Uma pequena gigante no universo AgTech

Por André Sollitto Não se prenda pela primeira impressão. A recém-formada estrutura da Granular


Edição 16 - 17.09.19

Por André Sollitto

Não se prenda pela primeira impressão. A recém-formada estrutura da Granular no Brasil pode enganar alguém menos familiarizado com sua história. A empresa de agricultura digital mantém apenas um pequeno escritório em Goiânia, com uma equipe que reúne somente oito profissionais. E oferece um único produto, atualmente rodando nas fazendas de 40 produtores espalhados pelos estados de Goiás, Mato Grosso e Bahia. Quando se olha bem de perto, porém, percebe-se que esse pequeno time carrega grandes desafios e deve começar a fazer barulho em todo o País. Por trás da Granular está a Corteva Agriscience, uma das maiores empresas de insumos agrícolas do mundo, que em 2017 pagou US$ 300 milhões pela AgTech de origem americana. A companhia chega para disputar um acirrado mercado com os braços digitais de outras potências do agro, também com desembarque recente nas lavouras brasileiras: a Basf, com sua plataforma xarvio; a Bayer, com a Climate; e a Syngenta, dona da Strider. É como se o último peso-pesado do setor que ainda estava ausente da disputa tivesse finalmente entrado no ringue.

A chegada da Granular já havia sido antecipada pela PLANT há um ano, em uma entrevista do presidente da Corteva no Brasil, Roberto Hun. Agora, com a operação já iniciada, ela apresenta em primeira mão a sua arma escolhida para os rounds iniciais nessa disputa. Trata-se da Insights, uma ferramenta desenvolvida em parceria entre Estados Unidos, Brasil, Canadá e Austrália, e que leva em conta as particularidades de cada país. “Não foi preciso fazer nenhuma tropicalização”, afirma à PLANT Lucas Silvestre de Melo, diretor de Marketing da Granular. Disponível nas principais lojas de aplicativos para dispositivos móveis, o software de gestão da fazenda usa imagens do espaço para oferecer dados ao produtor. O grande trunfo é justamente a qualidade desse mapeamento, feito pela Planet Labs – empresa que surgiu em 2010 e se especializou no desenvolvimento de nanossatélites, chamados Doves, ou “pombos”. Eles são colocados em órbita e fornecem dados de alta resolução todos os dias. Em 2018, eles tinham 150 equipamentos funcionando, a maior constelação de satélites já lançada. Fecharam uma parceria com a Granular com três anos de duração, válida até 2020.

O sistema identifica os talhões, mantém um histórico da lavoura e mostra onde é preciso tomar uma atitude de acordo com a saúde das culturas. Projetado para driblar inclusive a falta de conectividade em algumas regiões, o programa permite que o fazendeiro faça um download dos mapas no aplicativo antes de ir ao campo e já saiba exatamente onde agir. O software também permite que sejam inseridas informações operacionais da fazenda, características da lavoura e outros dados financeiros. Tudo fica reunido em um único lugar. O Granular Insights ainda não foi lançado em larga escala por aqui. A divulgação do serviço deve se intensificar no segundo semestre deste ano.

Nos Estados Unidos, no entanto, a empresa já está entre as líderes em agricultura digital e monitora cerca de 15 milhões de hectares. Além disso, oferece um portfólio bem maior de produtos. Um dos principais é o AcreValue, uma fonte digital de dados sobre preço de terras. A plataforma usa um algoritmo para fazer avaliações precisas e gratuitas, fundamentais para o mercado de compra, venda e arrendamento de propriedades rurais. Além de detalhes sobre transações, ela oferece informações sobre os donos de cada propriedade, o clima da região e a qualidade do solo. A solução, no entanto, não deve vir ao Brasil, pelo menos no curto prazo. “Aqui, a tecnologia de mapeamento do solo responsável por gerar as informações necessárias com confiança ainda está anos-luz atrás dos Estados Unidos”, diz Lucas de Melo. Outros produtos da empresa, como o Granular Business, ferramenta que ajuda o dono da fazenda a organizar as tarefas de seus funcionários com o objetivo de aumentar a eficiência, passam por um processo de internacionalização. Mas Lucas de Melo evita afirmar que ele será oferecido também no Brasil. “Tenho a preocupação de não prometer algo que não vou trazer depois”, diz ele. Desde 2017, a AgTech mantém ainda uma parceria com a fabricante de maquinário agrícola John Deere para integrar seu software de administração da fazenda em seus equipamentos.

