Plant Talks com Aurélio Pavinato

Por LUIZ FERNANDO SÁ Há 27 anos o engenheiro agrônomo Aurélio Pavinato foi contratado como asses


Edição 19 - 22.04.20

Patrocínio: SAP

Por LUIZ FERNANDO SÁ

Há 27 anos o engenheiro agrônomo Aurélio Pavinato foi contratado como assessor técnico pela SLC, companhia focada no plantio de grãos em fazendas próprias e arrendadas no Rio Grande do Sul. Quase três décadas depois, ele ainda faz parte do quadro da empresa – e talvez apenas isso tenha permanecido como era no princípio desta história. O profissional passou a gerente de fazenda, diretor e, desde 2012, CEO da SLC, que evoluiu para um dos maiores grupos agrícolas do Brasil. Hoje, cultiva soja, milho e algodão em mais de 450 mil hectares em 16 propriedades, todas elas no cerrado brasileiro. Em território gaúcho ficaram a sede e os cérebros da empresa, uma das líderes no movimento de digitalização da agricultura nacional. Nesta entrevista, concedida no B-Hub, espaço de inovação e empreendedorismo da Faap, em São Paulo, ele conta como a tecnologia vai guiar os próximos anos da atividade no Brasil e no mundo. Confira os principais trechos aqui e, para ver a íntegra em vídeo, acesse o site da PLANT.

Quando você começou na SLC o cenário era muito diferente do que é hoje para quem está iniciando no agronegócio, sobretudo nas operações agrícolas. Que tipo de profissional vocês buscam hoje?

Eu fui feliz quando eu decidi fazer agronomia, na década de 1980. O cenário do agronegócio brasileiro era totalmente diferente do que ele é. Hoje em dia o agro brasileiro é muito mais importante do que era há 30 anos. Atualmente o mercado demanda profissionais com outras habilidades. O conhecimento técnico e o conhecimento básico continuam sendo importantes. Eu sou doutor em solos e o conhecimento científico de solos continua o mesmo em termos das bases técnicas. A forma de você executar é que está mudando radicalmente. A chamada agricultura digital veio para alterar a forma como você realiza a agricultura e aí as habilidades do mundo digital são necessárias.

Há uma interiorização do conhecimento tecnológico em função da agricultura digital?

Exatamente. A forma de produzir é que mudou radicalmente e isso está gerando emprego para diferentes profissionais. A agricultura digital é uma coisa nova, 2017 é o ano da mudança do mundo analógico para o mundo digital. Muitos funcionários que há cinco anos não eram necessários na empresa, hoje já são em função disso. Por isso que nós construímos uma sala de inclusão digital em cada fazenda pra treinar o nosso operador.

Que tipo de treinamento vocês dão?

Treinamento de como usar os aplicativos que nós temos, de como usar os monitores das máquinas. A gente aproveita o espaço e inclui também o treinamento de gestão de pessoas, na parte de trabalho em equipe.

Empresas agrícolas costumavam ter uma sazonalidade muito grande em termos de pessoal. Hoje é um quadro mais estável? Quantos funcionários tem a SLC hoje?

Nós temos 2.600 funcionários fixos. Os variáveis estão basicamente vinculados ao beneficiamento do algodão, que é sazonal. Na parte da execução da operação principal, que é por manejo, plantio e colheita, faz tempo que a gente procura ter profissionais fixos, porque treinamos e a pessoa está qualificada. Se você pega um profissional variável ou temporário ele não está treinado o suficiente e não vai executar com a mesma qualidade.

A agricultura digital já é economicamente viável. A economia que você tem nos insumos paga o investimento e gera retorno para o agricultor. 

O que já se pode colher da agricultura digital? Já é possível perceber um ganho significativo de eficiência e de rentabilidade nas operações?

Estamos escalando agora nessa safra de uma forma significativa. Por exemplo, já há dez anos temos agricultura de precisão tradicional em um projeto grande de correção de solo com taxa variável de aplicação de fósforo, potássio e calcário. Agora, com a agricultura digital, escalamos toda a parte do manejo das culturas, manejo de pragas e de doenças. O sistema faz um levantamento de pragas na lavoura e no final da operação do dia ou do turno já sai um mapa de pressão de pragas na lavoura. E este ano nós estamos escalando a aplicação localizada. Qual é o ganho? Com esse mapa de pressão de pragas, você decide aplicar o defensivo agrícola somente onde tem a praga. Isso está gerando uma economia bem expressiva de defensivos agrícolas.

A precisão fica ainda mais precisa…

Exatamente. Na verdade, cada planta é um indivíduo, cada metro quadrado é um indivíduo dentro de uma população de plantas em uma lavoura.

Nós caminhamos para a individualização da agricultura como acontece na medicina?

