Edição 5 - 19.10.17
Quando entendeu que a produção agrícola é uma relação de troca com a natureza, Franke Dijkstra abandonou o arado e iniciou um processo de reconstrução e preservação de suas terras, que se tornou modelo para o Brasil
Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli, de Carambeí (PR)
A produtividade média das lavouras brasileiras do milho de primeira safra chegou a quase 5,5 mil quilos por hectare na temporada 2016/17. É o que mostra o levantamento feito em junho pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Esse é o maior índice já registrado na série de estudos da instituição. Na Fazenda Frank’Anna, localizada na cidade de Carambeí, na região dos Campos Gerais do Paraná, esse índice passou de 13 mil quilos por hectare, e a meta é chegar a 15 mil, volume já alcançado em parte das áreas destinadas à produção de grãos. “A combinação das características de cada área com as variedades de milho que utilizamos gera resultados diferentes, inclusive de uma safra para outra”, explica Franke Dijkstra, o fundador da Frank’Anna.
Dijkstra nasceu na Holanda, mas já está no Brasil há 70 anos. “Cheguei aqui com 5 anos de idade”, diz o produtor, que veio para o lado de cá do Oceano Atlântico em companhia dos pais e de seis irmãos. A família trouxe ainda seu criatório de gado de leite, naturalmente, da raça Holandesa. “Naquela época havia poucos exemplares puros de origem. Meu pai inclusive retornou à Holanda três vezes para buscar mais animais”, recorda Dijkstra. A exemplo de diversos outros grupos de imigrantes, a saída da Europa foi motivada pelas consequências da Segunda Guerra Mundial. A definição do destino geográfico deu-se porque um tio do agricultor já estava no Paraná desde 1938, e havia gostado muito da região.
O projeto agropecuário da Frank’Anna começou em 1958, em 90 hectares de terra. Hoje, a fazenda é uma holding familiar, que já está sob os cuidados de Richard e Elisabeth, os filhos do casal Margaretha Anna e Dijkstra. Os negócios agora ocupam 2 mil hectares próprios e mais 400 arrendados e estão divididos em dois segmentos: o agrícola, que é dirigido por Richard, e o pecuário (gado de leite e suínos), que tem à frente Maurício Greidanus, o marido de Elisabeth. A produção de grãos ocupa 600 hectares e, na safra de verão, é dividida 50% com milho e 50% com soja. Embora ainda acompanhe de perto os passos e os resultados da empresa, o patriarca diz que a gestão não depende mais de sua participação. “O grande êxito da fazenda hoje é resultado do trabalho deles, que entendem muito mais das atuais tecnologias e soluções.”
“O solo é nosso maior patrimônio. Temos de preservá–lo da melhor maneira possível”
Por mais correto que esteja Dijkstra em sua colocação, boa parte da evolução de suas terras em termos de produtividade vem exatamente de uma inovação que ele implantou na fazenda em 1976. Foi naquele ano que, desafiando opiniões contrárias e olhares desconfiados, o produtor abraçou o plantio direto. Primeiro, em uma pequena área, mas logo em seguida passou a utilizar a técnica em toda a propriedade. Como lhe é peculiar, a decisão não foi tomada ao acaso. Muito pelo contrário.
O COMEÇO DA MUDANÇA
A primeira vez que ouviu falar sobre plantio direto foi por meio de um técnico agrícola que havia lido um livro de Louis Bromfield (1896-1956), no qual o autor norte-americano sugeria não mais arar a terra. O premiado escritor e roteirista também se tornou mundialmente conhecido pelos experimentos que realizou em sua propriedade, a Malabar Farm (Wichita Falls, Texas, EUA), para reverter o quadro de deterioração do solo, já muito fraco em nutrientes e com marcas de erosão.
Essa era também a condição que vinha se alastrando na Fazenda Frank’Anna devido à exploração excessiva das terras. A primeira cultura plantada na propriedade foi o arroz, que por uma questão mercadológica logo deu espaço ao milho. A baixa produtividade das lavouras demandou uma busca por saídas que aquecessem os negócios. “Nos anos 1960 passamos a trabalhar também com trigo e soja, até arrendamos mais áreas para plantar. A possibilidade de compor uma rotação de culturas parecia uma maravilha. Mas não foi bem assim”, lembra Dijkstra. A movimentação para preparar o solo duas vezes ao ano acabou trazendo sérias consequências. O processo de erosão ficou quatro vezes mais rápido e acendeu a luz de emergência. “Precisávamos achar uma solução. Muitos produtores foram para o Mato Grosso, onde as terras eram planas. Mas eu não queria sair daqui.”
