No café, é preciso ter paciência para se tornar especial

Representante da quarta geração de uma família produtora de café, Anderson Minamihara ajudou a m


Edição 10 - 14.05.19

Representante da quarta geração de uma família produtora de café, Anderson Minamihara ajudou a mudar a rota e o patamar do negócio que hoje alcança as xícaras dos mais exigentes consumidores em várias partes do mundo

Por Romualdo Venâncio | Fotos João Castellano

Patrocínio: Corteva Agriscience

A discreta e constante atenção de Anderson Minamihara aos alertas do relógio de pulso revela um pouco de sua habilidade para gerenciar os diversos compromissos, mesmo que paralelos. Além das horas e minutos, o smart watch sincronizado com o celular mostra de imediato quando o administrador recebe alguma ligação, um e-mail ou outro tipo de mensagem. Essa agilidade tecnológica é preciosa, sobretudo para quem busca exatamente agregar valor à produção de cafés especiais e estabelecer uma marca como sinônimo de alto padrão de qualidade em meio aos mercados mais exigentes. “As coisas vêm acontecendo mais rápido do que eu esperava”, comemora Anderson, que está com 30 anos e há três ingressou de forma definitiva no negócio da família, como diretor de Qualidade e Estratégia. Formado pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), já conseguiu abrir espaço para o Café Minamihara na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. “Exportamos para Japão, China, Taiwan, Hong Kong e Dinamarca, onde nossos cafés passam pela torrefação La Cabra Coffee Roasters e seguem para mais de 30 países no continente europeu e para Nova York”, detalha.

Se da porteira para fora a passada é ligeira, do lado de dentro é a paciência que garante os melhores resultados e dá sustentação às atuais conquistas. A produção do Café Minamihara fica na cidade de Franca, na Alta Mogiana, região do interior paulista com tradição em cafés especiais. São 150 hectares de cultivo totalmente orgânico, envolvendo mais de 40 variedades de café arábica e, na maior parte, de forma integrada, com os cafezais sob abacateiros. Essa associação de culturas deu origem a um microclima diferenciado e altamente favorável à produção de cafés especiais. “Criamos um terroir onde é possível diminuir a temperatura em até cinco graus, em comparação aos pés de café expostos ao sol”, afirma Anderson. Esse resfriamento natural ocorre tanto pelo sombreamento quanto pela troca de calor entre as folhas, e acaba impactando na maturação dos grãos, que se torna mais lenta e mais homogênea.


Há ainda diversos outros processos que preservam o elevado padrão de qualidade, como a colheita manual e seletiva, em que são retirados das plantas apenas os grãos que estão no ponto exato determinado pela empresa; e a secagem em terreiros suspensos, onde também há um minucioso controle para assegurar que fiquem apenas os grãos ideais. O manejo inclui até técnicas biodinâmicas, com a definição da colheita de acordo com as fases da lua para obter um grão mais cheio, com mais água ou mais açúcar. Tudo é pensado detalhadamente. “No ano passado, mais de 85% de nossa safra teve classificação acima de 85 pontos”, diz Anderson, referindo-se à pontuação da tabela da SCAA, sigla em inglês para a Associação Americana de Cafés Especiais (Specialty Coffee Association of America). “Toda a produção é de cafés especiais, até mesmo os grãos que caem no chão geram uma bebida acima de 80 pontos”, acrescenta.

O equilíbrio entre as questões mercadológicas e agronômicas tem sido determinante no sucesso do Café Minamihara como um produto de reconhecimento internacional. Desde a faculdade Anderson já pensava em como agregar valor à produção e criar estratégias de marca e mercado. Ele, inclusive, começou a estudar administração com ênfase em marketing na ESPM, em São Paulo (SP), mas dois anos vivendo a agitação da metrópole foram suficientes para decidir retornar ao interior. Nos três anos em que está na empresa, intensificou a busca de conhecimento sobre a cadeia produtiva de cafés especiais e o comportamento dos consumidores, dentro e fora do Brasil. Por outro lado, há também as décadas de experiência de seu pai, Getúlio Minamihara, engenheiro agrônomo que desde sempre está envolvido com lavouras de café. É aí que as gerações se complementam. “Não foi tão fácil convencer meu pai de muita coisa que estamos implantando, mas fui mostrando, explicando com bons argumentos e acertamos”, observa Anderson, que acrescenta: “Uma grande contribuição da minha parte foi olhar para a empresa de forma diferente, fora do convencional, e já com uma ampla estratégia de negócio”.