Esse seria o objetivo final lá na frente, aplicar localizado significa aplicar naqueles indivíduos que estão doentes, que estão com a doença, que estão com a pressão da praga. Tem o sistema agora, o Weed-it, em que você aplica somente na planta-alvo. No ano passado a gente aplicou em 73 mil hectares e economizou 90% do herbicida. No algodão, a aplicação do inseticida para pulgão, por exemplo, é feita somente na linha do algodão e não na entrelinha. Estamos economizando ali entre 70 e 75% do inseticida. A agricultora digital está viabilizando esse tipo de economia, com ganho na redução de custo da produção e um ganho ambiental também. Quer dizer, estou aplicando o medicamento onde precisa somente, não estou aplicando na lavoura toda.

Com isso acredita que o debate em torno do uso de defensivos vai amainar?

O uso de defensivos fica cada vez mais pontual. Então esse é um ganho importante. E a conectividade no campo está permitindo fazer a transmissão de mapas do tablet para o escritório e para o pulverizador, tudo on-line. Fazer tudo isso via pen drive, via deslocamento de dados, é complicado, a gestão disso é complicada.

Digitalizar a agricultura exige investimento. Já é possível enxergar retorno num prazo curto?

A agricultura de precisão, quando começou lá atrás, era muito equipamento, muitos investimentos e os ganhos não eram expressivos. Hoje todo esse pacote que existe no mercado da agricultura digital já é economicamente viável. A economia que você tem nos insumos paga o investimento e gera um retorno para o agricultor. É uma nova revolução na agricultura. Nós tivemos as revoluções do passado, primeiro com a mecanização, depois com os químicos, a revolução verde. Elas mudaram o teto de produtividade e o custo de produção. Ao longo da história, o homem foi cada vez mais eficiente na produção de alimentos. E o que a agricultura digital vai permitir? Ela vai trazer um upgrade extraordinário de qualidade da operação. É aquela história da gestão: se você não mede, se você não tem indicador, você não controla, você não faz gestão. E tendo medição, tendo indicador, você faz gestão. Vamos ter o controle da qualidade das operações. Então, além da economia nos insumos, nós vamos ter mais produtividade.

Podemos sonhar em sermos exportadores de tecnologia na agricultura digital e desenvolvermos as nossas multinacionais brasileiras do agro.

Esse ganho vem só para grandes empresas capazes de trabalhar em escala, como a SLC, ou já dá pra pensar nisso em operações menores, de pequenos e médios agricultores?

Eu diria que os produtores médios e pequenos, em regiões de pequenas propriedades, vão ter que esperar um pouquinho mais para acessar, porque na verdade nesses casos demanda uma organização coletiva. Tem que ter uma cooperativa na região, ou um grande operador da região, que traga essa tecnologia para eles. Se não tem sinal de celular lá na propriedade dele, alguém lá na região tem que instalar uma rede de conectividade para ele poder usar equipamentos conectados. Quem trabalha no setor, as empresas que vendem máquinas agrícolas, as concessionárias, por exemplo, tem estimulado e investido inclusive em conectividade na região em que eles atuam pra levar máquina conectada. Então, de uma forma indireta, o pequeno produtor acaba tendo acesso.

O clima é o ponto mais sensível, a variável mais indomável da operação agrícola. Você acha que a fronteira climática que deve ser o grande investimento de quem busca desenvolver tecnologias?

As ferramentas modernas vão nos ajudar a fazer uma gestão melhor dos dados climáticos do dia a dia e da operação. Agora, quando você pensa no global, nos macroeventos climáticos, aí foge ao seu controle. Em função do aquecimento global, os eventos climáticos estão ficando mais intensos. Quer dizer, se vai dar uma seca forte na região Sul do Brasil, não tem o que fazer. Ou melhor, tem o que fazer sim, mas tem que fazer anteriormente: o manejo que você usa na lavoura, o manejo do solo, o perfil do solo, a sua cobertura de solo pra armazenar água, tudo isso ajuda muito você a enfrentar os eventos climáticos e mitigar ou reduzir as perdas. O Rio Grande do Sul é um exemplo típico. Há 20 anos, quando dava uma seca de 25 dias, se produzia 20 sacas por hectare. Hoje dá uma seca de 30 dias, como deu agora em dezembro, e mesmo assim produz 50-55 sacas por hectare, porque o sistema produtivo está muito mais resiliente.

Nesse novo cenário de agricultura digital, existe espaço para desenvolvimento de uma indústria nacional de tecnologia com ambição global?

Existe espaço, sim, porque o agro brasileiro é muito organizado. A gente consegue sair na frente, por exemplo, se comparado com americanos, com argentinos, em termos de desenvolvimento tecnológico. Então a gente pode sonhar que nós um dia possamos ser exportadores de tecnologia também e não somente importadores, como nós praticamente somos hoje na parte de insumos e de máquinas. Podemos sonhar em desenvolver projetos para sermos exportadores de tecnologia na parte de agricultura digital e desenvolvermos as nossas multinacionais brasileiras do agro.

