Insegurança, a praga que tira o sono dos produtores

Por Costábile Nicoletta Lagoas (MS), 19/1/2018 – Um produtor foi amarrado e atirado em uma vala p


Edição 8 - 27.03.18

Por Costábile Nicoletta

Lagoas (MS), 19/1/2018 – Um produtor foi amarrado e atirado em uma vala por membros de uma quadrilha, que invadiu sua propriedade e roubou várias cabeças de gado,
além de outros materiais.

Botucatu (SP), 29/1/2018 – Dois funcionários de uma fazenda foram rendidos por assaltantes armados
e trancados em um banheiro químico na propriedade no final da noite do dia 28. Após arrombar dois galpões, o grupo fugiu levando um caminhão, um carro Gol, uma motocicleta, um revólver calibre 38, 126 litros de óleo diesel, dois aparelhos de ar-condicionado e grande quantidade de defensivos agrícolas.

Itapirapuã (GO), 29/1/2018 – Vinte e cinco cabeças de gado foram roubadas durante a madrugada de uma fazenda no município, a 197 quilômetros de Goiânia. O caseiro estava dormindo em sua casa, que fica afastada do curral onde estavam os animais, e não ouviu a movimentação.

Piraí do Sul (PR), 17/1/2018 – A polícia do Paraná investiga o roubo de 52 cabeças de gado em uma chácara na região dos Campos Gerais do Paraná. O crime ocorreu na madrugada entre os dias 10 e 11 de janeiro. Ladrões armados invadiram a propriedade rural e renderam o caseiro, que foi mantido dentro de casa, sob a mira de um revólver. Os criminosos usaram dois caminhões para fugir com 35 bois e 17 bezerros.

Macapá (AP), 11/1/2018 – Um levantamento realizado pela Associação de Criadores do Amapá estimou em R$ 50 milhões de reais o prejuízo com roubo e furto no estado entre 2015 e 2016.

Eis uma colheita que ninguém gostaria de fazer. Tão fértil quanto as lavouras do País tem sido o noticiário policial tratando de furtos, roubos e outros crimes contra o patrimônio dos produtores brasileiros. Na mesma proporção dos exuberantes índices de crescimento e avanço tecnológico registrados pelo agronegócio tem crescido a atenção de ladrões cada vez mais sofisticados, interessados em se apropriar tanto das riquezas produzidas nas fazendas quanto dos insumos e equipamentos empregados nessas propriedades, pelo alto valor agregado em todos esses itens. Nas palavras do deputado estadual Sérgio Turra (PP-RS), que vem dedicando boa parte de seu mandato ao tema:
“O abigeato (roubo de gado) se requintou. Hoje, não é praticado apenas por um ladrão solitário com uma faca na mão. Agora, tem o perfil característico do crime organizado. São quadrilhas com comunicação, frotas de veículos
e armamento modernos, que aliciam trabalhadores rurais e roubam até mil cabeças de gado por ano. Há, também, furtos de agroquímicos, sementes e máquinas, que elevam ainda mais as perdas dos agricultores”.

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Embora o problema venha se acentuando em todas as regiões com forte atuação agropecuária, há poucas estatísticas confiáveis a respeito, na mesma proporção das providências esperadas pelos órgãos de segurança pública.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defrontou-se com essa situação ao tentar aprofundar-se nos detalhes desses tipos de crime. Solicitou dados às 27 secretarias estaduais de segurança do País, mas apenas quatro (São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Norte e Roraima) enviaram algum tipo de informação. A solução para traçar um diagnóstico e, a partir dele, propor soluções foi criar o Observatório da Criminalidade no Campo.

“Desenvolvemos um formulário para levantar dados diretamente com os produtores rurais, por meio dos sindicatos que atuam nos municípios, a fim de traçarmos um retrato da situação e sensibilizar o Governo, em todas as suas esferas, de que o problema já atingiu níveis graves”, diz André Sanches, secretário executivo do Instituto CNA (ICNA), órgão responsável pelo estudo. “Pretendemos fazer um grande evento ainda neste primeiro semestre com produtores, autoridades e especialistas em segurança, a fim de desenhar uma política de segurança pública específica para o meio rural.”

Os formulários já compilados no Observatório da Criminalidade no Campo contabilizam 184 ocorrências, a maior parte com relato de furtos (50%) e roubos (32%), e até assassinatos (3%). O índice de reincidência do crime na mesma propriedade é de 66%. É muito provável que se trate de pequena amostra de uma quantidade significativamente maior de delitos que não chegam a ser notificados à polícia ou não são registrados como crimes agropecuários, seja por descrença dos produtores rurais de que vale a pena ir a uma delegacia comunicar que foram vítimas de assalto, seja porque esses crimes não sejam tipificados como rurais. Grande parte dos poucos dados disponíveis não faz distinção entre crimes urbanos e agropecuários.

O prejuízo decorrente dessas delinquências não se restringe a quem ganha a vida no campo. Uma das hipóteses aventadas pela CNA – pela organização e sofisticação das quadrilhas – é que os produtos são roubados sob encomenda, pelo seu alto valor e pela facilidade de reintroduzi-los no mercado em relações comerciais “informais”, sem nota fiscal ou com documentação fria. No caso de gado de corte furtado, por exemplo, além de os ladrões
e os receptadores fraudarem suas vítimas e o Fisco, fazem chegar à mesa do consumidor uma carne sem a devida fiscalização sanitária, com todos os riscos que isso oferece.

