Um expert na arte da lapidação de tilápias

O primor de Mauro Nakata com a criação e o processamento de peixes tem ajudado a multiplicar as op


Edição 9 - 10.06.19

O primor de Mauro Nakata com a criação e o processamento de peixes tem ajudado a multiplicar as oportunidades de negócios e a fortalecer a credibilidade da Piscicultura Cristalina, empresa criada por seu pai

Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli

Assim que a generosa porção de peixe frito chega à mesa do almoço, seu Mauro Yoshio Nakata prontamente comenta: “Esta aqui é a mesma tilápia que vocês viram lá na água”. A satisfação do anfitrião não é exagero, pois o sabor da iguaria confirma a boa impressão causada pelo aroma e pela aparência: postas sequinhas, bem temperadas e com a pele crocante feito pururuca. Tal receptividade à equipe de reportagem da PLANT PROJECT, durante a visita à Piscicultura Cristalina, em Fartura (SP), é praticamente um privilégio gastronômico — a maior parte das cerca de 14 toneladas de tilápias processadas diariamente pela empresa chega ao mercado na forma de filé, congelado ou resfriado. Mas o comentário vem cheio de orgulho mesmo é quando fala do envolvimento de seu filho mais velho com a atividade. “Desde pequeno o Maurinho sempre gostou de ficar perto da piscicultura.” O “Maurinho” em questão é Mauro Tadashi Nakata, de 33 anos, responsável pelas operações industriais e comerciais da Cristalina. O jovem representa a nova geração não só da empresa familiar mas do próprio setor. A Cristalina é uma estrela em uma das áreas que mais crescem no agronegócio nacional.

Assim que se formou em Economia, em 2008, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba (SP), Mauro foi trabalhar como analista de mercados de commodities agrícolas, em especial o algodão. E exatamente no Grupo Horita, da família de Walter Horita, um dos nomes escolhidos para a primeira temporada da série TOP FARMERS, em 2017. Após alguns meses, Mauro se deu conta de que seu negócio era mesmo a piscicultura e retornou a Fartura. Sem qualquer trocadilho com o nome da cidade, sua entrada definitiva no empreendimento iniciado pelo pai tinha como objetivo ampliar as operações e multiplicar os resultados. “Naquela época, estávamos começando os abates do nosso primeiro frigorífico, e voltei para tocar essa parte do negócio”, conta o economista.

Mauro também tinha a missão de identificar as características de consumo do mercado e particularidades da demanda, já que a produção industrial era feita quase que por encomenda. “Não produzimos para depois encontrar os clientes, o caminho é inverso”, comenta o piscicultor. “Essa questão de ter um produto diferenciado, de acordo com a necessidade de cada cliente, é em parte algo que herdei do meu pai.” A busca por clientes foi um “trabalho de formiguinha”, como diz Mauro, batendo de porta em porta. Uma das primeiras oportunidades veio com a rede de restaurantes de comida oriental Gendai. “O sushiman chef à época, Milton Toyoshima, que já era nosso amigo, precisava de uma alternativa de peixe branco para sashimi, pois a opção que costumavam usar, o robalo, tinha um preço alto e o abastecimento não era estável.” O fornecimento começou com 20 quilos por dia em apenas uma unidade, mas logo entrou em toda a rede. Não tardaram a surgir novas negociações. Devido  à qualidade do peixe e do atendimento, a Cristalina pegou carona no crescimento dos clientes – quanto mais lojas, maior a demanda.

Foi dessa forma que Mauro, apoiado por seu pai, conseguiu firmar parcerias com grandes nomes dos segmentos de restaurantes e lojas de varejo, como Outback, Barbacoa, Pinguim, General Prime Burguer, Braugarten, Hortifrúti Oba e Rede Zaffari. “Quando estabelecemos uma boa relação com uma rede que tem um horizonte positivo de expansão, também temos segurança para investir”, analisa. Essa condição estimulou o investimento de aproximadamente R$ 6 milhões, em obras e equipamentos, para a construção do novo frigorífico, que começou a operar em 2016. Quando a estrutura estiver toda pronta, com duas linhas de operação, a capacidade de processamento da Cristalina chegará a 30 toneladas por dia. Por enquanto, apenas uma linha está em funcionamento. Além da produção e da indústria, a empresa ainda tem toda a estrutura logística para a entrega dos peixes no estado de São Paulo e uma graxaria, onde os resíduos do frigorífico (vísceras e carcaças, por exemplo) são transformados em farinha de peixe, matéria-prima que atende outros setores, como a indústria de ração para pets. Em todo o negócio, são cerca de 150 funcionários.