EXPANSÃO COMO HERANÇA FAMILIAR

Assim como diversos imigrantes japoneses que vieram para o Brasil, os bisavós e avós de Anderson acabaram se instalando no norte do Paraná. Os ancestrais por parte de pai, que trouxeram o sobrenome Minamihara, ficaram na cidade de Assaí e os do lado da sua mãe, Clara, os Tomimatsu, foram para Rolândia, um pouco mais próximo de Londrina. Os dois núcleos entraram na produção de café, mas tiveram trajetórias diferentes com a cultura. No início dos anos 1970, o avô Minamihara participou de uma visita técnica na Alta Mogiana sobre a ferrugem do cafeeiro, doença fúngica recém-surgida no País, e acabou descobrindo mais do que imaginava. “Meu avô ficou encantado com essa região e retornou ao Paraná enlouquecido para se mudar com toda a família. Vendeu as terras que tinha lá, comprou um sitiozinho por aqui e começou a plantar café”, conta Anderson.

Essa mudança tirou os Minamihara da trilha da “geada negra”, uma tragédia natural que ocorreu em 18 de julho de 1975 e dizimou a cafeicultura paranaense. Os Tomimatsu não tiveram a mesma sorte. Segundo Anderson, eles já eram os maiores produtores de café do estado, chegando a colher entre 60 mil e 70 mil sacas, mas naquela madrugada perderam os cafezais e muito dinheiro. “Depois daquele desastre, meu avô passou a trabalhar só com outros grãos”, acrescenta. O avô Tomimatsu faleceu no ano passado, mas a avó continua em Rolândia, tocando a fazenda com um dos filhos. “Ela segue firme e forte e não quer sair de lá”, conta Anderson, demonstrando uma pitada de orgulho.


As trajetórias desses dois núcleos familiares contribuíram para a formação pessoal e profissional de Anderson. “Do lado da minha mãe é forte o aprendizado de ser muito cuidadoso com tudo. Já por parte do meu pai é marcante a questão da persistência, a ideia de continuidade”, exemplifica. Esses conceitos são notórios em diversos avanços que ocorreram de forma bastante natural. “É o caso do cultivo de abacate, iniciado há mais de 30 anos, quando valia muito pouco, e hoje representa cerca de 40% do nosso faturamento”, diz o gestor. Pelo retorno gerado pelo abacate, há quatro anos até se cogitava retirar os cafezais e privilegiar a monocultura. Mas foi exatamente essa dobradinha que serviu de plataforma para o processo de certificação da produção orgânica, conquistada há três anos, e atraiu a atenção de potenciais compradores estrangeiros.

A mudança do cultivo convencional para o orgânico foi mais uma questão de necessidade do que um diferencial mercadológico. Anderson relata que o uso excessivo de agroquímicos havia prejudicado a produtividade das lavouras, então seu pai decidiu tentar reverter o quadro retomando a forma tradicional como tratavam a roça no Paraná. “Por conta disso, nossa fazenda produz cafés especiais e orgânicos há mais de dez anos”, afirma o administrador, que viu nessa alteração do ambiente uma condição a mais para implantar as novas estratégias. “Minha tese na faculdade foi sobre agregar valor à experiência do consumo de café. Mas como fazer isso em uma propriedade relativamente pequena, dentro da cidade e sob forte pressão de investidores para transformar tudo em condomínios residenciais? Era preciso valorizar nosso metro quadrado para competir”, analisa.

UM CAFÉ PARA O MUNDO

Ao escolher o sobrenome da família como a marca da empresa, Anderson já sabia o impacto que poderia gerar no mercado internacional, mais acostumado a pagar o valor merecido pelos cafés especiais. “Se chamássemos de Café Santa Maria, por exemplo, seria mais difícil os consumidores estrangeiros relacionarem a bebida com uma de nossas fazendas, não teríamos singularidade. Como Minamihara há toda uma referência à história da família e à descendência japonesa”, explica. Sem contar que no Japão, um dos países mais evoluídos no mercado de cafés especiais, já haviam licenciado a marca Minamihara para comercializar os grãos importados dos cafezais de Franca.

Anderson esteve recentemente na feira Tokyo Cafe Show, no Japão, e ficou impressionado com o reconhecimento que o café brasileiro vem conquistando dos consumidores e dos mercados internacionais. “Isso é muito gratificante, pois há cerca de uns quatro anos campeões mundiais de barismo não acreditavam tanto no café do Brasil”, comenta. Ele cita ainda a satisfação que é entrar em uma cafeteria de um shopping em Tóquio e encontrar lá o Café Minamihara. “Como diz um amigo meu, é de cair as lágrimas”, brinca. Apresentar essa nova realidade da produção nacional, e não apenas do Café Minamihara, é uma das prioridades do jovem gestor, que também visitou, este ano, a World Coffe, realizada pela Specialty Coffee Association, em Amsterdã (Holanda). A impressão foi a mesma. Nessas oportunidades, também divulga a marca Alta Mogiana, pois tem indicação de procedência.

