Um continente de oportunidades

Por André Sollitto No grande debate sobre aumento de produtividade com o objetivo de alimentar a po


Edição 23 - 17.01.21

Por André Sollitto

No grande debate sobre aumento de produtividade com o objetivo de alimentar a população crescente do planeta, a África, muitas vezes, fica de fora da conversa. O que é surpreendente, já que o continente possui 65% de terras agricultáveis e sua produção ainda é composta principalmente por agricultura familiar – o que indica um enorme potencial ainda pouco explorado. “Se olharmos de maneira um pouco mais aprofundada, logo fica claro que a África não está produzindo como poderia”, afirma Natália Dias, CEO do Standard Bank Brasil. “Por isso, o desenvolvimento do agronegócio está no topo da agenda de vários governos do continente”. A instituição financeira é uma das maiores da África do Sul e atua em 18 países africanos. Mantém um escritório brasileiro e tem como uma das missões atrair investimentos para o continente. E, nesse quesito, o agro é estratégico.

A necessidade de uma produção mais eficiente fica evidente com o rápido crescimento africano. A população aumenta em ritmo acelerado, mas esta não é a única tendência. O desenvolvimento econômico do continente fica atrás apenas da Ásia, e a demografia tem mudado, com uma tardia urbanização. “A ascensão de uma nova classe média também aumenta a demanda por proteínas animais e outros alimentos”, diz Natália. Em janeiro de 2020, por exemplo, a Coca-Cola anunciou o desempenho referente a 2019 e a África aparece como um dos mercados de maior crescimento, em especial a região oeste do continente. 

Produção de soja na Tanzânia

Como em tantos outros setores, os impactos da pandemia provocaram uma resposta imediata que só vai acelerar processos que normalmente demorariam mais. “Na perspectiva africana, os problemas não foram sentidos de imediato”, afirma Linda Manda, head global de agribusiness do Standard Bank. “A pandemia chegou entre safras e os governos agiram rapidamente para proteger as cadeias de produção e garantir o alimento para a população. Mas países que exportavam para a África foram atingidos. Nesse momento ficou clara a necessidade de autossuficiência”, afirma ela. 

Em uma estratégia para garantir a segurança alimentar de sua população após a pandemia, a China está diversificando seus canais de importação e vem olhando com interesse crescente para a África. A relação entre os chineses e o continente é antiga e remonta à década de 1950, mas ganhou força a partir dos anos 2000, com a ampliação de programas de cooperação técnica. Neste ano, o governo chinês assinou um contrato para comprar soja da Tanzânia, reduzindo sua dependência tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos. Em contrapartida, o governo tanzaniano vai importar maquinário, eletrônicos e produtos manufaturados. A China mantém ainda outros acordos com Quênia, Etiópia, Namíbia, África do Sul e Botsuana para a exportação de produtos agrícolas, incluindo café, chá, abacate, soja, carne bovina e frutas.

Criação de gado no Quênia

O papel do Brasil

Nessa busca por oportunidades na África o Brasil tem, no entanto, ficado para trás. Nem sempre foi assim. O país já foi um grande parceiro comercial do continente, mas situação vem mudando. De 2011 a 2020, a corrente de comércio, a soma de exportações e importações, passou de US$ 20,3 bilhões para US$ 8,3 bilhões, considerando os nove primeiros meses de cada ano. As exportações brasileiras para as dez principais economias caíram – respectivamente 48% e 37% no caso de Nigéria e África do Sul, as duas maiores do continente. Dos cinco produtos mais exportados para a África, quatro são agrícolas: açúcar, milho, carne bovina e carne de aves.

As oportunidades para o agronegócio brasileiro em solo africano são evidentes. Começam por uma grande similaridade climática entre nosso País, que nas últimas décadas desenvolveu conhecimento sem igual na agricultura tropical, e o continente africano. “A savana é muito semelhante ao nosso cerrado. Há um enorme potencial não apenas tecnológico, mas de expertise”, afirma Natália. “Se tomarmos o Brasil como exemplo, o setor agrícola se tornou uma potência mundial em cerca de 30 anos. São muitas lições que poderiam ser compartilhadas com a África”, afirma ela.

 Produção de milho na África do Sul

A Embrapa já enviou à África especialistas capazes de compartilhar conhecimentos com produtores locais, mas essas iniciativas perderam força nos últimos anos. Em abril deste ano, em uma tentativa de retomar essa cooperação, o presidente da Embrapa, Celso Moretti, participou de uma videoconferência com o embaixador da África do Sul no Brasil, Ntsiki Mashimbye, para discutir o desenvolvimento agrícola. As conversas, ainda preliminares, apontam para um interesse mútuo em estabelecer acordos. “Fora da Embrapa, no entanto, vemos pouco engajamento do setor privado”, diz Natália.

Na prática, as oportunidades são inúmeras. O governo nigeriano adotou uma estratégia de priorizar a produção nacional de açúcar. O Brasil deixará de exportar, mas de acordo com as novas regras poderá produzir na Nigéria. A produção de soja na Tanzânia precisará ser otimizada para dar conta da crescente demanda da China, o que abre outra possibilidade de cooperação. A Etiópia é um grande produtor têxtil que exporta para a Ásia, embora sua produção de algodão também tenha bastante espaço para melhorias. Moçambique, por exemplo, ainda depende muito da importação de alimentos, outra janela que pode ser explorada. Além disso, o Brasil não vende grãos diretamente para diversos países africanos, o que significa um enorme lucro para as traders, mas um potencial desperdiçado pelos produtores daqui. E isso sem falar nos investimentos privados que podem ser feitos no desenvolvimento de infraestrutura agrícola em países como Angola.

