Tem um robô na cozinha do restaurante

Por Marius Robles* Nove em cada dez consumidores americanos costumam sair para comer em restaurantes


Edição 11 - 04.10.18

Por Marius Robles*

Nove em cada dez consumidores americanos costumam sair para comer em restaurantes, movimentando um setor que gerou quase US$ 800 bilhões em vendas em 2017 – valor 4,3% superior ao do ano anterior, segundo a Associação Nacional de Restaurantes. Com isso, o faturamento do setor cresceu 2,5% no ano passado, chegando a 36,024 bilhões de euros, segundo a empresa de pesquisa de mercado The PND Group.

Esses aumentos de consumo não passaram despercebidos por uma série de startups, que há pelo menos seis anos têm como foco hackear os restaurantes. Isso  significa otimizar, digitalizar, automatizar e ajudar no aumento de vendas de restaurantes e na sua relação com o cliente. Desde 2012 foram investidos mais de US$2,5 bilhões em um total de 600  startups de“restaurante techs”. Na primeira metade deste ano, os investimentos já superaram S$ 595 milhões, o que deve levar a um novo recorde anual no setor. O site CD Insights identificou soluções produzidas  por jovens empresas em 22 áreas da cadeia de valor do setor de restaurantes. Elas os auxiliam a automatizar sua cozinha, serviços de entrega, aumentar a capacidade dos pontos de venda e muito mais. Agora, chegou a vez dos robôs.

Vejamos o crescimento dos robôs e da automatização dos restaurantes,  especialmente os de fast-food: nos Estados Unidos há mais de 200 mil dispositivos com telas de touchscreen em cerca de 8 mil restaurantes. A partir de 2020, o McDonald’s implementará quiosques de autosserviço em todas as suas lojas no país. Outras cadeias, incluindo as de refeições casuais e rápidas como Panera e Chili’s, já adotaram essa tendência.

Porém, isso é apenas o princípio.  A digitalização e a automatização começam a dar lugar à robótica inteligente. A combinação dos últimos avanços em inteligência artificial com os robôs transformará a fabricação e o armazenamento e seguirá para o próximo nível. A chamada indústria 4.0 começa a abrir espaço nos salões dos restaurantes.

Um total de 73% das tarefas hoje realizadas por trabalhadores do setor de comida rápida têm potencial de automatização. Depois de cinco anos em que muitos restaurantes tentaram dar esse passo sem muito sucesso, devido aos altos custos fixos e às complexidades técnicas, agora vivemos um segundo ciclo, evoluído e que tem permitido depurar os erros e possibilitar a essas empresas focar no que é relevante e no que é verdadeiramente substituível.

Um exemplo claro é o da Eatsa, um restaurante americano de comida saudável, totalmente automatizado, que permite realizar um pedido sem interrupções através de um aplicativo ou iPad, com uma incrível velocidade na entrega dos alimentos em um cubículo com tela sensível ao toque.

Desenvolvida por Scott Drummond e Tim Young, com o apoio de David Friedberg, ex-executivo de Google e Climate, a  tecnologia do Eatsa, transparente, eficiente e completamente centrada no cliente, os levou a querer se expandir para além da Baía de São Francisco. Em outubro do ano passado, eles anunciaram uma redução significativa de  seus restaurantes, fechando suas duas lojas em Nova York, além das unidades de Washington e Berkeley, ficando apenas com dois restaurantes em São Francisco.

O que  parecia ser o prelúdio de uma morte anunciada se converteu em verdadeiro exemplo de êxito quando eles mudaram o modelo de negócios. A Eatsa passou a ser uma empresa de tecnologia e não um restaurante com tecnologia. Pivotou do B2C ao B2B. Prova disso é que depois  de receber, logo de início, uma grande quantidade de requisições para licenciar sua tecnologia, decidiram levá-la para o Wow Bao, um restaurante com conceito informal e rápido em Chicago, especializado em pães, bolinhos, tigelas de arroz e macarrão.

Com a  tecnologia da Eatsa, o Wow Bao pode entregar o pedido de seus clientes em 90 segundos, contra uma média de cinco minutos ou mais dos concorrentes. Além disso, aumentou em até cinco vezes o seu público, chegando a mais de 500 pessoas por hora. E isso tudo com um índice maior de precisão  e personalização de pedidos.

Embora o Eatsa seja mais um exemplo de automatização do que de robotização, não estamos longe de poder observar o momento em que os moradores de São Francisco começarão a encontrar na entrada dos restaurantes letreiros que indiquem “Comida produzida por robôs” para diferenciá- los daqueles cuja cozinha é responsabilidade de humanos. A cidade tem tantos “bots” e aplicativos, que já é possível  comer o café da manhã, o almoço e o jantar sem interagir com outra pessoa. E não me refiro exclusivamente à entrega em domicílio.