Os Minamihara recebem muitos estrangeiros na fazenda, interessados em conhecer os cafezais e confirmar se a produção é realmente o que souberam na teoria. Não raramente, hospedam os visitantes em sua própria casa. É o caso de Yuko Yamada Itoi, proprietária da Cafe Time, empresa japonesa de torrefação e comercialização de cafés especiais de Kyoto, e jurada internacional do Cup of Excellence (COE). Yuko é uma referência importante para Anderson, por seu conhecimento e pelo que ela representa no mercado global de cafés especiais. No dia em que a família Minamihara recebeu a equipe do projeto TOP FARMERS, Yuko estava lá e comentou o que vê nos cafés especiais do Brasil: “Encontro por aqui produtos com alto padrão de qualidade, inclusive com características de sabor e acidez semelhantes às que vemos em países africanos, como Etiópia e Quênia. Certamente, os cafés especiais do Brasil têm muito espaço no mercado japonês”.


Anderson aproveitou a presença de Yuko para realizar uma sessão de cupping, a degustação técnica baseada em olfato e paladar para avaliar diversas características que determinam a qualidade do café. Ainda que se tratasse de uma demonstração informal, foi o suficiente para se ter uma ideia da amplitude e da seriedade dos critérios e dos processos desse ritual. Para ele, é fundamental conhecer a fundo os diferenciais do próprio café para poder agregar valor à produção. “Conseguimos exportar sacas de 60 quilos com valores
que vão de R$ 2 mil a R$ 10 mil. Com nossos cafés mais básicos, por serem orgânicos, alcançamos preço de R$ 1,5 mil a saca”, diz o produtor.

CAFETERIAS PRÓPRIAS

Se tem algo que Anderson estuda tanto no segmento de cafés especiais quanto a qualidade é o comportamento dos consumidores desses produtos. “Quando estou fora, gosto muito de ir às cafeterias e lojas de café e ficar observando os detalhes, o que as pessoas olham nas embalagens, o que perguntam, o que pedem ao barista. Fico atento a esses conceitos, o que há de diferente para trabalharmos isso por aqui também”, relata. Essa minuciosa investigação certamente será bastante útil aos planos de abrir cafeterias Minamihara dentro e fora do Brasil.


O foco principal é o exterior, mas o projeto para o mercado nacional é ambicioso. Até pela localização à beira da Rodovia Cândido Portinari, uma estrada duplicada, o plano é ter uma loja conceitual, uma flagship que reúna visitação à fazenda e a experiência de acompanhar toda a preparação e o consumo do café. A ideia é que os clientes passem por algo inusitado em relação às sensações provocadas pela bebida. “Ainda que o cliente não saiba nada sobre cafés especiais, no mínimo surgirá uma curiosidade e com certeza será um primeiro passo para despertar a paixão por essa bebida”, aposta Anderson. “A gente sempre quer passar ao consumidor todo o carinho e o nosso empenho na produção desses cafés. E, quando a pessoa ouvir ou ler nossa história, conseguirá associar esses passos às características da bebida”, completa.

Enquanto a loja própria aqui no Brasil ainda está no planejamento, é possível encontrar os cafés especiais Minamihara em algumas cafeterias de grandes centros, como São Paulo e Curitiba, ou pelo e-commerce. A loja virtual da empresa, cujo apelo é mais institucional do que comercial, também é estratégica, pois trata-se de um canal de vendas que diz muito sobre os consumidores e contribui para o posicionamento da marca. Outra forma de apreciar a diversidade de cafés da marca é convidar o Anderson para um almoço ou jantar na sua casa e pedir a ele que leve seu kit de barista. É sucesso na certa.

 

Anderson Mitsuhiro Minamihara

30 anos, solteiro, formado em Administração pela Unaerp

Cargo: diretor de Qualidade e Estratégia

Faturamento: não divulgado

Composição dos negócios: produção orgânica de café e abacates

Produção: 2 mil a 3 mil sacas de café por ano (média bianual) e 2 mil toneladas de abacate por ano

Principais clientes: mercado externo – Ásia (Japão, China, Hong Kong e Taiwan), Europa (vai para Dinamarca, e de lá para outros países no continente) e Estados Unidos

Hobby: paixão por carros, praticar crossfit e churrasquear

TAGS: Anderson Minamihara, Café, Orgânicos, Top Farmers