O Cisne Negro e as Agtechs

Economistas e o mercado financeiro definem como Cisnes Negros os eventos socioeconômicos impossíve


12.04.20

Ricardo Campo é coordenador de inovação da Raízen e gestor do Pulse hub. É técnico em artes gráficas pelo Senai Fundação Zerrenner, graduado em Propaganda e Marketing pela Universidade Mackenzie, especialista em Marketing de Varejo pelo Senac e possui MBA em Marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Admira a coragem dos empreendedores rurais e sua trajetória no agro também inclui a atuação nos times de marketing da DSM/Tortuga e do Rabobank Brasil.

Economistas e o mercado financeiro definem como Cisnes Negros os eventos socioeconômicos impossíveis de serem previstos, que causam grande impacto no ambiente em que ocorrem e com consequências que ficam registradas ao longo da história.

Apesar de considerados como raros, no período contemporâneo já vivenciamos alguns desses acontecimentos com o nascimento da internet, os atentados de 11 de setembro de 2001 e o referendo do Brexit no Reino Unido. E o que dizer do Coronavírus? Ainda está difícil de compreender.

Para o investidor e estudioso Nassim Taleb*, que consolidou o conceito no livro “A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável”, nesse tipo de evento há três características altamente improváveis: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, criamos meios de torná-lo menos aleatório e mais explicável.

Ao procurar explicação e formas de combater esse tipo de cenário, lançamos mão de recursos como pesquisa e cooperação público-privada, que aceleram a criação de novas tecnologias e tiram a inovação do papel para salvar vidas e apoiar a continuidade de setores, como o agronegócio, que não vai parar.

O agro é resiliente por natureza. O “couro grosso” é de ter que lidar com as incertezas do clima, do mercado e, de certa forma, estar habituado a enfrentar novas pragas com capacidade letal para devastar comunidades rurais em curto espaço de tempo. Mas, assim como outros segmentos, já sente o impacto desse momento sensível da economia mundial.

Isso porque o que vivemos hoje com a Covid-19 é algo de diferentes proporções pelo impacto econômico, social e psicológico, colocando vidas humanas em risco em todos os elos da cadeia produtiva. É o Cisne Negro batendo as asas.

Na crise, uma transformação.

 Na essência da atividade agropecuária, as lavouras e rebanhos são ativos biológicos que seguirão seu curso de vida independente ao período de quarentena. Por mais que estejamos em isolamento por recomendação dos órgãos de saúde, o “confinamento” aqui também diz respeito aos plantéis de criação em alta produtividade para geração de proteínas e outros produtos essenciais para a nossa alimentação.

O setor demanda atenção 24/7 e a continuidade de suas atividades será estratégica para manter o Brasil e outros países abastecidos. Essas características por si só já mostram a oportunidade da adoção de tecnologias para melhorar a produção e preservar o capital humano em meio à crise.

Se por um lado as ferramentas para trabalho à distância, telemedicina e delivery sejam objeto de maior procura nas cidades, no campo a transformação digital poderá ser acelerada em menor tempo com inovações que ajudem na gestão remota, controle financeiro e uso racional de insumos.

Soluções de agricultura e pecuária de precisão tendem a ser melhor valorizadas quando a situação requer análise do custo na vírgula, mas há todo um pacote de outras novidades que podem trazer ganhos no curto e no longo prazo:

– Drones para imageamento, pulverização de defensivos e liberação de agentes biológicos;

– Visão computacional e inteligência artificial para reconhecimento de daninhas, pragas e doenças;

– Modelagem, estações meteorológicas e plataformas de previsão climática;

– Digitalização do acesso ao crédito, transações financeiras e rating socioambiental;

Market place para compra e venda de produtos técnicos, serviços e commodities;

– Telemetria para análise de dados agronômicos e automotivos de maquinários;

Tags para rastreamento de ativos e implementos agrícolas;

– Sensores e algoritmos para criação de zonas de manejo e aplicação de insumos em taxa variada;

– Treinamento de operadores à distância com realidade virtual e aumentada.

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Com diversas aplicações, as agtechs – empresas de base tecnológica com foco no agro – otimizam rotinas operacionais, auxiliam em redução de custos e melhores tomadas de decisão. Também contribuem para uma produção ambientalmente mais precisa e melhor uso de recursos naturais. Em tempos difíceis, isso pode representar um diferencial para a gestão do negócio e melhores negociações, no caso de commodities certificadas.

Mesmo com as já conhecidas barreiras estruturais para a disseminação de inovações em nosso país, como o baixo volume de investimentos em centros de pesquisa e a falta de conectividade nas grandes áreas produtivas, as agtechs têm provado que são capazes de perseverar com capacidade inventiva e validação em campo.

Porém, como empresas emergentes, precisam de suporte financeiro de investidores e empresas dispostas a abrirem suas porteiras para projetos pilotos, mentorias e contratações. “Cash is king”, assim toda ajuda para manter a operação das startups rodando nesse momento será importante para o desenvolvimento de tecnologias que podem beneficiar a todo o setor.

Mais fortes, mais tecnificados.

 Assim como na medicina há o risco-benefício de se testar novos métodos e tratamentos, para provar a pílula do novo conhecimento que vem das startups é preciso arriscar.O risco de testar e aprender rápido, com maior tolerância ao erro desde que disso resultem melhores processos e resultados, é um jeito de pensar comum no ecossistema de inovação, mas ainda pouco praticado no meio rural.

Produtores com suas lavouras, agtechs com invenções. Cada um com suas angústias e convicções, mas ambos empreendedores engajados em produzir mais e melhores alimentos. Uma parceria tecnológica, onde o sucesso será consequência da relação de pessoas lidando com pessoas, com aprendizado prático, na base da confiança e cooperação.

É o “crer para ver”, ao invés do “ver para acreditar”. Nesse momento desafiador e cheio de adversidade, que todos possamos colher os benefícios da tecnologia em vida e renovar a esperança no poder da humanidade!

 *Nassim Taleb também é autor do livro “Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos”

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