MÁQUINA DE BURGERS

No mês de junho passado, foi lançado lá o Creator, um Robot Burger Restaurant cujo slogan é “o primeiro hambúrguer robotizado do mundo”. O projeto, anteriormente chamado de Momentum Machines, conseguiu  captar US$ 18 milhões em investimentos de companhias de capital de risco como Google Ventures e Khosla Ventures.

Desde que conversei com os fundadores da empresa, há três anos, o projeto e seu protótipo mudaram bastante. Eles eliminaram o aspecto robótico e frio para dotá-lo de uma imagem minimalista. Idealizado por Alex Vardakostas, Creator é um robô de 4 metros,  com 350 sensores e 20 computadores com capacidade para produzir 130 hambúrgueres por hora (na versão inicial, haviam anunciado que chegariam a 400). Em menos de cinco minutos podem fazer um hambúrguer personalizado ao preço de US$ 6. Considerado uma conquista da engenharia, o Creator não está totalmente desprovido de trabalho humano.Os funcionários são, no entanto, apenas “assistentes de robôs”. Suas funções ficam centradas em receber os pedidos e entregar as bebidas e os sanduíches. Questiono se, em breve, veremos ofertas de trabalho onde, em lugar de “procuram-se cozinheiros/chefes de cozinha”, haverá “procuram-se assistentes de robôs”.

Creator se junta a uma extensa lista de restaurantes tecnológicos que estão invadindo   criando uma “robolução” no setor. E isso não acontece exclusivamente em um lado do Atlântico. Ekim, uma startup francesa, acaba de levantar 2,2 milhões de euros para um projeto que se propõe a revolucionar o mundo da tecnologia de alimentos. A empresa anunciou que até o fim do ano deve abrir o Pazzi, primeiro restaurante totalmente autônomo com robô pizzaiolo, que cozinha diante dos olhos dos clientes.

Em 2013, em Milão, o arquiteto italiano Carlo Ratti e sua equipe do Senseable City Lab, do MIT (Massachussets Institute of Technology), desenvolveram três garçons robóticos. Ratti colaborou com a Coca-Cola e o fabricante de bebidas Bacardi para criar o Makr Shakr, um bar dotado de três braços robotizados que  faziam coquetéis personalizados. Desde então, eles têm se utilizado disso em hotéis e cruzeiros, especialmente os da Royal Caribbean. O Makr Shakr lançou recentemente o Nino Robotic, um robô coqueteleiro que pode fazer qualquer mistura em segundos.

Mechanical Chef, uma startup da Índia, desenhou uma cozinha robótica que pode preparar uma variedade de pratos de origem hindu sem nenhuma intervenção humana. Seu lema: “Estamos economizando duas horas (de uma pessoa) por dia”. A empresa fica em Bangalore, considerado o Vale do Silício da Índia.

A China também está pronta para esse futuro. Converteu-se em uma força tecnológica global em poucos anos, adotando novas soluções com grande rapidez, sem questioná-las. Uma fotografia feita por Yuyang Li e publicada pelo The New York Times mostra até onde as máquinas podem ir no restaurante Robot Magic, situado em Xangai. Depois que os clientes fazem fotos e vídeos, eles se retiram e os garçons humanos passam a servir a comida. O mesmo acontece no Robot Themed Restaurant, em Coimbatore, na Índia.

Inteligência artificial como disciplina nas escolas, reconhecimento facial para frangos orgânicos, criação dos primeiros porcos transgênicos etc. Sim, já há espaço para a robotização dos restaurantes na China. O restaurante Robot.He, propriedade do grupo Alibaba (a Amazon chinesa) e integrado a um supermercado da rede Hema, em Xangai, – atenção ao crescimento do conceito dos grocerants, os restaurantes instalados dentro dos mercados –, está substituindo os garçons e entregando mariscos frescos diretamente nas mesas.

A rede americana KFC, em parceria com a Baidu (o Google chinês), também fez uma experiência em Xangai, permitindo que seus clientes pedissem frango frito diretamente a um robô ativado por voz, chamado Dumi.

Segunda maior empresa de comércio eletrônico da China, a JD.com planeja abrir, até 2020, mil restaurantes com uma equipe completa de robôs, com o objetivo de concorrer com os da Alibaba.