A SLC tem um trabalho junto a startups, o programa Agroexponencial. O que vocês já encontraram nesse relacionamento? Pode resultar até uma nova frente de negócio?

O objetivo primeiro nosso, que lançamos o ano passado, foi definir os nossos problemas, as nossas dores e buscar soluções para esse problema focando na melhoria de eficiência da nossa operação. O foco nesse primeiro momento não foi desenvolver um novo produto, uma nova solução para um novo mercado. Os passos seguintes poderão ser a gente buscar novas alternativas e novos produtos, mas até então o nosso foco tem sido a eficiência da operação atual.

A década de 2020 vai ser uma década de sustentabilidade e felizmente a gente vai poder mudar a imagem do setor.

Mas já conseguiram ter resultados na operação? Em que estágio está esse programa?

Nós trabalhamos o ano passado com sete startups e agora estamos escalando 13 startups em nível comercial. A gente já está expandindo e usando de uma forma em grande escala e gerando benefício para a nossa operação.

A SLC é sócia dessas empresas?

Não. Nesse caso nós apenas patrocinamos. A startup é que está tendo o benefício econômico nesse momento e nós estamos tendo benefício operacional.

Quais seriam hoje as grandes oportunidades, os grandes gargalos dos problemas a serem atacados pela tecnologia?

A área de crédito, por exemplo. No Brasil, felizmente, a taxa de juros caiu bastante, então vai ficar mais barato. Até então era uma despesa financeira alta, e a produção agrícola demanda muito capital, tem uma necessidade de capital de giro grande. Viabilizar, agilizar e baratear o custo financeiro do crédito é um benefício auxiliar, mas não é o principal benefício. Acredito que os principais benefícios, como nós estamos em um país tropical, estão na redução de custo com defensivos agrícolas e com fertilização. Esses dois campos representam quase 50% do custo da produção.

Haveria espaço para uma disrupção na comercialização dos insumos e também do resultado das safras?

Com certeza. Quando se pensa em agricultura brasileira e toda a sua cadeia de suprimentos, à medida que forem desenvolvidas plataformas de comercialização dos insumos e de comercialização da produção, a tendência é aumentar a competitividade. Eu vejo que tem um espaço maior do lado dos insumos agrícolas e esse benefício talvez seja maior para o médio e o pequeno produtores do que para o grande produtor, porque a gente já compra direto das empresas, a gente já tem um atendimento direto.

Vocês têm um centro de inteligência agrícola em Porto Alegre, sediado bem distante das fazendas onde vocês plantam. E precisam ter uma base de TI robusta, para integração e análise dos dados colhidos em campo. Como vocês se preparam para esse momento?

Tem que ter um time de TI lá na matriz. Temos um time de desenvolvedores e muitos aplicativos que usamos hoje são nossos. É um diferencial em nível de fazenda. Cada fazenda tem que ter um técnico de TI que possa atender as demandas do dia a dia. O centro de inteligência agrícola coordena isso, dando suporte para as fazendas, treinando os técnicos das fazendas para operar os equipamentos, os tablets e as máquinas dentro das fazendas. Não adianta você comprar a tecnologia, investir e não preparar as pessoas, porque são elas que executam tudo isso.

Recentemente a SLC fez a aquisição de um sistema de gestão da SAP. Qual é o objetivo, integrar essas operações?

Será um upgrade de ERP na companhia. A gente vai implantar esse sistema muito mais integrado e mais automatizado. Toda a parte de gestão agrícola estará conectada com a parte do backoffice. O objetivo dessa mudança é ter um sistema muito mais moderno.

Na sua visão, qual vai ser a marca dos anos 2020? A inteligência artificial seria uma delas?

A inteligência artificial faz parte da agricultura digital, para desenvolver softwares que consigam interpretar o conjunto de dados que são coletados. Não é suficiente ter dados, é necessário gerar informações, e aí a inteligência artificial vai nos ajudar. Os anos 2020 serão anos de mudanças muito rápidas. Daqui a cinco anos vai ser muito diferente operar uma fazenda. Quando a gente pensa em uma revolução digital na agricultura mundial, vai ser os anos 2020 que vai acontecer essa revolução na forma de produzir. Haverá mais produção, mais produtividade, menor custo, o produto vai ser mais barato. E quem vai se beneficiar disso tudo é o consumidor. E além da consolidação digital, uma outra área que vai ser muito forte – e talvez ser a marca da década – é a produção sustentável. No passado, a preocupação era ter o alimento, não era a qualidade do alimento. A agricultura digital vai permitir que você tenha rastreabilidade, vai permitir que você tenha o controle da produção, saber se ela está sendo feita de uma forma sustentável. O PIB per capita está crescendo em todos os países do mundo e com isso o consumidor mundial vai ficar mais exigente. Então, eu acho que a década de 2020 vai ser uma década da sustentabilidade e felizmente a gente vai poder mudar a imagem do setor.

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