Na agricultura, simplificar é uma boa maneira de evoluir

Fábio de Rezende Barbosa comanda o avanço do grupo NovAmérica, iniciado por sua família há 75 a


Edição 10 - 18.06.19

Fábio de Rezende Barbosa comanda o avanço do grupo NovAmérica, iniciado por sua família há 75 anos, na era das inovações tecnológicas. Mas, na relação com suas equipes, não abre mão do tradicional olho no olho

Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogerio Albuquerque

A produção do Grupo NovAmérica chegou, em 2018, a 6,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, somando os 82 mil hectares, entre áreas próprias e de parceiros, das duas operações agrícolas – uma em Tarumã (SP) e outra em Caarapó (MS). A meta para 2021 é bater 8 milhões de toneladas. Recentemente, teve início na empresa um processo de diversificação das atividades, que agora também envolvem 4,5 mil hectares de grãos (soja e milho) e um confinamento para 10 mil bois por ano. Em 2019, serão 15 mil cabeças e, para 2020, o plano é chegar a 20 mil. Assim como todos os passos da companhia, essa ampliação foi uma decisão coletiva, mas em grande parte impulsionada por Fábio de Rezende Barbosa, superintendente da empresa, que comanda a operação agrícola desde 2010. “Minha grande contribuição nesses últimos anos tem sido dar uma chacoalhada no negócio, provocar as pessoas a pensarem diferente e trazerem um olhar para o futuro”, comenta o gestor de 42 anos.

 

Facilitar a comunicação foi uma das maneiras que Fábio encontrou para estimular seus colaboradores a questionarem processos, buscarem novas soluções e sugerirem ideias sem o receio da censura. Tudo é considerado, e o que for mais interessante pode ser implantado. A própria estrutura do escritório da NovAmérica, em Tarumã, visa a simplificar essa aproximação: não há divisórias entre as estações de trabalho. A sala do superintendente ainda é separada por paredes, mas ele faz questão de manter a porta aberta. Na verdade, quem vem de fora e não o conhece tem dificuldade de identificá-lo em meio às equipes, inclusive no campo. Fábio é o tipo de gestor que se mistura, até com grande facilidade. “Gosto muito de conversar com as pessoas, do olho no olho, isso humaniza as relações. É por essa razão que mais vou à mesa de todos do que vêm à minha”, comenta. Fábio considera a qualidade e a sintonia de suas equipes o grande diferencial do negócio. “São muito motivados e não têm medo de desafio. Todo mundo tem o mesmo norte, o mesmo ritmo e a mesma fluidez.”

Pode parecer utópico imaginar uma comunicação perfeita, sem ruídos, dentro de uma companhia com mais de 2,6 mil colaboradores, mas Fábio dá de ombros. “Não sei se é um sonho impossível, mas temos de buscar essa sintonia perfeita, todo mundo sabendo o que deve fazer”, afirma. A equipe que já existia quando Fábio assumiu a operação agrícola do grupo passou por ajustes. Entrou gente nova, houve mudanças de posições e essa mistura deu origem a uma nova rotina, aprimorada, inclusive incentivada pelo amadurecimento do próprio Fábio, como ele mesmo diz. “Aprendi a perguntar e a ouvir melhor os outros, com mais calma. Essa é uma boa maneira de chegar mais rápido às respostas que a gente precisa.”

DA PRAIA AOS CANAVIAIS

Fábio lembra de forma bem-humorada o início de sua trajetória no negócio da família. “Na verdade, nem era para eu estar aqui”, brinca ele, que é formado em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Quando questionado sobre a razão de ter ido estudar em Florianópolis, o agora superintendente responde com outra pergunta: “E tem lugar melhor para estudar?”, supostamente referindo-se aos atributos que renderam à capital catarinense o título de “ilha da magia”. A abundância de belezas naturais não tirou de Fábio o foco empreendedor, a exemplo da casa de sucos que montou na praia e do tema escolhido para a monografia de sua conclusão de curso: Fundos de Investimento Ambientalmente Responsáveis.

Ao final da faculdade, em 2002, veio a oportunidade de Fábio ingressar na NovAmérica, que já contava com um processo de sucessão. “Achei que minha missão na praia já havia terminado, fiz um bom proveito e estava na hora de encarar novos desafios”, diz. Por dois anos ele ficou na companhia como trainee, até que em 2004 veio a decisão de que deveria fazer um estágio fora do País. “Fui para a França, e fiquei em uma trade (Sucden) em Paris. Depois, segui para o escritório dessa empresa em Bangcoc, na Tailândia. Também fui conhecer operações de refino de açúcar na Coreia do Sul e, em seguida, passei um tempo na Austrália”, recorda Fábio. “Foi uma ótima experiência. Passei a entender várias questões culturais e ferramentas importantes, assim como a organização do setor em diferentes lugares do mundo – como funciona a cadeia de fornecimento de matéria-prima na Europa, como é o pagamento na Austrália e como o açúcar é comercializado na Tailândia, por exemplo.”