Dijkstra até saiu de Carambeí, mas para buscar conhecimento e retornar. Em 1972, foi aos Estados Unidos para saber mais sobre o plantio direto e voltou convencido de que a resposta para sua fazenda era não movimentar mais o solo. Pouco tempo depois, uma feliz coincidência fortaleceu aquela escolha. Em um encontro casual, outro agricultor da região, Manuel Henrique Pereira, o Nonô, lhe contou que também havia optado pelo plantio direto. Daí para a frente, a proximidade de ambos só aumentou, seja para discutir a teoria, seja para avaliar a aplicação prática. A dupla foi buscar o apoio de um especialista em efeitos de máquinas sobre o solo, o engenheiro agrônomo holandês Hans Peeten, que prestou o auxílio técnico para a implantação do sistema.
“Você não vai colher mais do que plantou. Mas, se fizer tudo com precisão e qualidade, vai funcionar”
Quando os resultados começaram a aparecer, Dijkstra sentiu que deveria compartilhar a experiência. “Se temos esse conhecimento e estamos convencidos de que é o caminho certo, temos de repassar”, observa. Teve início uma sequência de palestras por diversas regiões, o que rapidamente difundiu o plantio direto. O agricultor ressalta ter sido muito importante o apoio de instituições de pesquisa como o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Em 1983, o presidente da Embrapa à época, Eliseu Alves, achou que seria caro e complicado para os produtores aderirem ao plantio direto”, comenta Dijkstra, que continua: “Mas assim que mostramos o que estávamos conseguindo, quais eram os avanços e de onde tirávamos informações, ele não só ficou convencido como deixou claro o interesse em firmarmos um convênio para divulgar a tecnologia”.
Por causa da peregrinação dentro e fora do País para compartilhar tal conhecimento, Dijkstra se tornou uma espécie de embaixador do plantio direto e conquistou o respeito de muita gente importante no setor. É o caso de Alysson Paolinelli, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). “Franke Dijkstra foi um grande pioneiro, não só porque acreditava na tecnologia que estava implantando, mas porque fez de sua propriedade um difusor de tecnologia”, afirma o dirigente, que também é produtor e uma das mais significativas lideranças do agronegócio brasileiro. “O impacto do sistema de plantio direto foi muito grande na redução das perdas e na conservação do solo, na diminuição de adubação e ganhos de produtividade”, acrescenta.
Para Paolinelli, a população urbana, que de maneira geral desconhece até a origem dos alimentos, deveria ser informada sobre esses avanços da produção agrícola. “Se temos uma tecnologia que reduz fortemente os danos que eram causados ao meio ambiente antes dela, é de extrema importância que se diga ao homem da cidade que o campo está cuidando para que haja sustentabilidade”, comenta. E reforça que essa comunicação é responsabilidade do próprio meio rural.
EFICIÊNCIA PRODUTIVA
Entre as principais vantagens do plantio direto, Dijkstra ressalta a reconstrução da qualidade do solo. Segundo ele, ao longo dos anos há um processo de capitalização da terra com matéria orgânica, e essa é a base para o armazenamento de nutrientes e água. É preciso ter paciência e ser persistente, pois a transformação ocorre de forma lenta e gradativa. Além disso, esse sistema não vai gerar os resultados esperados se utilizado isoladamente. “Há todo um sistema de produção com fatores como a rotação de cultura que o agricultor precisa aderir”, orienta o produtor. “Em áreas onde tiramos a forrageira e toda a massa verde, a cada dois anos fazemos duas coberturas só para alimentar o solo, que é o nosso maior patrimônio e temos de preservá-lo da melhor maneira possível”, acrescenta.
Esse é o alicerce para se alcançar a meta de produtividade média de milho em 15 mil quilos por hectare. Mas há muito mais fatores que entram nessa equação, como explica Richard Dijkstra: “Precisamos escolher materiais genéticos superiores em termos de potencial produtivo, acertar na adubação e contar com a ajuda do clima”. A precisão na agricultura é outro fator decisivo para se chegar aos objetivos de colheita. “A gente deve realizar o plantio da melhor maneira possível, fazer as intervenções na hora certa e de maneira correta, organizar os talhões e trabalhar com maquinário de primeira linha”, afirma Richard, lembrando que, se o começo não for bem feito, não há como corrigir mais adiante. “Você não vai colher mais do que plantou, mas, se fizer tudo com precisão e qualidade, vai funcionar.”