UMA BOA HISTÓRIA DE PESCADOR

Mauro é paulistano, mas mudou-se da cidade de São Paulo com apenas 6 anos, em 1991, quando seu pai decidiu investir na formação de um pesque-pague, o Pesqueiro Pantanosso, em Mairinque (SP). Seu Nakata é engenheiro civil e tinha sociedade em uma construtora com um irmão, mas resolveu deixar o negócio após ter suas contas congeladas pelo Plano Collor, somado ao fato de já estar exausto do ritmo alucinante da metrópole. Um ano depois, ampliou o empreendimento, iniciando a criação de peixes em Juquiá (SP), no Vale do Ribeira, pois havia certa dificuldade de encontrar peixes para o pesqueiro. Era uma piscicultura em viveiros escavados, onde se produzia pacus, matrinxãs, piauçus, carpas, pintados, piraputangas e outras espécies destinadas ao pesque-pague. No começo dos anos 2000, a pescaria mudou de direção.

“O início da piscicultura no Brasil foi pelo pesque-pague, mas no princípio da década de 2000 surgiu outro cenário, direcionando a atividade para a produção de alimento”, explica Mauro. Ele conta que seu pai optou por remodelar o negócio assim que percebeu essa movimentação. Em 2002, seu Nakata adquiriu a área em Fartura, seguindo a indicação de um fornecedor de peixe. Não demorou muito – dois anos – e abriu mão das outras unidades para concentrar toda a energia na Cristalina, já projetada para trabalhar exclusivamente com tilápia, até por conta da demanda do mercado. “Mundialmente, é o peixe comercial mais produzido em água doce. Também é a principal espécie da piscicultura paulista e do Brasil, em água doce”, justifica Mauro.

Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira da Piscicultura, a Peixe BR, a produção global da tilápia pode chegar a 5,88 milhões de toneladas em 2018. No ano passado, o Brasil produziu quase 358 mil toneladas de tilápia, número que colocou o País em quarto lugar no ranking mundial, atrás apenas de China, Indonésia e Egito. Esse volume também representa mais de 51% de toda a produção nacional de peixes cultivados, que se aproximou de 692 mil toneladas.

Mauro está bem familiarizado com esses dados, e não apenas pelo interesse mercadológico, mas também pelo envolvimento direto com a Peixe BR. Desde a fundação da entidade, a Cristalina é associada e ele integra a diretoria, no cargo de tesoureiro. “Em um primeiro momento, o objetivo era criar e estabelecer a imagem institucional da associação como referência da piscicultura. Cumprida essa meta, agora temos um forte trabalho em questões legais, licenciamento ambiental, regularização da atividade em águas da União, o que contribui para o amadurecimento do setor.” A atuação de Mauro junto à entidade fortalece seu papel como jovem liderança do segmento.

NECESSIDADE DE INOVAR

A produção de tilápias da Cristalina é distribuída em torno de uma península localizada na Represa Xavantes, no Rio Itararé. De um lado, há um número menor de tanques, que ficam a cerca de 80 metros da divisa entre São Paulo e Paraná. Ali ocorre uma integração curiosa com a pesca local. A ração que alimenta as tilápias é armazenada em dois silos instalados próximos da margem, mas em uma parte mais elevada. O insumo chega aos barcos através de uma tubulação. Esse processo deixa resíduos (pó) na água entre a borda e os tanques, atraindo outros peixes e contribuindo para a atividade dos pescadores da região, que chegam a armar redes naquele espaço.

Do outro, toda a estrutura é cercada, além da água, por uma paisagem bucólica de montanhas, muito verde e até umas cabeças de gado Nelore da propriedade vizinha. Quando não há motores ligados, seja dos barcos, seja dos equipamentos de manejo, nada mais se ouve a não ser o som de quem se desloca na água, em especial os próprios peixes. Ao notarem alguma embarcação, as tilápias chegam perto. Relacionam essa aproximação com a distribuição de comida e nadam freneticamente ao encontro de quem passa pelos tanques, que medem 6 m2 de área e comportam até 4 mil peixes.

A única etapa de produção não realizada pela Cristalina é a criação de alevinos, que vêm de dois fornecedores. Os peixinhos chegam à propriedade pesando entre 1 e 3 gramas e são chamados de malha sete até malha dez, ou seja, a relação de seu tamanho com a malha da rede onde vai ficar. Depois vão para tanques bolsões de lona na fase de 30 a 60 gramas. “Em seguida, passam por uma primeira qualificação já com uma vacinação, um a um, e são colocados em tanques de tela maior, onde permanecem até alcançarem 200 gramas”, acrescenta Mauro. Nesse ponto há uma nova classificação e os peixes seguem ganhando peso, até 900 gramas, quando entram na etapa de terminação. “Para uma grande parte do mercado, em especial restaurantes de comida japonesa, trabalhamos com tilápias grandes, na faixa de 2 quilos.”