 Produção de chá no Quênia

Para atrair investimentos brasileiros no continente, o Standard Bank realizou a terceira edição de seu evento Focus on Africa dedicada ao agronegócio. Totalmente digital, o encontro contou com a participação da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, que falou sobre a necessidade dos países africanos de abrirem suas agendas para o agro brasileiro. Reportagens da imprensa europeia sobre o descaso ambiental brasileiro repercutem de forma negativa na África, prejudicando a imagem do país como parceiro comercial. E ainda existem muitas medidas protecionistas que precisam ser discutidas para permitir uma cooperação unilateral.

Campo fértil para inovação

As oportunidades não ficam restritas apenas à troca de conhecimento agrícola e aos investimentos privados. Há muito espaço para a inovação no campo. O ecossistema de agtechs na África ainda é pequeno, mas a situação vem mudando rapidamente. De acordo com dados do Standard Bank, o continente já tem 350 startups desenvolvendo soluções para o campo. “Elas estão mostrando como é possível aumentar significativamente a produtividade de pequenos produtores – que representam 80% de todo o agronegócio africano”, diz Linda. “Para esses agricultores é difícil, mas não impossível, aproveitar os benefícios das tecnologias agrícolas”. A falta de conectividade nas zonas rurais, um problema bastante conhecido pelos produtores e empreendedores brasileiros, é outro ponto de conexão que abre oportunidades para agtechs brasileiras. 

A produção agrícola no continente é marcada pela baixa modernização

O Agri-Footech Investing Report de 2019, levantamento anual realizado pelo site AgFunder News sobre os investimentos feitos em agtech e foodtech, aponta um crescimento significativo. O continente como um todo recebeu o dobro de investimentos em relação a 2018, chegando a US$ 282 milhões. A Nigéria, sozinha, recebeu US$ 201 milhões e aparece entre os 20 países que mais captaram recursos. Os valores ainda são baixos em comparação com a América Latina, que recebeu US$ 1,4 bilhões em 2019, mas mostra um rápido desenvolvimento e a necessidade por soluções.

Uma das startups mais populares do continente é a Hello Tractor. Com escritórios na Nigéria e no Quênia, a empresa desenvolve uma solução de gestão de tratores e outros maquinários agrícolas. O aplicativo para smartphones se conecta a um hardware vendido pela agtech e permite que o produtor gerencie sua frota, mas também ofereça seu equipamento para aluguel. A solução já foi chamada de “Uber dos tratores” e despertou a atenção da gigante John Deere, que a convidou para um programa de desenvolvimento de startups, e até do bilionário Bill Gates, que mencionou a solução em seu blog Gates Notes como uma das “cinco inovações tecnológicas que estão mudando a nossa vida”.Estufa de pepinos na África da Sul: condições climáticas semelhantes ao Brasil favorecem a cooperação técnica

Outra agtech que atraiu a atenção dos investidores é a nigeriana Opay. Sua principal é uma solução de pagamentos que ajuda a driblar os problemas de acesso aos bancos tradicionais, algo especialmente complicado para os produtores das zonas rurais. Em 2019, arrecadou US$ 50 milhões e decidiu apostar em uma expansão, incluindo outros serviços, como um serviço de compartilhamento de corridas de carro, semelhante ao uber, e uma plataforma de comércio online. Agora, fechou esses outros serviços e decidiu focar em sua vocação como agfintech.

As oportunidades são inúmeras, mas ainda há muito trabalho a ser feito para estimular a cooperação entre Brasil e África. “O primeiro passo”, diz Natália Dias, “é parar de olhar para o continente africano como um competidor e perceber nele um aliado”.

Onde estão algumas das principais oportunidades para o agro brasileiro

África do Sul
– Uma das maiores potências do continente, estabeleceu um plano de longo prazo que pretende acabar com a pobreza e reduzir a desigualdade até 2030. Nesse cenário, o agronegócio terá um papel determinante na geração de empregos e desenvolvimento econômico

Nigéria
– Um projeto de promoção da agricultura busca o desenvolvimento de pesquisas de inovação no campo nos próximos anos
– Sugar Master Plan: quer atingir a autossuficiência na produção de açúcar

Quênia
– O café é dos principais produtos enviados ao mercado externo, mas as taxas de exportação se mantém estáveis desde 2013

Zâmbia
– Quer criar, até 2030, um setor agrícola eficiente, competitivo e sustentável a partir da adoção de práticas que minimizem os impactos das mudanças climáticas

Moçambique
– Apenas 16% das terras cultiváveis do país estão sendo de fato exploradas

Uganda
– Quase 25% da população trabalha no setor agrícola, que responde por 70% do PIB do País. Os planos do governo preveem investimentos para aumentar a produtividade de alimentos como bananas, milho, mandioca e batata, entre outros

Angola
– A agricultura é fonte de renda para 90% da população rural. Até 2022, o governo angolano que fortalecer a adoção de práticas agrícolas sustentáveis

Zimbábue
– Até 2032, o país quer fortalecer a produção de milho (que registrou recorde de produtividade em 2017) e trigo e ampliar a contribuição da agricultura no PIB

Tanzânia
– Com a empregabilidade na agricultura em declínio, o governo tanzaniano quer transformar o agro, atualmente com baixíssima produtividade, em um setor semiindustrializado até 2025

Costa do Marfim
– Maior produtor e exportador de cacau do mundo, o país quer investir, até 2024, na modernização da cadeia de produção de outras culturas, como arroz, vegetais e manga

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