O porta-voz da Granular no Brasil, Lucas Melo: a equipe é composta por apenas oito pessoas

IDAS E VINDAS

Hoje badalada, a startup nasceu há apenas cinco anos, como um spin-off de outra empresa, a Solum, no Vale do Silício, o principal polo de inovação do mundo. Essa história começa com a compra pela gigante Monsanto (hoje Bayer) de metade dos produtos da Solum, incluindo testes de solo, e pela criação de uma nova área junto com tecnologias adquiridas da startup The Climate Corp., em 2013. As soluções que não entraram naquela negociação, como softwares, serviços na nuvem, aplicativos para smartphones e ferramentas colaborativas para produtores, foram agrupadas para dar origem à Granular. Em dois anos, ela havia captado US$ 25 milhões, recursos vindos de fundos como o Andreessen Horowitz, conhecido por investir no Facebook, Twitter, Groupon, Airbnb e BuzzFeed, entre outros; Google Ventures; e Tao Capital Partners, uma das investidoras de Uber e Tesla.

Em meio a essas negociações, surge a DuPont, que investiu na startup em 2015 e oficializou a compra, por US$ 300 milhões, em 2017. As soluções oferecidas pela Granular foram vistas como complementares às ferramentas de agricultura digital da própria DuPont, como a Encirca. Na época, as duas soluções juntas seriam responsáveis pelo monitoramento de 2 milhões de hectares. E é aí que começa a relação da AgTech com a Corteva Agriscience, empresa que surgiu com a fusão das divisões agrícolas de DuPont e Dow AgroSciences. Hoje, separada da holding DowDuPont, a Corteva é dona de 100% da Granular, que funciona como uma subsidiária independente. Tanto que o CEO, Sid Gorham, continua no comando e passou a liderar também a área de Agricultura Digital da Corteva. “Temos certa autonomia e liberdade”, afirma Lucas de Melo.

UM NOVO TEMPO

“A transformação digital é um movimento sem volta também no agro”, diz Almir Araújo, responsável por agricultura digital na Basf. “Quem não estiver olhando para esse setor vai perder muitas oportunidades”, completa Guilherme Abelardo, gerente de Produto da Climate para a América Latina. Por isso, assim como a Corteva, outras grandes empresas de insumos estão jogando o jogo da chamada agricultura de informação. Elas compram startups ou criam departamentos internos dedicados a se debruçar sobre soluções digitais, contando com a agilidade tradicional do ecossistema de inovação. O objetivo de todas elas é um só: criar uma plataforma que seja como um iOS, o sistema operacional da Apple, em que se conectam os aplicativos que pretendem ser usados pelos consumidores da marca. “Nessa corrida, as melhores soluções vão funcionar como agregadores de diversas tecnologias. Como um iPhone”, diz Melo.

Com trajetória semelhante à da Granular, a The Climate Corporation surgiu no Vale do Silício, em 2006, criada por dois ex-funcionários do Google. Na época, conhecida como WeatherBill, oferecia uma solução de seguros por meio da análise de dados climáticos. Foi mudando sua área de atuação, migrando para uma ferramenta agronômica e, em 2013, foi comprada pela Monsanto por US$ 930 milhões. O valor foi questionado e alguns analistas afirmaram que o negócio chegou a US$ 1,1 bilhão, tornando a Climate o primeiro unicórnio do agro. Hoje, a empresa é o braço de agricultura digital da Bayer. Seu principal produto é o Climate FieldView, plataforma que coleta e processa dados do campo, ajudando o produtor a avaliar a performance de cada talhão, do plantio à colheita.

