Edição 4 - 18.10.17
Walter Horita chegou ao oeste da Bahia, nos anos 1980, com algumas dúvidas e muita esperança em relação aos 1,2 mil hectares que comprou com seus irmãos. Hoje, à frente de uma empresa com 98 mil hectares cultivados com algodão e soja, tem a certeza de que vive um dos melhores anos dessa trajetória
Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli, de Barreiras (BA)
Walter Horita não esconde a satisfação ao correr os campos de algodão da Fazenda Centúria, uma das seis unidades do Grupo Horita, e ver a lavoura uniforme, saudável e vigorosa. Em meados do mês de abril, o tapete verde de algodoeiros que se perde na linha do horizonte, ainda salpicado por flores brancas e rosadas, apresenta uma quantidade considerável de maçãs – os frutos ainda fechados que vão se transformar nos capulhos, o algodão propriamente dito. Agora é esperar que entre junho e agosto, quando tudo isso virar um mar branco e as colheitadeiras estiverem a todo vapor, seja confirmada a previsão das 300 arrobas por hectare. O valor de tal resultado vai além dos índices agronômicos. “Em 2016, por causa da estiagem, tivemos nosso pior ano em produtividade. No entanto, este será o melhor”, afirma o empresário, que acrescenta: “Por isso não se pode tomar decisões em relação ao futuro com base em apenas uma safra”.
Com uma área total que passa de 140 mil hectares no oeste da Bahia, o Grupo Horita se tornou uma das principais empresas do agronegócio brasileiro. Na temporada 2016/17, as terras cultivadas somaram 98 mil hectares, sendo 35 mil com algodão e 63 mil com soja. Para a próxima safra, a ideia é aumentar para cerca de 39 mil hectares a área de algodão, reduzir para próximo de 57 mil o espaço com soja e incluir 2,4 mil de milho. Em um futuro nada distante, a área total plantada deve chegar a 110 mil hectares com o acréscimo de mais 12 mil, que já estão preparados. “Só não aconteceu ainda porque decidimos esperar os resultados melhorarem”, explica Walter, que divide a sociedade do Grupo com os irmãos, Ricardo e Wilson.
Para se ter ideia de como o ano passado foi desafiador para a família Horita, a produtividade nas lavouras de algodão não passou de 177 arrobas por hectare, desempenho 40% inferior ao que se espera agora. Considerando que a cultura representa 60% do faturamento do Grupo, o impacto é ainda maior. “Diante de um quadro preocupante como esse, é preciso acreditar no seu negócio e buscar condições para reverter a situação”, diz Walter. Em outras palavras, estar seguro quanto ao potencial produtivo das fazendas. Tal segurança está diretamente relacionada à confiança mútua entre os irmãos Horita. Enquanto Ricardo e Wilson cuidam de todas as operações agrícolas, Walter responde pela direção-geral do Grupo, envolvendo as áreas administrativa, comercial, jurídica, entre outras. “Essa relação torna a gestão mais ágil e menos burocrática. Quando chega uma solicitação vinda dos meus irmãos, eu não questiono, pois tenho certeza de que estão buscando o melhor para a empresa”, afirma.
VALORES DE FAMÍLIA
A integração de Walter com seus irmãos já está arraigada em sua essência, é uma herança familiar que ganhou novas proporções no Cerrado da Bahia. Os três chegaram à região em 1984, com o aval e a supervisão do pai, Satoshi Horita. A família vivia em Floresta, no Paraná, onde tinha uma área de 73 hectares e plantava soja, milho e trigo. A exemplo do que havia acontecido no final da década de 1970, com produtores da Região Sul indo para Goiás e Mato Grosso, naquele período surgiu um fluxo migratório de agricultores paranaenses para o oeste baiano em busca de terras mais extensas e mais baratas. “O valor de um hectare onde morávamos comprava cinco aqui”, compara o empresário. Aproveitaram a oportunidade e adquiriram 1,2 mil hectares, dos quais 535 foram cultivados com soja, porque era o que mais se plantava na região naquela época.
“Não se pode tomar decisões em relação ao futuro com base em apenas uma safra”
Walter conta que esse início foi bem complicado, pois não havia o mínimo de infraestrutura para morarem nas terras recém-adquiridas. Para garantir o abastecimento de água – que serviria para todo e qualquer uso –, era necessário buscar com um caminhão pipa a uma distância de 30 quilômetros. “Moramos durante um período em barracas de camping até construírmos casas de madeira”, recorda. “Minha mãe, preocupada, chegou a sugerir que vendêssemos tudo e retornássemos ao Paraná.” Mas as perspectivas em relação àquela nova fronteira eram maiores que as dificuldades. Sem contar que os jovens agricultores levaram na bagagem a persistência e a perseverança que faziam parte da história da família.
