Marketing da Bodebrown conta que o cacau é fornecido em sementes torradas, por uma fazenda de Ilhéus, na Bahia. Já os lúpulos são, na maioria das vezes, importados. “É um desafio, porque depende muito de características climáticas e de solo. Temos muitas plantações no Brasil, mas não atendem tanto o que precisamos”, afirma Victor. Nas duas situações, certamente há oportunidades para o agronegócio brasileiro. 

Por falar em oportunidades, a Trooper representa um salto nos negócios da Bodebrown, pois com pouco mais de um ano de existência a cerveja é a que ocupa mais espaço no armazenamento da empresa, que tem capacidade para 180 mil litros. A associação à imagem do Iron Maiden, que tem uma enorme legião de fãs no Brasil, deu uma projeção gigante para a marca, que avançou sobre as fronteiras do nicho de cervejas artesanais e entrou nas mais diversas redes de supermercado, inclusive as que atendem um público mais popular, como a Condor, no Paraná, e o Dia, em São Paulo. Victor conta que já existem planos de outros rótulos ligados a bandas, mas os projetos ainda estão em análise, até por conta da infraestrutura para produção. Aguardemos.

Do swing ao hard rock

A Cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), é uma das indústrias que apostam alto nessa receita de música e cerveja. Conhecida por explorar sabores tipicamente brasileiros, a empresa lançou em outubro de 2019 a “Tropicana”, uma cerveja fruit beer com umbu e cajá, ingredientes que vieram da música “Morena Tropicana”, de Alceu Valença. 

Um ano depois, a Colorado apresentou uma nova fórmula de sabor e ritmo, agora com mais swing e um toque de goiabada para atiçar a curiosidade do público. Em outubro de 2020, chegou ao mercado a cerveja summer ale “Do Leme ao Pontal”, inspirada, claro, em Tim Maia. Com a “Do Leme ao Pontal”, a Colorado também trouxe mais musicalidade para sua estratégia de marketing, criando uma playlist com grandes sucessos do “síndico” Tim Maia no Spotify. Lá o público encontra ainda o link para ir direto à página da cerveja no site da empresa. 

A Companhia Brasileira de Cerveja Artesanal (CBCA), dona das cervejarias Leauven (Piracicaba, SP), Schornstein (Pomerade, SC) e Seasons (Porto Alegre, RS), também investiu nessa mistura, mas com um formato diferente de negócio. Em setembro de 2020, a empresa anunciou uma parceria com Matt Sorum, ex-baterista do Guns N’ Roses, uma das principais bandas de hard rock que surgiram nos anos 1980. Juntos, Sorum e a CBCA lançaram a cerveja american larger “The Drummer”, que será fabricada no Brasil e comercializada na Califórnia, nos Estados Unidos, onde o músico mora. Toda a estratégia de lançamento e posicionamento do novo rótulo está sendo realizado pela agência Global Shooper. 

Trooper IPA Brasil
Cervejaria Bodebrown (Curitiba – PR)
Session Ipa
5% de grau alcoólico
21 IBU
Resultado de uma parceria com o Iron Maiden, a histórica banda de heavy metal que já têm vários rótulos produzidos na Inglaterra. A combinação do cacau com outros ingredientes com sabor tropical deixa a cerveja mais leve e com nível de drinkability mais alto.

Cacildis
Brassaria Ampolis (Petrópolis – RJ)
American Lager
4,6% de teor alcoólico
13 IBU
A Cacildis surgiu com a proposta de ganhar espaço no segmento de cervejas premium e trazer a imagem do músico e humorista Mussum para a rotina das pessoas, como diz Sandro Gomes, filho do artista e sócio da Ampolis. Segundo ele, “o resultado é muito positivo”.  

Do Leme ao Pontal
Cervejaria Colorado (Ribeirão Preto – SP)
Summer Ale
5% de teor alcoólico
20 IBU
A goiabada deixou de ser somente a sobremesa, como cantava Tim Maia, ela entrou também na cerveja. Esse toque de tropicalidade deixou a novidade da Colorado com sabor frutado e um leve dulçor.

Tropicana
Cervejaria Colorado (Ribeirão Preto – SP)
Fruit Beer
4,3% de teor alcoólico
10 IBU
Misturar umbu e cajá na cerveja só pode ser coisa de brasileiro, no melhor sentido da expressão. Ainda que o Alceu Valença seja conhecido mundo afora, em que outro país se imaginaria tal combinação? Como não poderia deixar de ser, a Tropicana tem sabor frutado e um leve dulçor.

The Drummer
CBCA
American lager
A cerveja é uma parceria comercial entre a CBCA e o ex-baterista do Guns N’ Roses, Matt Sorum, que já chama o rótulo de “a cerveja do rock’n’roll”. Fabricada por aqui, será exportada para a Califórnia.

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