O passo a passo desse manejo revela outro diferencial da Cristalina, que é o desenvolvimento de tecnologia própria. “A gente é meio Professor Pardal”, brinca Mauro, referindo-se ao personagem inventor dos quadrinhos de Walt Disney. Na propriedade há oficina para a construção e manutenção das gaiolas dos tanques e outras estruturas, mas a “invenção” mais curiosa é a classificadora de peixes, equipamento que separa os animais por tamanho. É nesse momento que eles são vacinados e direcionados para os tanques de acordo com a classificação. Desenvolvido na própria empresa, o equipamento ainda ganhou outras funcionalidades, como a pesagem e a contagem. “A piscicultura é uma atividade relativamente nova, que passou a ganhar escala nos últimos 20 anos. Então ainda somos carentes de máquinas e tecnologias específicas”, explica Mauro.

Dentro da indústria, a observação também é permanente para identificar desafios e respostas, tanto em equipamentos quanto em processos que garantam o melhor resultado. “Eu gosto da piscicultura e do frigorífico, de estar lá dentro, filetar peixe, e sempre dou meus pitacos nessa parte dos detalhes operacionais”, diz Mauro. Na linha de produção, por exemplo, a filetagem dos peixes é feita de maneira que toda a barrigada fique intacta, o que favorece a padronização dos filés e evita riscos de contaminação. A etapa de retirada da pele e o acabamento dos cortes seguem essa premissa, e esse cuidado é primordial para garantir a conquista de mercado. “Temos padrão e frequência no fornecimento, produzimos e entregamos peixe todos os dias. É isso que os clientes esperam de nós”, observa.

GESTÃO FAMILIAR, EMPRESARIAL E DE TEMPO

Mauro conta que um dos principais desafios de sua entrada na Cristalina foi aprender a separar as coisas, equilibrar a convivência profissional e familiar. “Sempre fui muito próximo do meu pai, mas quando começa a trabalhar junto a relação é diferente”, analisa. A paciência, o respeito e os objetivos comuns abriram caminho para alcançar esse equilíbrio e até mais espaço. Guilherme, o irmão do meio, também entrou para o time. “Ele é arquiteto e trabalhava em um grande escritório de arquitetura em São Paulo, mas com a crise em 2015 e nossa demanda na construção do novo frigorífico, acabou vindo para tocar a obra”, lembra Mauro. Após o término da construção da nova unidade industrial, Guilherme continuou na empresa e lidera a área de criação de peixes.

A maior participação da família nos negócios tem ainda outras vantagens, como a possibilidade de ter sempre alguém tomando conta quando é preciso se ausentar, seja por conta do trabalho, seja nos períodos de descanso. Para Mauro, essa tranquilidade tem sido ainda mais importante este ano. Ele está participando do programa de treinamento da Nuffield International Farming Network, instituição de alcance global e sem fins lucrativos que reúne líderes do agronegócio para trocar experiências sobre tecnologias e gestão de ponta. “Houve um programa brasileiro especificamente desenvolvido para a piscicultura, patrocinado pelo Grupo Bom Futuro. Um amigo me falou sobre o processo seletivo, me inscrevi e fui selecionado.”

A primeira etapa do projeto aconteceu na Holanda e agora há mais duas. Uma delas é uma viagem coletiva, com cerca de dez participantes, por seis países de três continentes. “Meu grupo vai passar por Singapura, Filipinas, China, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos visitando fazendas, centros de pesquisa, entidades de classe e organismos públicos do agronegócio ou relacionados ao setor”, descreve Mauro.

Certamente, todo esse processo ajudará Mauro no planejamento de sua próxima viagem de lazer, em relação ao tempo e à logística, pois o tema já está definido. “Sou um cara monotemático, quando não estou na piscicultura estou pescando”, conta o economista. “Às vezes faço viagens de pesca com meu pai e meu irmão, só não podemos ficar fora, os três, por períodos mais longos.” Os roteiros turísticos de Mauro também incluem viagens sem pescaria, e nesses casos a companhia é outra. “Minha namorada e eu gostamos muito de trekking, então sempre procuramos lugares com bons desafios, chegando a atividades de 12 ou 15 dias”, completa.

Mauro Tadashi Nakata

 

Cargo: diretor industrial e comercial da Piscicultura Cristalina

Faturamento: não divulgado

Composição dos negócios: produção de tilápias – piscicultura, frigorífico, logística e graxaria

Produção: 14 toneladas de peixe processadas por dia

Principais clientes: restaurantes (Outback, Barbacoa, Pinguim, General Prime Burger e Braugarten) e redes de varejo (Hortifrúti Oba e Zaffari)

Hobbies: viajar, principalmente para pescar e para a prática de trekking

TAGS: Mauro Nakata, Piscicultura, Top Farmers