O provocador da Maggi

Por Luiz Fernando Sá Neto de André e sobrinho de Blairo, Leonardo Maggi Ribeiro faz parte de uma d


Edição 22 - 19.11.20

Por Luiz Fernando Sá

Neto de André e sobrinho de Blairo, Leonardo Maggi Ribeiro faz parte de uma dinastia do agronegócio brasileiro. Entre os integrantes da terceira geração da família, ele virou sinônimo de produção de soja no Mato Grosso nas últimas quatro décadas e é o único com assento no Conselho de Administração do Grupo AMaggi, que engloba os diversos braços de negócios do clã – nenhum deles tem função executiva nas companhias, conforme determina o estatuto do grupo. Mas Leo, como é chamado, tem um papel relevante para o futuro das empresas. “Sou o chefe da provocação”, resume, com humor, a função de head de Inovação que lhe foi conferida pelo comando da companhia. 

A provocação tem surtido efeito. Nos últimos anos, Leo tem sido o responsável por uma mudança na percepção, interna e externa, da AMaggi. Ficaram um pouco de lado os números superlativos do grupo, que já conferiram ao ex-ministro Blairo Maggi o título de rei da soja décadas atrás, e entraram no foco a mensagem de modernidade e a relação com a tecnologia. “O fato de a AMaggi ter começado a se expor mais nessa área de tecnologia é uma provocação mesmo para atrair soluções para cá”, explica Leo. 

O “cá” refere-se às operações do grupo nas diversas áreas de atuação – agrícola, comercialização de commodities, logística e geração de energia –, mas também ao Mato Grosso, estado em que a família de origem paranaense se estabeleceu há mais de 45 anos. “Em uma conversa com um amigo aqui de Cuiabá, que hoje tem uma startup em Portugal, ouvi dele uma frase que me despertou: ‘Como maior centro de produtividade do Brasil, é inadmissível que o Mato Grosso não seja o centro da tecnologia do agro’. Ele tinha toda razão”, conta.

Recentemente, o próprio Leonardo passou a ganhar mais exposição, tornando-se a jovem face dos Maggi em ambientes que antes eles pouco frequentavam, como encontros com jovens empreendedores e hubs de tecnologia. Nesta entrevista exclusiva à PLANT, ele revisita alguns episódios que levaram a essa mudança e clareia alguns dos planos que devem moldar os próximos anos do grupo – e, por que não, do agronegócio nacional. Confira a seguir alguns dos principais trechos.

Viagem ao Vale

O marco mais visível da transformação do grupo foi uma missão que levou a liderança executiva da AMaggi ao Vale do Silício, na Califórnia (EUA), há pouco mais de um ano. Ganhou publicidade graças a postagens de Blairo nas redes sociais (reproduzidas na reportagem “A Influência Leve de Blairo Maggi”, publicada na edição 19 da PLANT), em que o ex-ministro expressava seu espanto com o impacto que novas tecnologias poderiam trazer ao agronegócio. “Aquilo que o Blairo citou foi apenas a ponta do iceberg”, afirma Leo sobre aquela que chama de “a famosa viagem”.

O jovem Maggi já havia estado na Califórnia antes. “Na primeira vez que vi tudo aqui, deu um nó na minha cabeça. A gente entende que o mundo está bombando lá fora e que precisamos ver outras coisas. Mas sobretudo a gente compreende uma coisa: se algo pode matar o seu negócio, por que não pode ser o seu próximo negócio? Ninguém quer ser uma Kodak”, diz ele, referindo-se à empresa que foi sinônimo de fotografia e, por não se atualizar, acabou sucumbindo ao universo das imagens digitais.

“Mas é difícil mudar a mentalidade. Voltei convencido a levar o nosso pessoal da AMaggi para lá. Levou quase um ano entre minha primeira ida e a viagem. O Blairo foi, mas incrédulo. Depois, as reações lá eram incrédulas. Entendemos que o agro assim como a construção civil e a mineração são a bola da vez. São coisas fixas, pesadas e volumosas, por isso são as últimas a ser ‘disruptadas’”.

“A gente via muita coisa e se perguntava: ‘Isso vai matar nosso negócio?’ Concluímos que é um meio de alimentação a mais, mas que não podemos ficar parados. Tem business para todo mundo.”

“No pós-viagem, me colocaram como head de Inovação. Mas tem uma turma que entende muito mais de inovação do que eu, eu só fico provocando.