Mais do que o aprendizado sobre o cenário internacional do açúcar, a experiência no exterior rendeu a Fábio um ganho importante para o desenvolvimento pessoal. “Quando você tem uma experiência fora e morando muito tempo sozinho, a primeira coisa que aprende é a se virar. Às vezes você não fala a língua de um determinado país, mas tem de aprender a comer, a perguntar e a achar a direção dos lugares. Isso faz uma grande diferença, pois não deixa você acomodado”, descreve. Hoje, além do português, Fábio é fluente em inglês, francês e espanhol. Toda essa bagagem cultural foi fundamental para a etapa seguinte que encararia na sua volta ao Brasil.

Em 2005, o Grupo NovAmérica adquiriu a Açúcar União e, como a produção não era suficiente para atender à demanda da empresa recém-comprada, foi necessário criar uma trading. Fábio ficou responsável pelo suprimento de açúcar dessa nova operação e pela trading, função que desenvolveu até 2008. No ano seguinte começou outra fase da companhia, quando houve a fusão com a Cosan (atual Raízen), envolvendo as unidades industriais, o terminal portuário e a trading. “A parte agrícola continuou com a gente”, conta Fábio. Entre o final de 2009 e o início de 2010, veio mais uma importante alteração: seu pai e seus tios resolveram separar os ativos da empresa. As unidades agrícolas de Tarumã e Caarapó ficaram com o núcleo familiar de Fábio.

Naquele período, todos moravam na capital paulista e não queriam voltar para o interior. Fábio era a exceção. “Nasci e cresci no interior, minhas raízes estão aqui, onde tenho muitos amigos. Vim para encarar um novo desafio e me senti muito confortável”, justifica. “Hoje, aproveito muito mais a parte cultural e gastronômica de São Paulo do que quando estava lá.” Até 2012, morou na fazenda, mas após seu casamento e o nascimento do primeiro filho decidiu se mudar para Assis, cidade vizinha. Fábio conta que foi uma boa transição e que não tem do que reclamar, ainda mais depois de a família ter aumentado. Agora são duas crianças, uma de 3 anos e meio e a outra com 1 ano e meio.

RIQUEZA NA BASE DE DADOS

A forma como lida com as informações sobre todas as operações da empresa tem sido outro grande diferencial na gestão de Fábio, principalmente a riqueza e a transparência desse conteúdo. E aí é que entra todo o aparato tecnológico do Grupo NovAmérica, uma combinação de equipamentos, maquinário, sistemas, procedimentos e capacitação dos profissionais, junção que dá uma visão ampla e detalhada de cada setor. Pelas telas dos computadores da sala em que se controla a pesagem na entrada e na saída dos caminhões, por exemplo, é possível checar a localização e a atividade de cada máquina que está no campo. Tudo é monitorado por satélite, todos os dias, e isso tem sido fundamental para melhorar a performance produtiva.

Há também uma série de métricas utilizadas para avaliar os resultados nos canaviais, como avaliação de perdas, arranque de soqueira, índice de uniformidade de plantio, entre outros fatores. Vale ainda ressaltar as vistorias rotineiras pelo campo. “Quando passo pelos canaviais e não vejo rastro de carro fico preocupado, pois é sinal de que não tem ninguém andando por ali. Então há algo errado”, analisa Fábio. Ele acrescenta haver um cuidado muito especial – que chamam de carinho mesmo – com o manejo das lavouras, desde o preparo para o plantio, o cultivo, o corte, enfim, todas as etapas. “Não fazemos pisoteio, controlamos o tráfego no canavial, não forçamos a volta quando chove, todas essas questões ajudam”, comenta.

A agilidade no processamento de dados é outro ponto de evolução do negócio. “Praticamente acabamos com papel em nossa gestão. Quase todos os nossos apontamentos são feitos por 23 aplicativos”, diz Fábio, que continua: “Temos um portal de aplicativos dentro da companhia que abrange desde um caminhão na oficina até os dados de campo, e quase tudo feito por celular ou tablet”. Além da velocidade na coleta de dados, a empresa ganhou em precisão e transparência, o que trouxe mais eficiência tanto para a produção no campo quanto para a administração. “Sem dados não há controle, e aí não faço gestão”, avalia Fábio. Ele acrescenta que essa clareza é benéfica inclusive para que as pessoas saibam com mais exatidão o nível de seu desempenho e o quanto ainda podem se desenvolver.

Os avanços tecnológicos nos setores agrícola e administrativo são fortemente impulsionados pelas parcerias que o Grupo mantém com diversos centros de pesquisa, em certos casos até para o desenvolvimento de projetos em conjunto. Entre as instituições parceiras estão Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa), Instituto Agronômico (IAC), Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e Fundação Educacional do Município de Assis (Fema).

