Menos é mais, muito mais

Por Romualdo Venâncio Os nematoides, parasitas que atacam as raízes de diversas culturas, causam u


Edição 15 - 28.08.19

Por Romualdo Venâncio

Os nematoides, parasitas que atacam as raízes de diversas culturas, causam um prejuízo anual de cerca de R$ 35 bilhões à nossa agricultura, segundo dados da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN). Nas lavouras de soja, que representam quase metade da produção nacional de grãos, a rasteira passa de R$ 16 bilhões. Boa parte do problema está exatamente na forma sorrateira como agem esses minúsculos parasitas, sob a terra, sem serem vistos e sem alardes, minando o potencial produtivo das plantas. É mesmo como uma rasteira: quando menos espera, o agricultor já foi derrubado. Para o bem do agronegócio, não é de hoje que o setor de pesquisa vem trabalhando, em várias direções, para que os produtores possam dar o troco, e na mesma moeda. Um dos caminhos para essa virada é a nanotecnologia, ciência que se propõe a desenvolver ou inovar matérias-primas, produtos e processos a partir da manipulação de materiais em escalas atômica e molecular. As boas notícias são inversamente proporcionais ao tamanho dessas partículas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, foi descoberta uma nanopartícula biológica que amplia a área de ação dos defensivos que combatem os nematoides e conduz melhor esse procedimento. Esse recente estudo, publicado em 20 de maio deste ano na revista Nature Nanotechnology, vem sendo realizado em conjunto por pesquisadores da California University, localizada na cidade de San Diego, e da Case Western Reserve University, de Cleveland (Ohio).


Nicole Steinmetz, professora de nanoengenharia da California University e uma das autoras da pesquisa, conta que foi testada a mobilidade de nanopesticidas sintéticos baseados em vírus. A pesquisadora diz terem descoberto que os vírus causadores das doenças mosaico-do-tabaco e mosaico-do- feijão-caupi podem penetrar no solo a uma profundidade de pelo 30 cm, permitindo que o nematicida seja distribuído na rizosfera, exatamente onde as raízes das plantas mais mexem com a terra e onde há maior atividade microbiana. Ou seja, o impacto do produto por ali é bem maior. De outra forma, essa área provavelmente só seria alcançada com a aplicação de doses elevadas de pesticidas, aumentando o custo de produção.

É aí que a agricultura de precisão faz toda a diferença, pois além de aumentar a eficácia dos insumos evita a poluição ambiental pelo acúmulo do produto. Tal condição é potencializada por formulações de liberação lenta com base em nanopartículas. Nicole compara essa evolução ao que já ocorre na saúde humana. Nanopartículas são utilizadas para direcionar a ação dos medicamentos concentrando-a na região do corpo onde está a doença. Dessa forma, aumenta a eficiência da droga e reduz os efeitos colaterais no paciente.

A busca por tal assertividade também tem histórico no Brasil, tanto para a produção agrícola quanto pecuária, inclusive com soluções já disponíveis. Mais que gerar resultados superiores em lavouras e rebanhos, a nanotecnologia pode estabelecer uma valiosa conexão entre o campo e o consumidor final.

REAÇÃO EM CADEIA

A importância desse campo da pesquisa para as cadeias agropecuárias levou o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) a publicar um estudo chamado Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, no qual descreve benefícios dessa área e mostra iniciativas no setor. Diversos estudos brasileiros apresentados no documento estão sob o guarda-chuva da Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, a Rede AgroNano, composta por mais de uma centena de pesquisadores de diferentes unidades da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), além de profissionais de outras instituições – públicas e privadas – e de agroindústrias. À frente desse grupo está a Embrapa Instrumentação, de São Carlos (SP), que traz esse tema entre suas cinco linhas temáticas de trabalho. Não por acaso, é nessa unidade que está instalado o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA).

 

Caue Ribeiro, da Embrapa Instrumentação

Caue Ribeiro, pesquisador sênior da Embrapa Instrumentação destaca três enfoques principais nas linhas de pesquisa nesse campo. “Em medicina animal, há projetos de novas vacinas utilizando adjuvantes nanométricos, medicamentos de liberação controlada e novos métodos de diagnóstico de doenças animais por sensores nanoestruturados. Na área de nutrição, há a formulação de rações com componentes de liberação lenta e controlada. E em qualidade do produto, temos a conservação de ovos por películas de revestimento e o monitoramento da qualidade de carne e leite por sensores nanoestruturados”, explica. “Esses exemplos não esgotam o tema, mas já mostram a abrangência da área.”

Daniel Souza Corrêa, também pesquisador da Embrapa Instrumentação e que trabalha diretamente com o LNNA, comenta que a piscicultura vem ganhando espaço entre os segmentos de produção animal nos estudos realizados pela Rede Agronano. Segundo ele, as pesquisas vão desde o desenvolvimento de nanocompósitos (que resultam da mistura em nanoescala de materiais com diferentes características) com melhores propriedades mecânicas (resistência a intempéries mais leves com menor custo de produção, entre outras) para uso em tanques-redes. Outra opção é o encapsulamento de insumos, como vitaminas e nutrientes, para alimentar os peixes. “O objetivo é aumentar o ganho de peso dos animais utilizando uma menor quantidade de comida”, completa.

Mostra desse trabalho colaborativo, a Embrapa Instrumentação atuou em parceria com a Produquímica, empresa do Grupo Compass Minerals, para o desenvolvimento de um fertilizante baseado em nanotecnologia. Lançado no ano passado, o MicroActive consiste na formulação de micronutrientes, em grande concentração, que recobrem de forma homogênea os grânulos dos macronutrientes nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). O objetivo é garantir que as lavouras sejam alimentadas com mais precisão, o que, no final das contas, gera melhores resultados em produção e investimentos.

