Edição 18 - 10.03.20
Por André Sollitto
Existem diversos elementos necessários para o desenvolvimento de um ecossistema de inovação, mas um deles é fundamental, independentemente das características da região, do setor produtivo ou do perfil dos empreendedores: os recursos financeiros. Sem investimentos, as soluções simplesmente não saem do papel. O ano de 2019 marcou a chegada de diversos fundos de investimentos internacionais ao Brasil, que desembarcaram por aqui de olho em agtechs, apontando para o início de um novo ciclo de amadurecimento do ecossistema agtech no País.
O caso mais emblemático é o do grupo japonês Softbank. Neste ano, o mais proeminente fundo do planeta anunciou a criação do Vision Fund 2, com US$ 108 bilhões – ainda maior que o já impressionante Vision Fund, com US$ 100 bilhões. O objetivo é investir em startups promissoras. E criou ainda outro fundo, bem mais modesto, com “apenas” US$ 5 bilhões, exclusivo para a América Latina. Desde então, fez diversos aportes importantes na região: em empresas de logística, como a Rappi e a Loggi, em fintechs e em outras empresas de destaque, como a Buser e a QuintoAndar. O grupo também dedicou R$ 500 milhões para outros fundos de venture capital da região, uma estratégia para diversificar seus investimentos. Lá fora, no entanto, o Softbank viveu momentos de tensão com a WeWork, plataforma de escritórios compartilhados que tentou abrir seu capital, teve que voltar atrás, e ficou sem dinheiro. Em meio às polêmicas e às análises atentas dos investidores sobre o potencial da empresa, o CEO, Adam Neumann, foi obrigado a renunciar.
O caso parece distante da nossa realidade, mas indica que o Softbank será mais cauteloso em seus investimentos em 2020, inclusive na América Latina. O agro, no entanto, já foi indicado por André Maciel, diretor da operação brasileira do fundo, como um setor que desperta a atenção – não por acaso, representantes do Softbank no Brasil passaram a ser frequentadores assíduos de eventos do ecossistema agtech brasileiro. E o que o Softbank faz, bem como as áreas em que atua, servem de exemplo para outros fundos e investidores. “É um gatilho. Não é o único, mas tem um papel bastante importante”, diz o investidor Mitsuru Nakayama, japonês radicado no Brasil.
As startups brasileiras estão trabalhando há anos em busca de soluções para áreas importantes, como o agronegócio e o mercado financeiro. No caso das agtechs, houve uma explosão no número de empresas: o Radar AgTech 2019, maior mapeamento já feito no setor, apontou 1.125 startups em funcionamento no País. O que mudou no cenário macro para justificar esse boom e a chegada dos fundos estrangeiros? “Os juros estão baixando e há um interesse muito maior por investimentos alternativos”, afirma Kieran Gartlan, economista irlandês responsável por cuidar da operação da Yield Lab no País. E o setor agtech se apresenta como uma opção bastante interessante. “Principalmente pela facilidade de mostrar seu potencial e pelo tamanho do mercado”, diz ele.
Fundada em 2014 em St. Louis, nos Estados Unidos, a aceleradora Yield Lab chegou ao Brasil em 2019. Focada em startups do agronegócio, ela desenvolveu um programa regional para a América do Sul. Gartlan e sua equipe se dividem entre São Paulo e Piracicaba, mas prestam atenção na movimentação em outros polos de destaque. Em agosto, o Yield Lab anunciou o primeiro investimento em uma startup brasileira, e a selecionada foi a agfintech TerraMagna, criadora de uma plataforma que reduz os riscos para quem quer investir no agro, oferecendo um monitoramento seguro.
O Yield Lab não foi o único desembarque estrangeiro de 2019. A Plug and Play, badalada aceleradora americana, já atuava no Brasil por meio de sua plataforma de investimentos, mas neste ano passou a contar com um escritório físico em São Paulo e lançou outras vertentes de seu modelo de negócios no País, incluindo aceleração e um programa de inovação corporativa. Lá fora, ela atua em 16 verticais, de saúde a mobilidade urbana. Para a operação brasileira, decidiu começar com as fintechs e com agfoodtechs. “Estamos em busca do próximo unicórnio do agro”, diz Francisco de Frutos, diretor da área aqui no Brasil. “O ecossistema brasileiro ainda não está maduro, mas em vias de se tornar”, afirma Bruno Gaspar, analista de empreendimentos da Plug and Play. “O Brasil está desenvolvendo uma mentalidade sobre o capital de risco, entendendo que é preciso ter inteligência para investir o dinheiro em várias startups. É preciso entender que o retorno chegará daqui a cinco, dez anos, e que é necessário fomentar a inovação aberta”.
A movimentação não fica restrita a esses três fundos. Fundado pelo japonês Nakayama, o Brazil Venture Capital surgiu como um fundo que se dedicava às startups em estágio inicial. “Em meados de 2014, ninguém olhava para esse estágio. Os fundos existentes só viam empresas mais maduras”, afirma ele. Ele percebeu o potencial do Brasil e decidiu se instalar no País. “O mercado é muito grande. Então, se você acertar, o retorno é enorme. Além disso, não é preciso ter tecnologia de ponta para fazer diferença. Basta ver o exemplo da 99. Há o que chamo de ponto ótimo entre concorrência e potencial de mercado”, afirma Nakayama. Hoje, ele ajuda a fazer a ponta entre os ecossistemas brasileiro e japonês, organizando eventos, e diz ver muito potencial não apenas no agro, mas em fintechs e healthtechs.