Inovação invisível

Desde então, a empresa começou a associar sua marca a eventos de tecnologia e hoje é uma das patrocinadoras do AgriHub Space, uma iniciativa criada pela Federação da Agricultura do Mato Grosso (Famato) para incentivar o desenvolvimento de soluções tecnológicas para os produtores do estado. Leonardo afirma, no entanto, que o espírito inovador permeia as ações da companhia, de maneira silenciosa, há várias décadas. 

“Temos feito inovações de forma orgânica, natural, sem ter uma área voltada para isso dentro da empresa. Aconteceram ao longo de sua história. Mato Grosso não produzia nada de soja quando meu avô, o Blairo e os dois genros chegaram. Começaram a produzir, construíram o maior armazém, trouxeram o transporte fluvial, no que fomos únicos durante muitos anos aqui no Brasil.”

“Nosso sistema de originação foi desenvolvido há décadas e ainda é a base do que utilizamos hoje. E nos últimos 10, 12 anos tem ocorrido uma transformação muito grande, principalmente na gestão da produção, porque é o que podemos fazer. No preço das commodities, não temos gestão. Isso depende do mercado internacional. No clima, também não.”

“Podemos ter gestão é nos custos da lavoura. Plantar na hora certa, fazer manejo o mais eficiente possível. É nessa janela que você consegue ter uma eficiência. Na AMaggi Agro, só de manejo o custo é de US$ 100 milhões ao ano. Imagine uma melhora de 1% de eficiência. É US$ 1 milhão no caixa, na veia.”

“Um trabalho como esse não acontece da noite para o dia, sair do papel para o high-tech. Há mais de dez anos saímos do papel para o digital, para o mobile e para as pessoas de campo.” 

O jeito Maggi de produzir tecnologia

Longe dos holofotes, o grupo desenvolveu dentro de casa grande parte das soluções que estão na base da sua transformação digital. 

“Começamos a pensar em tecnologia buscando eficiência e economia. Mas entendemos que era um fator fundamental para termos processos e sucessão. Até então, o conhecimento estava no cara do campo, no gerente. Trocava a pessoa e corríamos o risco de a roda parar.”

“Precisávamos de protocolos mais padronizados. Então, começamos a tirar do papel e levar para uma versão digital e levar o conhecimento para a ponta. Empoderar a ponta.”

“Não há um modelo certo e um errado [para inovar]. Muita coisa foi feita dentro do grupo. O que mais nos trouxe benefício foi o mix. Quando foi decidido que tínhamos essa dor e precisávamos atender a essa necessidade, não havia uma receita de bolo pronta. Trouxemos desenvolvedores externos. Nossa TI é apenas para fazer rodar.”

“Contratamos uma software house de Mato Grosso, colocamos dentro da fazenda e dissemos o nosso problema é esse. Eles foram aprendendo com a gente e fizeram um desenvolvimento a quatro mãos com nosso pessoal de campo. O projeto hoje continua sendo turbinado, mas foi feito assim.” 

“Nossos sistemas não são de mercado. Foi desenvolvido junto com a AMaggi, mas outras empresas utilizam. Tudo depende muito de o pessoal da ponta abraçar o sistema. Se ele não acredita, a informação não vai chegar. A informação errada é pior do que a não informação.”

“Houve um trabalho muito grande de conscientização e educação digital das equipes, de qualificação. Temos treinamento pra todo lado. No pós-pandemia, é tudo em salas de aula on-line. Treinamento faz parte das metas dos líderes de equipe.”

“A evolução vem de uns dez anos para cá. Hoje é uma das menos desorganizadas da indústria agro no País. A gente consegue ter informação e ela é disseminada. Todos os gerentes das fazendas sabem o que as outras estão fazendo, produzindo. Sabem custos e resultados. Têm tudo na palma da mão. A informação existe e é utilizada.”

Fórmula 1 no campo

No cotidiano do grupo, os exemplos de adoção de tecnologia se multiplicam, seja no campo, seja nos escritórios do grupo. Grande parte das rotinas diárias das equipes já é distribuída de forma digital para as equipes, que contam com equipamentos móveis. Todas as fazendas do grupo são mapeadas talhão por talhão e tudo que é utilizado em cada um deles é controlado à distância pelos gestores da empresa.