SUSHI NO ESPAÇO

Sempre à frente do seu tempo, o Japão estuda há mais de 50 anos como automatizar alguns setores, entre eles o de serviços de hospitalidade. Já em 1983, por exemplo, era possível encontrar projetos de robôs orientados a preparar sushis. Naquele ano, analistas previam que a indústria japonesa de robôs cresceria mais de 30%, chegando a  US$ 775 milhões.

Em 2009, foi apresentado na FOOMA, mais importante feira de máquinas do Japão, um braço robótico (M-430iA) adaptado pela empresa FANUC, que,  além de preparar o sushi, poderia atuar como mestre confeiteiro. Ainda no mundo dos sushis, na mais recente edição do festival de inovação SXSW, em Austin (EUA), a empresa nipônica Open Meals mostrou um conceito único de teletransporte de alimentos, através do robô Pixel Food Printer. A proposta da Open Meals é “digitalizar” os alimentos para  transformar a maneira como são transportados e produzidos. É o que chamam de “quinta revolução alimentar”. Sua visão de futuro inclui a possibilidade de teletransportar um sushi para ser consumido na estação espacial.

A revolução dos robôs também se dirige à Rússia,  onde o MontyCafe, um barista autônomo, começou a trabalhar neste verão de Moscou. Robotizar o café é outra das inovações que agitarão o mercado nos próximos anos. Estamos falando de uma indústria de US$ 100 bilhões, que atingirá níveis recordes de produção mundial neste ano e que, segundo analistas, assistirá a um crescimento de consumo na  ordem de 5% a 7% até 2024. Segundo a consultoria CB Insights, os jovens chineses estão bebendo mais café e os americanos buscando produtos de maior qualidade – e, portanto, mais caros –, abrindo enormes oportunidades em ambas as frentes.

O Cafe X, nas ruas de São Francisco, e o Briggo, no aeroporto de Austin, ambos robôs baristas, são voltados a áreas de grande tráfego de pessoas que não querem, necessariamente, sentar-se e deleitar-se com um café americano. Eles são desenhados para operar com grandes volumes, sem fazer pausas e, o que é mais importante, preparar um café excelente bem mais rápido que um humano.

Em alguns casos, isso pode trazer consequências indesejadas. Os movimentos do Cafe X tiveram de ser recalibrados, pois a velocidade inicial incomodava os clientes. Ficou constatado que os humanos gostam mais do café quando ele é preparado em velocidades humanas.

Em Boston, nos EUA, os chefs estão sendo substituídos por robôs no restaurante semiautomatizado Spyce. Criado por quatro ex-alunos do MIT e com aval do prestigiado chef Daniel Boulud, o restaurante é considerado o primeiro do mundo em que uma cozinha robótica prepara receitas complexas.

Voltando à Califórnia, a Miso Robotics obteve US$ 10 milhões em investimentos para lançar o Flippy, um braço mecânico e autônomo que gira os hambúrgueres e limpa a grelha quente e gordurosa.Utilizando visão artificial, consegue identificar onde está o hambúrguer e manuseá-lo com velocidade e precisão. Flippy começou a trabalhar recentemente na rede CaliBurger, que planeja instalar robôs em até dez de seus 50 restaurantes até o fim deste ano.

Com investimentos de US$ 3,8 milhões, a Bear Robotics desenvolveu a Penny, um robô que circula pelos restaurantes, levando os pedidos às mesas de maneira autônoma e, no caminho de volta, trazendo os pratos sujos para a limpeza.

Em Mountain View, a empresa Zume Pizza levantou US$ 48 milhões para criar uma pizzaria totalmente automatizada. Mas mudou de planos e projetou um caminhão dotado de inteligência artificial e uma grande quantidade de tecnologias de cozinha móvel desenhadas para prever as tendências alimentares, conhecer os clientes de uma determinada região e oferecer a eles, antes mesmo que peçam, refeições recém-preparadas.

Um de seus fundadores, Alex Garden (ex-executivo da Xbox) comentou recentemente comigo que, há sete anos, teve a ideia de que era possível cozinhar enquanto o restaurante se movia. A magia da Zume reside na sua capacidade de predizer o que as pessoas pedem. Isso não passou despercebido pelo Vision Fund, fundo de investimentos de risco do gigante japonês Softbank, que está em negociações para injetar mais US$ 75 milhões na companhia.

A mobilidade também está sendo reinterpretada com os robôs. E isso é só o princípio. Maior cadeia de supermercados dos EUA, a Kroger fechou uma parceria com a Nuro, fundada por dois ex-funcionários do Google e que conta com mais de US$ 100 milhões em financiamento. O veículo autônomo da Nuro se diferencia de outros “robôs de entrega” de companhias como Marble e Starship Technologies por ter o tamanho de um carro pequeno, mas com grande capacidade de carga.