As ideias para inovações vêm ainda pela troca de informações com outros produtores rurais. Fábio cita, por exemplo, Victor Campanelli (Agro-Pastoril Paschoal Campanelli S/A – Bebedouro, SP), escolhido Top Farmer na categoria Pecuária na primeira temporada da série. “Ele é uma das pessoas a quem pergunto um monte de coisas. Essa troca de informação é muito rica e importante entre os pares do setor, a gente procura fazer isso constantemente”, comenta. A agenda de viagens internacionais ajuda a ampliar e a aguçar o olhar. De duas a quatro vezes por ano, Fábio visita outros países para conhecer algum tipo de negócio, que nem sempre tem relação direta com as operações do Grupo NovAmérica. “No ano passado, fui à Califórnia ver uma fazenda de insetos. Também visitei nos Estados Unidos a maior processadora de tomates de lá, uma empresa que não tem hierarquia. Às vezes vou olhar essas coisas um pouco ‘fora da caixa’ porque acredito que nem todas as respostas estão no próprio setor”, explica.

MOMENTO ESTRATÉGICO

A diversificação de atividades do Grupo NovAmérica é uma saída para enfrentar o atual momento do setor sucroenergético e já uma preparação para o que Fábio pretende no futuro. Ele espera que a cana represente não mais que 50% do faturamento da empresa, até para resgatar um pouco do que já ocorreu em outros períodos da história da companhia. A volatilidade dos preços para a cana e a constante redução nas margens de lucratividade pressionam os produtores por novas soluções. “Se tivermos mais dois ou três anos iguais a este, a tendência é diminuir a quantidade de cana. O setor não vai conseguir se sustentar por muito tempo do tamanho que está, operando do jeito que está”, avalia Fábio.

Por outro lado, o gestor vê nesse cenário uma abertura de oportunidades. Para ele, o momento desafiador não permite ficar acomodado e força todos do setor a buscar novas saídas, mais produtividade, mais eficiência. “É uma baita chance pra gente se mexer, conversar com todo mundo, ter mais consciência e carinho com as lavouras e os equipamentos, e ajustar aquilo que normalmente não mexemos”, diz Fábio, que espera ser cada vez menos necessário nas decisões da empresa. A preparação da companhia para a era digital e para ter um modelo de administração mais horizontal e pouco hierárquico reflete essa estratégia de evolução. “As decisões monocráticas não servem mais, pois as variáveis aumentaram e precisamos considerar as ideias de todos. O contraditório harmonioso é bom, faz bem à gestão. É muito melhor, e até mais gostoso”, complementa.

SALVO PELA PESCA

A pescaria é uma das atividades preferidas de Fábio, tanto que roda o mundo em busca dos melhores lugares para a prática. Todo início de ano ele programa quatro viagens, duas nacionais e duas internacionais, nas quais é comum conhecer pessoas com interesses comuns além do esporte. “O tipo de pescaria que costumo fazer demanda tempo, equipamentos caros e é praticado por gente muito capacitada, que geralmente é de negócio, como industriais e profissionais liberais”, explica. Não por acaso, até o ano passado Fábio mantinha um empreendimento de pesca em Cingapura, algo que iniciou desse tipo de contato.

Muito mais do que hobby ou oportunidade de networking, as aventuras aquáticas são, na verdade, uma importante terapia, no sentido literal da palavra. Lá em 2007, Fábio estava com 32 anos e tinha uma rotina de trabalho bastante puxada. “Eu queria fazer tudo, bater o escanteio e correr para cabecear”, compara. Por causa dessa disposição além da conta, foi acometido por um AVC que o deixou internado por 20 dias, com metade do corpo dormente. Curiosamente, o problema aconteceu um dia após Fábio ter voltado de uma pescaria. “Aquilo foi muito forte. E ficou ainda mais sério após o médico me dizer que eu poderia morrer se continuasse a viver da mesma maneira, reforçando que eu não levaria nada, pois caixão não tem gaveta. Aquele comentário me levou a pensar mais seriamente no que eu faria da minha vida a partir dali”, recorda, ainda impressionado com aquela conversa, e agradecido por ter saído ileso de um episódio tão grave.

As pescarias mais frequentes e em lugares mais distantes foi a grande mudança que Fábio promoveu na sua forma de viver. “É algo que eu adoro, é minha meditação. Às vezes fico seis ou sete dias, totalmente focado, como se fosse meu retiro espiritual. E sempre volto revigorado, cheio de energia”, ressalta. Essa passagem de Fábio é uma grande demonstração do quanto se pode aprender e evoluir diante das adversidades. Até seu bom humor característico ficou melhor. “Sempre fui bem-humorado, mas era muito nervoso, não tinha muita paciência. Foi importante para rever alguns conceitos da minha vida.”

Fábio de Rezende Barbosa

42 anos, casado, tem dois filhos; formado em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina

Cargo: superintendente

Faturamento: não divulgado

Composição dos negócios: produção de cana, grãos (soja e milho) e gado de corte (confinamento)

Produção: 6,5 milhões de toneladas de cana (este ano)

Principal cliente: Raízen

Hobby: pescar

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