A adubação é outro ponto forte no manejo das lavouras da Frank’Anna. O esterco gerado pela unidade pecuária vai para um sistema de compostagem e depois segue por uma tubulação para ser distribuído nos campos por meio de fertirrigação. Com os solos já bem corrigidos por conta do plantio direto, esse material orgânico potencializa os resultados e promove economia de insumos. “Reduzimos bastante a deposição de fósforo. Entramos com uma aplicação mínima apenas para fortalecer a emergência das plantas”, explica Richard.
“É a necessidade que estimula a busca de soluções. Aqui, precisávamos de pesquisas próprias para definir o que de fato era melhor para nós”
A margem de acerto na utilização dos insumos ainda é favorecida pelo direcionamento técnico que vem da Fundação ABC, órgão de pesquisa criado pelas cooperativas Frísia (antiga Batavo), Capal e Castrolanda em 1984. O objetivo era exatamente gerar conhecimento de forma transparente e sem vínculos com interesses comerciais, ou seja, analisar e definir quais os insumos mais adequados às características de cada região. Como essa independência tem custo, cada produtor associado às três cooperativas paga uma taxa de R$ 25 por hectare. Franke Dijkstra foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Fundação ABC. “É a necessidade que estimula a busca de soluções, e aqui precisávamos de pesquisas próprias para definir o que de fato era melhor para nós”, diz o produtor. “Já são mais de 500 experimentos que nos indicam o que dá mais resultado.”
Os ganhos em qualidade também ajudam a buscar melhores oportunidades comerciais. Embora o milho seja uma commodity com padrões de grão predefinidos, há a possibilidade de encontrar nichos mais atraentes no mercado externo, mesmo sendo menores e regionais. A busca por melhor rentabilidade é uma constante na Frank’Anna e, nos próximos anos, pode até mexer com a representatividade do milho nos negócios da empresa. Richard explica que, além do custo de produção muito elevado, falta uma política nacional mais apropriada para o segmento.
OUTRAS ATIVIDADES
A produtividade nos campos de soja da Frank’Anna é superior a 4,6 mil quilos por hectare. Na divisão de pecuária, o gado de leite é um destaque, e segue os mesmos princípios de qualidade em todo o processo e de busca por alta produtividade. Ao todo, são 1.430 fêmeas da raça Holandesa, das quais 700 estão em lactação com produção média de 37 litros/dia. A ideia é chegar a mil vacas em coleta de leite em um prazo de três anos. Na suinocultura, o volume é de aproximadamente 800 animais terminados por mês.
Em breve, pode haver novidades nos negócios da família. Richard e seu filho do meio, que é engenheiro agrônomo, começaram uma produção de cerveja, apenas como um hobby. “Quando ele tinha uns 19 anos, pediu de presente de aniversário algumas panelas para fazer cerveja”, conta Richard. “Na primeira tentativa, conseguimos uma pilsen razoável. Na segunda, fizemos uma weiss que ficou muito boa e empolgou”, acrescenta. “Agora, nosso carro-chefe é uma german lager.”
Enquanto isso, Franke Dijkstra procura se dedicar um pouco mais aos momentos de tranquilidade em seu apartamento na praia, onde aproveita para colocar a leitura em dia. “Leio de tudo um pouco, mas gosto muito de história. Sempre me dá um norte e ajuda a conhecer mais o ser humano e a entender melhor o que dá certo ou não na vida”, comenta o produtor.
FRANKE DIJKSTRA
75 anos, casado
Fundador da Fazenda Frank’Anna: a empresa é hoje uma holding e os negócios foram passados aos filhos
Área total da propriedade: 2 mil hectares – há mais 400 hectares arrendados
Área destinada à produção de grãos: 600 hectares – na safra de verão, 50% das terras são plantadas com milho e os outros 50% com soja
Produtividade: O índice médio nas lavouras de milho é superior a 13 mil quilos por hectare, e a meta é chegar a 15 mil hectares
Outras atividades:
Pecuária leiteira – 700 vacas da raça Holandesa em lactação com produção média de 37 litros por dia. A meta é chegar a mil vacas em ordenha no prazo de três anos;
Produção de suínos – cerca de 800 animais acabados por mês
Hobbies: Velejar, pescar e ler
Desejo: Espera ver a educação mais valorizada, pois entende que é o caminho para começar a reduzir desigualdades sociais. Para o agricultor, cada cidadão deve ter seu desafio e uma possibilidade de vida, de futuro.
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