Esses fundos novatos no Brasil se unem a outros, com mais experiência. É o caso da SP Ventures, que surgiu com uma pegada mais generalista, mas em pouco tempo mudou seu perfil e se tornou o primeiro fundo com foco em agtechs do Brasil. Recentemente, o cofundador Francisco Jardim anunciou que estava levantando recursos para o fundo AgVentures II, dedicado apenas a agtechs e foodtechs. O valor total não foi divulgado, mas a Basf anunciou um aporte de US$ 4 milhões. Outros exemplos incluem ainda fundos menores dedicados ao capital somente, como o Poli Angels e ao GVAngels, formados, respectivamente, por ex-alunos da Poli e da FGV. Eles têm demonstrado interesse no agro. A Poli Angels fez um aporte na IDGeo, que desenvolve sistemas de gestão de lavoura, e a GV Angels, na FishTag, uma plataforma que conecta produtores e compradores de pescado.
Um ecossistema mais maduro
A chegada dos fundos de investimento estrangeiros aponta para um desenvolvimento muito mais completo do ecossistema. Outro fator de maturidade é a quantidade de hubs que estão surgindo. A cidade de Piracicaba, conhecida como AgTech Valley pela presença do Pulse, hub de inovação da Raízen, e da EsalqTec, a incubadora da Esalq, ganhou o reforço do AgTech Garage, que abriu suas portas em abril e já lançou a primeira edição de seu programa de aceleração. A cidade de Cuiabá ganhou, recentemente, o AgriHub Space, inaugurado no início de dezembro com o objetivo de se tornar referência em inovação aberta na região. Outras iniciativas incluem o Habitat Floema, no Rio Grande do Sul, que quer se tornar um laboratório de soluções para o agro, e o Conexa Hub, em Goiânia. “Há uma verdadeira onda de espaços como esses sendo inaugurados”, diz Kieran Gartlan. Londrina, no norte do Paraná, também estruturou um ecossistema completo, unindo as expertises de produtores locais com a presença de centros de pesquisas como o da Embrapa Soja, um forte ambiente acadêmico e um tradicional polo de TI. Acabou sendo reconhecido pelo Ministério da Agricultura como o primeiro Polo de Inovação Agro do País. “Desde que chegamos ao Brasil, estive mais vezes em Londrina do que no Rio de Janeiro”, afirmou recentemente Francisco de Frutos, o espanhol que comanda a operação da Plug and Play por aqui.
O efeito é cumulativo. Os hubs atraem as empresas, que passam a se engajar mais com o universo de startups. O AgTech Garage, por exemplo, estabeleceu seu programa de aceleração a partir das demandas dos parceiros corporativos, e formatos semelhantes têm sido adotados em outras iniciativas. “Isso ajuda o investidor que vem de fora a entender por que há tanto barulho em agtech”, diz Kieran. “Da mesma maneira, se olharmos para o passo anterior, do investidor anjo, veremos como a atuação dele dá ainda mais tranquilidade aos investidores, que podem aplicar o dinheiro sem pensar tanto no básico”, afirma o economista. O cenário é favorável e tem tudo para transformar 2020 no ano em que a inovação brasileira no campo se tornará um exemplo para o mundo.
O perfil de cada fundo
Entenda como cada fundo olha para as agtechs e quais são as características buscadas antes do investimento ser feito
SoftBank
Principal fundo de investimentos no mundo, o grupo japonês levantou US$ 108 bilhões para o Vision Fund. Tem uma visão mais generalista, mas investe apenas em empresas mais maduras. Sua atuação na América Latina ficou focada em fintechs e startups que causaram um grande impacto em outras áreas, mas já indico que o agronegócio representa um setor interessante. Os aportes são sempre grandes, passando das centenas de milhões de dólares.
Plug and Play
Fundo americano de tese mais generalista, trabalha com 16 verticais nos Estados Unidos. No Brasil, inaugurou um escritório e começou a operação com foco em fintechs e agfoodtechs. Os investimentos são feitos em startups em estágio inicial, e o ticket médio fica em torno de US$ 100 mil.
Yield Lab
A aceleradora de origem americana se dedica exclusivamente às agtechs. O ticket médio também fica em torno de US$ 100 mil. No Brasil, o único aporte feito até agora foi na TerraMagna, mas o fundo atua também em outros países da América Latina.
Brazil Venture Capital
O foco é em startups em estágio inicial, com produtos ou serviços preliminares prontos para serem testados no mercado, e no formato B2B. Inicialmente, olha para os setores de marketing, saúde, serviços financeiros e educação, mas seu fundador, Mitsuru Nakayama, já afirmou que o agronegócio é uma vertente com potencial.
SPVentures
Após ter surgido com um perfil mais generalista, a empresa passou a se concentrar em agtechs que causem impactos positivos na cadeia de produção. Acaba de levantar recursos para um novo fundo, o AgVentures II.
GV Angels
Como o nome já indica, o fundo formado por ex-alunos da FGV faz investimento anjo e seed em empresas com produto pronto, validação de mercado e alguma tração relevante. O ticket vai até R$ 600 mil.
Poli Angels
Também formado principalmente por ex-alunos da Escola Politécnica da USP, o fundo faz aportes em startups em estágio inicial. O objetivo é fomentar o empreendedorismo de jovens engenheiros por meio de investimento anjo e mentoria especializada.
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