Essa aproximação do setor privado com as instituições de pesquisa, inclusive do meio acadêmico, é essencial para acelerar os avanços nesse campo da ciência, pois os custos do desenvolvimento de produtos são elevados. Sobretudo porque, apesar de os conceitos da nanotecnologia terem surgido no final dos anos 1950, não faz tanto tempo que a tecnologia passou a ser estudada com mais ênfase para o agronegócio. A ampliação dessa área é relativamente recente. “Por isso, de forma geral, as tecnologias de maior valor agregado tendem a ser mais atrativas ao mercado, ao menos enquanto não se tornam financeiramente mais acessíveis”, comenta Caue.

Segundo o pesquisador, na pecuária, por exemplo, faz mais sentido utilizar essa tecnologia para um rebanho de elite. Como o medicamento nanoencapsulado desenvolvido pela Embrapa Gado de Leite para combater a mastite e que tem maior alcance nas áreas de infecção, diminuindo a reincidência e o descarte de leite. “Mesmo que o custo do medicamento seja um pouco maior, compensa pela redução do risco de ter um animal sem produzir”, diz Caue. Ele acrescenta que essa relação custo/benefício depende de cada setor de aplicação e que o ganho global na cadeia é mais complexo. “Não pode ser analisado apenas como um fator do preço imediato do novo produto”, ressalta.

Daniel avalia que, por se tratar de uma área tecnológica de ponta, a nanotecnologia tem relevância estratégica para o agronegócio, mas também por essa razão em muitos casos os investimentos são realizados mais a médio e longo prazos. “É importante que o Brasil aumente os investimentos nessa área para evitarmos ou diminuirmos a dependência tecnológica”, afirma, acrescentando que uma forma de estimular a entrada de recursos no setor seria por meio de políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em nanotecnologia estabelecidas pelo governo. “Isso incentivaria investimentos contínuos tanto pelas instituições de pesquisa quanto pelo setor industrial, como acontece nos países mais desenvolvidos, que continuam injetando recursos na área de nanotecnologia, via setores acadêmico e industrial”, analisa.

HORIZONTE EXPONENCIAL

O universo de inovações para a indústria com a nanotecnologia é muito abrangente, passando por carnes artificiais, produzidas a partir da nanomanipulação de proteína vegetal; roupas conectadas que monitoram sinais vitais e controlam odores ou que tenham proteção UV; tatuagens eletrônicas que substituem eletrodos no monitoramento do coração e do cérebro. A amplitude do setor também é representada em cifras. Há uma expectativa de que o mercado mundial de nanotecnologia, envolvendo diversos segmentos produtivos, alcance US$ 76 bilhões no ano que vem. Em 2015, era estimado em US$ 27 bilhões.

Esses dados fazem parte da síntese de resultados do projeto Indústria 2027, realizado pela CNI, a Confederação Nacional da Indústria, em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Esse trabalho analisa o impacto de oito grupos de tecnologias em dez setores produtivos da economia em dois períodos – cinco e dez anos. Nesses cruzamentos a nanotecnologia encontra o agronegócio em duas situações, uma de forma mais direta, pelo setor de agroindústria, e outra um pouco menos, com bens de capital, onde entram máquinas e implementos agrícolas.

Os relatórios desse projeto trazem o segmento de embalagens como destaque na exploração agro da nanotecnologia. O principal objetivo é ampliar a vida útil dos alimentos nos pontos de venda, o tempo de prateleira (shelflife). Há também a possibilidade de identificar, em tempo real, a idoneidade do produto, o que ajuda a eliminar o desperdício associado aos prazos de validade tradicionais. O material ainda dá ênfase ao setor de pesquisas: “Embora alguns desses produtos já sejam comercializados, o comportamento de nanopartículas desperta preocupações com a saúde. Não existe ainda uma regulação de seus usos, mas a experiência das biotecnologias aponta para a necessidade de cautela”.

As pesquisas na Rede Agronano vão nessa linha, com o desenvolvimento de filmes processados, revestimentos comestíveis e embalagens funcionais para alimentos. Mais interessante é que a matéria-prima também é comestível: frutas e legumes. A partir de polpas de produtos como mamão, maracujá e beterraba são gerados polímeros naturais não tóxicos, materiais de alto potencial usados no processamento de bioplásticos. É a nanotecnologia que também permite a alteração desses produtos para novas utilizações pela agroindústria, ampliando o leque de possibilidades. Vale ressaltar que toda essa evolução tem influência direta na relação entre a comida, já no varejo, e o impacto ambiental.

A expectativa é de que muito em breve esses nanomateriais biodegradáveis possam entrar de vez na rotina da indústria de alimento em diferentes etapas: procedimentos de conservação de frutas e legumes, preservação no transporte e no comércio ou como agente de identificação de sanidade e qualidade, indicativos ao consumo humano. “Esses benefícios da nanotecnologia agregam valor ao produto – mais saudável, nutritivo e durável. Em muitos casos, esses ganhos serão percebidos de forma indireta”, comenta Caue. A evolução nesse campo da pesquisa científica voltada ao agronegócio, em especial à produção de comida, pode favorecer a relação entre as cadeias agropecuárias e o consumidor final, aproximando esses dois extremos e dando mais visibilidade à importância do meio rural.

TAGS: Defensivos, Defensivos Agrícolas, Nanotecnologia, Rede AgroNano