A Basf também desenvolveu seu próprio setor de agricultura digital. Em 2014, começou estudos sobre o mercado e de que maneira criaria uma infraestrutura para dar suporte aos produtores. No ano passado, comprou diversos ativos da Bayer, incluindo o xarvio, plataforma que hoje está disponível globalmente. “Cada região tem um xarvio adaptado”, diz Almir Araújo. No Brasil, estão disponíveis dois produtos: o exclusivo Field Manager e o Scouting. O primeiro que ajuda o agricultor no mapeamento de ervas daninhas e indica onde aplicar os defensivos para aumentar sua eficiência. Por enquanto, já está sendo usado em Mato Grosso, Bahia e Goiás, mas deve ser levado a outros estados. O Scouting é um aplicativo para smartphone que permite a identificação de doenças e ervas daninhas. As duas ferramentas foram apresentadas oficialmente aos produtores este ano, durante a Agrishow. Sem entrar em detalhes, Araújo afirma que outros produtos já estão em fase de testes e o portfólio deve aumentar em breve.

A investida da Syngenta, outra grande empresa de insumos do agro, em agricultura digital foi a compra da brasileira Strider, em 2018. Criada em 2013, a pioneira AgTech é especializada em gerenciamento operacional das lavouras e tem entre seus clientes corporações como a SLC Agrícola, com soja, milho e algodão, e o Grupo Santo Aleixo, principalmente com café. A gigante suíça, que hoje pertence à China National Chemical (ChemChina), também tem feito investimentos em outras startups, de olho em expandir suas opções digitais.

A concorrência não é apenas entre essas grandes empresas de insumos, mas também entre as próprias AgTechs. A americana Indigo, a startup mais valiosa do agro no momento, chegou ao Brasil oferecendo tratamento de sementes, mas lá fora ela dá aos produtores uma gama enorme de soluções. É uma questão de tempo até que algumas de suas tecnologias mais disruptivas estejam disponíveis em outros mercados fora dos Estados Unidos.

VALOR PARA O AGRICULTOR

Com tantas opções no mercado, o produtor pode até ficar um pouco confuso na hora de escolher uma tecnologia. “É algo natural. Ainda estamos ganhando maturidade”, diz Almir Araújo, da Basf. É preciso superar algumas barreiras. Uma delas é a aversão que alguns agricultores ainda sentem em relação à própria tecnologia. E sem testar um produto não poderão compreender suas vantagens. Quem tem contribuído para mudar essa situação são as novas gerações, os filhos dos produtores que foram estudar nos grandes centros retornaram à fazenda dispostos a experimentar as inovações. Outra barreira é a falta de conectividade em regiões produtoras, problema que tem sido amenizado pelas soluções disponíveis.

A expansão da agricultura digital depende ainda da facilidade de operação de suas plataformas. “É preciso que seja algo como o WhatsApp, que não exige aula ou tutorial. E simples. Se for muito complicado de utilizar, a tecnologia deixa de ter função”, afirma Guilherme Abelardo, da Climate. Também deve ser acessível, para que a adoção faça sentido dentro do orçamento da fazenda. Sobre as dúvidas de qual solução será mais útil para cada produtor, ajuda o fato de que não é preciso escolher uma única plataforma. Muitos dos sistemas desenvolvidos hoje conversam entre si, de maneira complementar. “Não vamos ter solução para todos os problemas dos agricultores. Sozinhos não vamos sobreviver, pois vivemos em um ambiente colaborativo”, diz Abelardo. E, no fim do dia, o que o agricultor quer de verdade é ver resultados. Vai sair vencedor do ringue da agricultura digital quem provar que ajuda a entregar melhor rendimento, maior produtividade e maior economia.

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