“Até pouco tempo atrás o pessoal ia fazer levantamento de praga, batia o pano e anotava o que via no papelzinho. Botava no bolso e repetia isso. À noite, jogava no Excel, mandava por e-mail para o escritório. No outro dia alguém ia pegar, para mandar pra Cuiabá, produzir um relatório… O número não era confiável. Hoje o pragueiro vai com tablets ou celular. Lança o que tem lá, tira fotografia com coordenadas. Está tudo automático no sistema, não tem de passar por compilações de nada. Tem a coordenada do talhão.”

“Temos controle na fazenda em que consigo ver quais as sementes que foram plantadas, que defensivo foi utilizado, quando entrou no estoque, quem aplicou, qual trator e o custo disso. Quanto de dinheiro foi aplicado em cada talhão de cada fazenda. Quantos dólares de óleo diesel está me custando cada talhão de cada lavoura.”

“O que não é medido não pode ser comparado, melhorado. Esse controle começou a dar indicadores para a AMaggi. Toda manhã, a equipe já tem todo o serviço que precisa ser feito. É como se fosse a Fórmula 1, cada um sabendo o que precisa fazer para não perder tempo.” 

O desafio da conectividade

Com a infraestrutura de TI já avançada, o grande desafio da AMaggi é o mesmo que aflige milhares de outros produtores, de todos os portes, em todo o País: conectividade.

“Preciso fazer máquina falar com sensor, falar com natureza e falar com gestão. Como vou fazer as centenas de censores que têm no campo conversarem? Máquina nova com máquina de dez anos? Sensores de meteorologia, dosagem? Nossa principal frente no agro é a da conectividade. Para ter uma internet mais ou menos nos cafundós do Mato Grosso, tem que penar.”

“Estamos muito próximos de ter um sistema totalmente integrado. Estamos investindo R$ 4 milhões nos últimos anos exclusivamente em conectividade, ativação de celular e torres 4G em parceria com a TIM. São mais de 100 mil hectares e 450 máquinas que precisam das informações de sensores de chuva e do radar meteorológico, que ainda estamos aprendendo a usar, interpretando o que nos traz. O projeto é ter tudo iluminado em 4G em dois ou três anos.”

“Precisamos começar a olhar pra frente, para o dia seguinte. Não me traz nada saber que choveu ontem em tal lugar. Quero saber o que ainda vai acontecer. Com isso, as equipes vão ter poder de mudar a ordem de serviço automaticamente, conforme as coisas vão acontecendo.”

A relação com startups e o agro investidor

Uma gigante do agro como a AMaggi é o cliente dos sonhos de toda agtech. Segundo Leonardo, as portas da empresa estão abertas a startups que tragam soluções para as dores da empresa. E não são poucas as que aparecem por lá.

“O principal acesso para elas sou eu. Escreve para mim, me liga. Mas a verdade é que há muito tempo estamos trabalhando com startups. Elas como provedoras de solução, nós como provedores de problema. Meu avô costumava dizer: ‘O que essa molecada está fazendo, temos de dar ouvidos e olhos.’”

“Temos olhado muita coisa. Aqui ainda não existe um braço de venture capital em que a gente faz aporte, investimentos. É um plano lógico, um movimento natural. Mas temos coparticipado em desenvolvimento de ferramentas em conjunto com algumas empresas. Um exemplo é o Cargueiro, que começou como ferramenta de digitalização de carta-frete e hoje é um marketplace para logística. Estamos lá com a Louis Dreyfus e há outras para entrar. Foi desenvolvido juntamente com outros investidores. Vimos esse tipo de ação como um caminho lógico, que vai reger todo o business e trazer ganhos para a companhia.”

“Plantar é como montar uma startup todo ano. Renova a cada safra. Tem uma turma jovem no agro, de 30 a 40 anos, que quer e vai atrás da tecnologia. Vai haver um crescente investimento nessa área, acredito nisso.” 

“No agro não tem essa de ‘eu preciso produzir mais que o fulano’. Quanto mais todos produzirem, melhor. O que fazemos não é fechado. Se contratei alguém para fazer algo que eu precisava e ele fez, ótimo. O agro é um setor mais aberto e isso favorece a inovação. Para a turma envolvida com inovação, a troca de informações enriquece os dois lados.”

“Hoje fazemos corporate venture de uma forma brejeira. Na família Maggi, cada um tem seu business. Um ou outro faz pequenos investimentos em tecnologia, seja anjo, seja seed. Um fundo de corporate venture capital é um movimento natural para nós. Muito em breve vai acontecer de forma muito estruturada.”

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