“Essa informalidade é um convite à sonegação e um incentivo à criminalidade”, qualifica o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, ele próprio vítima de furto em sua propriedade em Minas Gerais. “Entraram com um caminhão à noite, passaram a madrugada ensacando o café a granel que estava guardado na tulha e levaram embora 150 sacas.”

O presidente da SRB aponta outro efeito do aumento da criminalidade no campo. Temerosos de deixar a produção estocada na fazenda à mercê dos gatunos, os produtores recorrem cada vez mais a armazéns de terceiros. “Todas as cooperativas de café, por exemplo, lotaram a ocupação dos armazéns Brasil afora”, diz Vieira. “Antes, os produtores deixavam parte da colheita na fazenda. Hoje, não dá mais. Estão sendo construídos novos armazéns, mas a oferta ainda está aquém da demanda.”

Se é difícil imaginar como um caminhão lotado de café roubado consegue circular sem nota fiscal, que dizer de um carregado de boi? A legislação determina a necessidade da Guia de Trânsito Animal (GTA) para esse tipo de carga. “Se os ladrões conseguem, é porque o crime está mais organizado ainda do que se pensa”, diz André Sanchez, do ICNA. “Não é permitido, por lei, transportar animais vivos sem a GTA, que tem de ser emitida pelo órgão de fiscalização sanitária animal estadual. Há uma série de burocracias necessárias que essas quadrilhas estão conseguindo burlar de alguma maneira.”

Na opinião do deputado gaúcho Sérgio Turra, o crime tem aumentado no campo porque o poder público não está devidamente aparelhado para coibir esses delitos e garantir mais segurança a um setor que entrega tanto ao Brasil. Com base nisso, no final do ano passado, Turra levou ao governo de seu estado uma ideia sugerida pelo Sindicato Rural de Dom Pedrito, no interior do Rio Grande do Sul, e foram criadas as Delegacias de Polícia Especializadas na Repressão aos Crimes Rurais e de Abigeato (Decrabs).

O Sindicato Rural de Dom Pedrito procurou Turra porque o deputado estadual havia criado a Frente Parlamentar de Combate aos Crimes Agropecuários para auxiliar o governo gaúcho na interlocução com as entidades representativas do agronegócio. Já se constituíram Decrabs em cinco municípios: Bagé, Camaquã, Santiago, Cruz Alta e Rosário do Sul. São cidades com maior incidência de delitos rurais, especialmente o abigeato, e também se localizam em região de fronteira.

Segundo Turra, as Decrabs foram precedidas de uma força-tarefa na polícia sul-rio-grandense para combater os crimes agropecuários. Em um ano, desbarataram-se 25 quadrilhas e foram presas 160 pessoas. “A diferença entre
a força-tarefa e a Decrab é que a delegacia especializada é permanente e empodera a força-tarefa, com poder de avocar inquéritos em qualquer parte do território gaúcho”, afirma o deputado. “Trata-se de uma medida para todas as entidades do agronegócio reivindicarem aos governos onde atuam”, reforça Marcelo Vieira, da SRB.

A polícia de Goiás dispõe de um aparato que fica no meio-termo entre a força-tarefa e a delegacia especializada. Trata-se do Grupo de Repressão a Crimes Rurais e de Divisas (GRCRD). De acordo com dados do site da polícia goiana, durante o primeiro semestre de 2017, o número de furtos de animais caiu mais de 60% nos 246 municípios do estado. O de roubos e furtos de máquinas agrícolas reduziu-se, respectivamente, 63% e 29%. E o furto de agrotóxicos também diminuiu 63%.

Em novembro, o GRCRD prendeu quatro homens suspeitos de roubar defensivos agrícolas de fazendas e revender em lojas especializadas. De acordo com a investigação, que durou cerca de um ano, os crimes causaram um prejuízo de pelo menos R$ 30 milhões. “Rio Grande do Sul e Goiás estão dando os primeiros passos mais sérios para combater os crimes rurais”, considera o deputado Sérgio Turra.

“O agronegócio é hoje, disparadamente, quem sustenta o Brasil. E o setor precisa receber de volta investimentos em segurança, em inteligência na investigação”, afirma José Fava Neto, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja de Goiás (Aprosoja Goiás), que entrou para as estatísticas em janeiro passado, quando 15 ladrões invadiram sua fazenda em Jaborandi, na divisa da Bahia com Goiás, e deixaram, segundo ele, prejuízo superior a R$ 1 milhão (leia o depoimento aqui).

Embora disponham de destacamentos policiais especializados em coibir crimes rurais, Rio Grande do Sul e Goiás não constam entre os estados que contribuíram com o Observatório da Criminalidade no Campo,
da CNA. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, que poderia centralizar esses dados, informou que está em processo de integração das bases de dados das secretarias estaduais de segurança pública, para que sejam disponibilizados no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).

Em nota, o ministério afirma ainda que “promove políticas para reequipamento das instituições de segurança pública, capacitação de profissionais da área e operações (por meio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, dentro de suas atribuições) em apoio aos estados, que são responsáveis pela prevenção e repressão qualificada ao crime e à violência, seja em áreas urbanas, seja em áreas rurais”.

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