Os avós de Walter vieram do Japão para o Brasil em 1938, trazendo também seu pai ainda criança, e foram trabalhar em lavouras de café e algodão no interior de São Paulo. O objetivo era retornar à terra natal assim que tivessem dinheiro suficiente. Mas a nova mudança de continente acabou dando lugar à troca do solo paulista pelo paranaense. O diretor do Grupo Horita conta que sua mãe, Ayaco, brasileira com ascendência japonesa, também teve jornadas árduas trabalhando na agricultura durante sua juventude. “Hoje, ela anda com a gente pelas fazendas e fica admirada com a mecanização de tudo, a agilidade das máquinas e toda a tecnologia que utilizamos”, comenta.
PRODUÇÃO DIFERENCIADA
A entrada do algodão nos negócios do Grupo Horita, em 1999, mudou os rumos da empresa. Por ser uma cultura bem mais exigente do que a soja, foi necessário evoluir em conhecimento técnico nas fazendas, o que promoveu um avanço tecnológico de maneira geral. A aplicação, de forma correta, do que há de mais moderno em termos de maquinário, genética e insumos, como fertilizantes e defensivos, é o que permitiu avançar ano a ano e almejar nesta safra, por exemplo, uma produtividade 17% maior do que a média do oeste da Bahia. O começo desse desempenho vem pelos cuidados com a preparação de solo. “É preciso plantar cinco anos de soja para entrar com o algodão”, explica Walter.
“Nunca repetimos uma cultura por mais de dois anos. Isso é uma coisa nossa, para ganharmos em sustentabilidade de produção”
O manejo é feito de maneira que as plantas tenham raízes longas, capazes de buscar no solo a água que pode faltar quando não chove. Enquanto a altura ideal do algodoeiro é de aproximadamente 1,30 metro, sua raiz pode atingir até 4 metros. A medida é tão impressionante que Walter fez questão de colocar em um quadro a raiz de uma das plantas da safra passada. O troféu que ele exibe com orgulho está em seu escritório, em Barreiras (BA). Essa extensão das raízes do algodoeiro é essencial, sobretudo, para o período em que a lavoura já está bem estabelecida e as chuvas não são mais necessárias. Nessa fase, as plantas preferem o clima mais seco e se abastecem da água que vem do solo.
Outro cuidado importante é a rotação entre as culturas de algodão, soja e milho. “Nunca repetimos uma cultura por mais de dois anos”, diz Walter. O rigor com esse intervalo é uma decisão bem específica do Grupo. “Isso é uma coisa nossa, para ganharmos em sustentabilidade de produção.” Por se tratar de plantas tão diferentes, esse rodízio ajuda até mesmo no controle de pragas, também uma prioridade nas fazendas da empresa. A tolerância é zero com inimigos como a lagarta Helicoverpa armigera e o besouro bicudo-do-algodoeiro. O empresário afirma que se não for dessa maneira, os riscos são grandes de não haver colheita, pois esses insetos se multiplicam rapidamente pelos campos e causam estragos gigantescos.
Boa parte da proteção das plantas começa pela escolha das sementes. Cerca de 80% das lavouras de algodão do Grupo Horita são transgênicas. O restante é de áreas de refúgio. As aplicações de agroquímicos nas fases de desenvolvimento e produção ajudam a assegurar a produtividade de 1,3 milhão de maçãs por hectare, o que Walter julga ser ideal para alcançar boa produtividade e o rendimento econômico que é de R$ 11 mil por hectare. Com tamanha exigência dos algodoeiros, o custo de produção também é elevado: aproximadamente R$ 8 mil por hectare. Como comparativo, a soja rende R$ 3,6 mil por hectare com custo de R$ 2,2 mil. A diferença é semelhante em relação ao maquinário, pois uma colheitadeira de algodão custa cerca de US$ 700 mil, enquanto a de soja custa em torno de US$ 400 mil.