A nova mobilidade urbana afetará a maneira como os restaurantes chegam aos domicílios de seus e-clientes e seguramente será um fator que ajudará a aumentar o consumo de seus produtos. Um estudo do grupo NPD descobriu que mais de 80% dos jantares dos Estados Unidos são feitos em  casa, representando um total de 100 bilhões de refeições em 2017. A pesquisa O Futuro do Jantar, do NPD, revela que a quantidade de alimentos preparados e consumidos em casa deve aumentar nos próximos cinco anos, enquanto diminuirão as refeições feitas em restaurantes. O mesmo estudo mostra que  metade dos pedidos feitos nos restaurantes é servida na casa dos clientes. Portanto, é possível que os serviços de delivery garantam um aumento de vendas para esses estabelecimentos. Por isso mesmo, não é de se estranhar que muitas cadeias procurem cada vez mais estar dentro da casa dos clientes, criando ofertas  de kits de refeições distribuídas nas suas próprias lojas.

Imagine que algumas delas possam dispor de robôs como o Osaropick, projetado pela empresa Osaro, que, graças a um sistema de reconhecimento de imagens, tem precisão absoluta na hora de pegar e servir porções de frango em apenas cinco segundos.

GARÇON OU ROBÔ?

Com essa “robolução”, também não  é estranho encontrar gente como Jane Kim, supervisora do condado de São Francisco, que no ano passado levantou a possibilidade de implementar um imposto para empresas de alimentação que utilizam robôs. Assim, ela pretendia compensar uma possível devastação econômica causada pela força de  trabalho mecânica. A evolução pegou desprevenido até mesmo Steven Mnuchin, secretário do Tesouro do governo Trump, que no início de 2018 chegou a afirmar que a ameaça de os robôs ocuparem postos de trabalho de humanos “nem sequer está no radar para os próximos 50 anos”.

Certamente está no campo de visão do sindicato dos trabalhadores de hotelaria de Las Vegas, que reúne 50 mil pessoas e chegou a ameaçar com uma greve, em junho passado, em protesto contra o risco de perder vagas de trabalho para robôs. Todos os dias os hotéis e restaurantes de Las Vegas servem cerca de 27 toneladas de comida.

Mas e se a questão central não for a substituição de pessoal, e sim a escassez de mão de obra para o setor? No Japão, quem entra no Henn-na, hotel na região de Nagasaki, é atendido por uma série de robôs humanóides ou com aspecto de dinossauros. O motivo? A população do país está diminuindo e sua economia está em alta. Com isso, a taxa de desemprego é atualmente de 2,8% e para o setor é mais fácil usar robôs do que encontrar humanos dispostos a fazer o trabalho.

E o que acontece em outras grandes economias? Durante anos especialistas têm advertido que as máquinas substituirão os trabalhadores nos restaurantes. O que está mudando são as razões que levarão a essa mudança. Com a taxa de desemprego mais  baixa dos últimos anos (em torno de 3,9%) as redes de fast-food estão recorrendo aos robôs como alternativa, já que não conseguem encontrar mão de obra suficiente. Em abril passado, The Wall Street Journal informou, citando dados do Departamento de Trabalho dos EUA, que existiam 844 mil vagas no  setor – um em cada oito empregos disponíveis no país.

Diretor executivo da rede CaliBurger, John Miller afirmou ao jornal que está mais difícil encontrar trabalhadores hoje em dia, daí a solução de implantar o robô Flippy. O artigo do WSJ menciona os casos de automatização das redes Arby’s, Wendy’s, Dunkin’ Donuts, Panera Bread, McDonald’s,  Saladworks, Carl’s Jr. e Hardee’s. “Passamos muito tempo treinando as pessoas e um mês depois elas saem pela porta. Neste mercado, os trabalhadores vão embora quando têm um dia difícil”, afirmou Patrick Sugrue, CEO da Saladworks.

O debate inclui o conflito com os trabalhadores pela elevação do salário mínimo do setor. Há dois anos, Edward H. Rensi, ex-CEO do McDonald’s, disse, em entrevista ao canal Fox Business, que se esse valor chegar a US$ 15 por hora, como está previsto para 2022, a revolução dos robôs acontecerá de forma ainda mais rápida. Para Rensi, fica mais barato comprar um braço robótico de US$ 35 mil do que contratar um empregado ineficiente.