A maior parte (70%) da fibra produzida pelos Horita vai para o mercado externo, principalmente para Ásia. No ano passado, exportaram até para a Turquia, que comprou 30% de todo o algodão que foi para fora. Por ser uma commodity, o produto já tem um padrão de qualidade preestabelecido. “Mas o fato de termos uma colheita totalmente mecanizada é um diferencial”, destaca Walter, que roda o mundo em busca de novos e lucrativos negócios.
APOSTA NAS PESSOAS
O Grupo Horita emprega cerca de 800 pessoas. As fazendas têm moradias para os funcionários e estão estruturadas de acordo com as legislações trabalhista e ambiental. Em cada propriedade há líderes que cuidam das moradias, dos refeitórios e do bem-estar dos colaboradores, e ainda equipes responsáveis por treinamento e capacitação de operadores de máquinas, técnicos agrícolas, gerentes de produção e agrônomos. Esses são alguns dos cuidados que a empresa procura ter para preservar e valorizar seus profissionais, criando oportunidades de evolução para todos. Afinal de contas, são parte fundamental no sucesso dos negócios.
Os irmãos Horita procuram participar ativamente da rotina de trabalho das várias divisões da empresa, acompanhando as atividades, levando orientação e dando suporte para a busca de soluções. Por não estar o tempo todo no campo, Walter aproveita cada oportunidade de visitar as fazendas para conversar com o pessoal que lida com a produção, se atualizar e conferir de perto as lavouras. O empresário sempre cita esse envolvimento e a atuação dos colaboradores como imprescindíveis para os resultados do Grupo. Segundo ele, o compartilhamento de informações em todos os níveis hierárquicos e a aceitação das sugestões de melhorias estão entre os fatores primordiais que levaram a empresa daqueles 1,2 mil hectares iniciais para a condição de uma das maiores produtoras de algodão do mundo.
“Fizemos parte do desenvolvimento de um local que há 30 anos não tinha expressão agrícola e hoje é uma referência em produtividade e utilização de tecnologia conciliada à preservação ambiental”
A relação de meritocracia também se aplica à nova geração. Tanto os filhos quanto os sobrinhos de Walter já participam, direta ou indiretamente, dos negócios. “Antes de assumirem de fato alguma posição na empresa, devem conhecer a produção agrícola, pois é nosso negócio”, comenta o diretor, que vê a sucessão familiar como algo positivo, que passa por planejamento e preparação. Na sua posição, por exemplo, é preciso ter firmeza e segurança em equilíbrio com o bom relacionamento e a flexibilidade. “As negociações são pesadas. Às vezes, em uma só conversa você fecha uma negociação de R$ 50 milhões. É uma grande responsabilidade”, avalia.
Em mais de três décadas no oeste da Bahia e com um crescimento tão expressivo, o Grupo Horita acabou promovendo uma transformação na região em que se instalou. “É muito gratificante saber que fizemos parte do desenvolvimento de um local que há 30 anos não tinha expressão agrícola e hoje é uma referência em produtividade e utilização de tecnologia conciliada à preservação ambiental”, comenta Walter. Uma presença dessa grandeza mexe com a comunidade no entorno das áreas de suas atividades, sejam as agrícolas, sejam as corporativas. Mesmo sem entrar em detalhes, o empresário confirma o direcionamento de parte do faturamento da companhia para instituições locais que realizam ações sociais.
WALTER YUKIO HORITA
53 anos, casado
(com Maria de Fátima Dourado Horita, tem três filhos – Vanessa, Vitor e Leticia – e uma neta, Mariah)
Diretor do Grupo Horita (Barreiras, BA)
Formação: Engenharia de Produção Mecânica pela USP (1988)
Faturamento: não revelado
Divisão do faturamento: 60% algodão e 40% soja
Área total da empresa na Bahia: 140 mil hectares
Área plantada: 98 mil hectares – 35 mil com algodão e 63 mil com soja
Produção: 10,5 milhões de arrobas de algodão e 3,8 milhões de sacas de soja
Hobbies: no tempo livre, gosta de ficar com a família
Outras atividades: membro da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)
Unidades Agrícolas do Grupo HoritaUnidades Agrícolas do Grupo Horita
Centúria (Formosa do Rio Preto – BA) 51.800 hectares
Timbaúba (Luís Eduardo Magalhães – BA) 9.902 hectares
Querubim (São Desidério – BA) 12.851 hectares
Acalanto (São Desidério – BA) 6.165 hectares
Ventura (São Desidério – BA) 10.434 hectares
Sagarana (Correntina – BA) 6.965 hectares
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