O custo da tecnologia, incluindo o dos robôs mais sofisticados, caiu 40% desde 2005, de acordo com o Boston Consulting Group. Segundo Michael Chui, sócio do McKinsey Global Institute, 54% das tarefas hoje realizadas pelos trabalhadores de hotéis e restaurantes nos EUA poderiam ser automatizadas com as tecnologias disponíveis atualmente. O mercado global de robôs, de acordo com a empresa de pesquisas IDC, deve somar US$ 188 bilhões em 2020, incluindo-se aí os drones e os serviços relacionados à robótica.

Países como a Espanha, com uma taxa de desemprego girando em 15,8% ficariam, assim, livres da robolução? Aparentemente, não há nada mais longe da realidade. Mas nesse caso, a preocupação segue em outro sentido: que custo pagará o consumidor com a robotização nos restaurantes?

SOZINHO À MESA

A automatização dos restaurantes antecipa, teoricamente, as necessidades do consumidor. Porém, quais serão as verdadeiras consequências nocivas para ele? Existem evidências que mostram os vínculos entre a tecnologia e as taxas crescentes de solidão, depressão e ansiedade. Muitos, na geração milênio, lutam contra essas sensações ao conectar-se durante uma refeição, seja  cozinhando para a família, jantando com os amigos, seja conversando on-line com outras pessoas sobre receitas sem glúten. Uma pesquisa realizada por Eve Turow Paul mostra claramente que esses momentos humanizados e instâncias mais profundas de interação ajudam a acalmar essa geração hiperconectada digitalmente.

Aprendemos sobre os chefs lendo suas memórias ou vendo programas na televisão por assinatura, procuramos visitar fazendas mais afastadas que nos garantem rastreabilidade e desconexão, visitamos mercados agrícolas e, em alguns casos, vivemos obcecados por cervejas artesanais ou por  fotografar o prato perfeito, tudo em um esforço para nos envolvermos com algo real, analógico. Restaurantes como o Eatsa e a automatização dos restaurantes se converteram na antítese que sacode nossa ideologia alimentar e faz disparar as cifras do potencial da indústria das refeições individuais.

Em termos de conexão, o que significaria se todos começássemos a retirar nossos alimentos de máquinas automáticas ou de robôs, ao invés de recebê-los das mãos de outras pessoas? Serão Eatsa, Spyce ou o Creator o próximo exemplo de tecnologia que interrompe as conexões humanas?

Cerca de 80% dos americanos estão estressados pelo trabalho e a razão mais provável desse estresse não é diferente da dos millennials. As prolongadas  jornadas de trabalho, a maior competição e as expectativas cada vez mais intensas – 62% dos trabalhadores de escritório costumam comer seu almoço no mesmo lugar em que trabalham diariamente – levam muitos a se identificar com “almoços tristes”.

Os preços e a conveniência do Eatsa, por exemplo, satisfazem perfeitamente as necessidades de uma geração em constante movimento, que quer estar segura de que os alimentos que consome são saudáveis, saborosos e sustentáveis, incorporando a variável de que não dispõe de tempo, real ou emocional, para investir em um descanso no meio do dia. Em última instância, o problema não são o Eatsa, o Spyce, o Creator, o Cafe X etc., mas sim as razões pelas quais esses restaurantes são tão bem recebidos. Temos uma sociedade em que muitos não conseguem tempo para comer com outros ou saborear uma boa refeição.

O Eatsa tem assentos, mas não espera que sejam usados. A experiência, ali, deve ser breve, não há tempo para conectar-se. Nesse sentido me pergunto que outras consequências em nível emocional poderíamos adicionar se, ao invés de esperar 90 segundos, aguardássemos cinco minutos.

Comer com outras pessoas sempre esteve no centro da experiência humana e agora atua como um reconfortante antídoto para o tempo que passamos nos diferentes ambientes digitais do nosso entorno.  O sociólogo Claude Fischler argumenta que existem muitos benefícios, tanto físicos quanto psicológicos, no ato de dividir uma refeição. Entretanto, comer em comunidade está se tornando uma exceção, e não a regra, dentro da cultura americana, que lamentavelmente começa a se expandir por meio mundo. Chegará o dia triste em que, na hora de tomar uma bebida, o faremos acompanhados de um robô. Confio plenamente que não.

 

* O espanhol Marius Robles é CEO e cofundador do Reimagine Food, primeiro centro de disrupção voltado ao futuro da comida. É conferencista e autor de artigos para veículos como Fast Company e Wired. Atualmente trabalha no livro Eatnomics: a nova economia da comida e se prepara para lançar uma nova empresa, a Food By Robots, focada no impacto que a inteligência artifical e os robôs terão na alimentação.  

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